Otildo Justino Guido (1998), moçambicano, natural de Inhambane, escritor, poeta, músico, compositor e activista cultural, formado em Contabilidade e Finanças, formando também em Contabilidade e Auditoria, membro da Associação Cultural Xitende, co-mentor do Projecto Cultural Tindzila, mentor e Director Geral do Centro Cultural Palavra & Sol, Representante do Encontro de Poetas da Língua Portuguesa em Moçambique, Vencedor do Prémio Literário Fernando Leite Couto, 2019, terceiro classificado do Concurso Memórias do Idai. Publicado em várias antologias e revistas nacionais e internacionais. É com ele que hoje conversamos enquanto esperamos ansiosamente pelo lançamento da sua primeira obra, “O silêncio da Pele” com a qual venceu a última edição do Prémio acima citado. O evento acontecerá amanhã, 18/11/2020, às 18 horas na Fundação Fernando Leite Couto.
1. O que vês no ventre de uma folha?
Vejo um possível silêncio capaz de fazer alguma diferença no mundo.
2. Será a literatura uma força contra o tédio?
Sim. E mais: a literatura é uma força contra o comum. É uma lâmina que rasga a coisa normal, existencial e natural. A literatura é um protótipo quase acabado que nasce da insatisfação perante a estética da obra produzida pelas mãos de deus.
3. Há alguma peça chave para se escutar o discurso do Silêncio?
Penso que sim, a coragem. É preciso coragem para se deitar sobre o vazio da voz, e penetrar no íntimo da pele da humanidade, e escutar com os ouvidos da alma, enquanto a boca aberta, cheia de feridas causadas pelas coisas que correm, bebe a filosofia da fome, do silêncio, da caligrafia, e da pele, para brotar dentro dessa luz interna, que é o coração do mundo, o remédio que tenta curar o tempo.
4. O que te diz o Silêncio da Pele?
Diz-me a voz calada que fala com a linguagem da carne, e mais ainda, com o sotaque dos mundos que o corpo acolhe. Escuto a ferida aberta pela navalha do tempo, a cicatriz causada pela caligrafia do ocidente, o amor como asa que faz os morcegos reconstruírem os céus, a filosofia desuniversal da pedra, do fogo e da água.
5. Qual é a matéria imutável de um poeta?
A dor. A dor é a matéria imutável de um poeta. A poesia está ligada intimamente com a dor. O sofrimento. A angústia. A solidão. A insatisfação. É isso que faz poemas. E se não for, considere a minha falta de idade o maior equívoco para conhecer essa matéria.
6. Já tiveste aquele sonho em que cais?
Escrever é esse sonho em que caio. Porque é inacabado. Não há fim. Está sempre iniciando. Não há certeza de nada. E esse tombar que me refiro, é para dentro de mim: arrancar o sangue e trazer a superfície. Para quê? Por quê? Ninguém consegue responder. Nem eu. Por isso caio quando sonho com os pés, neste universo onde o silêncio tem maior valor que qualquer palavra.
7. O que cabe na pele de um verso feito de Pólvora?
Por enquanto cabe Cabo Delgado, e tantos outros Cabos Delgado do mundo. E o poema que se constrói partindo desses versos feitos de pólvora, é uma espécie de contra-armas para desconstruir a guerra. Porque o poema não serve para matar, ele ressuscita. E essa pólvora que forma o verso é uma pedra dura e fraca (como uma pedra pode ser dura e fraca ao mesmo tempo?) que quando atirada contra o tempo pode abrir enormes buracos onde possamos espreitar o futuro e curá-lo antes que nos infecte.
8. Tens saudade de morrer?
Morrer é um acto de inliberdade. Talvez no poema tenha saudade de morrer. Porque a poesia tem muito disso: desdizer o que falamos. É um mundo perfeito para se gritar com a voz viva contra o tempo e se ouvir silêncio.