Não fui eu que disse. Também ouvi por aí. Mas já não é nenhuma novidade, até os que não são daqui sabem. Os que têm a noção de que pensar é um acto revolucionário sabem que a insurgência em Cabo Delgado não é exactamente um campo de treino dos Al Shabab's, etc's. Fiquei boquiaberto ao ouvir aquilo. Se tivesse sido eu a dizer, talvez, na visão do meu santo governo, seria um extremista. Mas não fui eu. Simplesmente acenava a cabeça quando ele dizia que a Frelimo é o novo Estado Colonial Português. Eu, muito atento, fumava o meu cigarro que formava cinzas em cada segundo, enquanto ele acrescentava que não se trata do colonialismo de Antônio Enes, etc. Esse foi subtil. Para ele, trata-se de uma Frelimo semelhante ao governo de Salazar, cuja finalidade é puramente econômica, razão pela qual, reforça-se a vigilância e já há culturas forçadas.
Na versão atualizada do governo de Salazar, a capital moçambicana, Maputo, é o centro das atenções. E, por isso, é a capital política, econômica e administrativa. É aqui onde vivem os santos. Os donos da razão. Mas ele não concorda com isso. Diz que a situação de Cabo Delgado é resultado da ira da população. Principalmente dos jovens que não têm sequer uma televisão, mas ouvem por aí que na sua província há recursos naturais. Ouvem por aí que os grandes homens com dinheiros incontáveis, já estão a colaborar com o santo governo local para a exploração dos mesmos recursos.
É natural, disse ele, que as pessoas se sintam esquecidas como farrapos que limpam um chão insignificante. Cabo Delgado é, na verdade, um ensaio da Revolução de Cravos. É, na insuficiência/falta de cravos em Moçambique, usa-se balas para florear Cabo Delgado. Tirei lágrimas porque não tinha mais cigarros para fumar. Lembrei-me do assassinato da mulher indefesa por aquelas terras, acusada de ser terrorista. Tive de comprar umas cervejas para digerir melhor a informação. É que a lucidez me incomoda, sobretudo quando ouço verdades duras.
Por fim, ele lamentou dizendo que Moçambique precisa de um Deus que possa lembrar aos nossos santos que hoje é Cabo Delgado, mas, infalivelmente, o fogo vai se aproximar da área protegida, sul de Moçambique. Achei ateu aquele discurso, mesmo assim, em nome do Senhor, orei por ele!
Por Jorge Azevedo Zamba