Os ponteiros da agulha remam nas ondas da derradeira soalheira. Ouve-se no fundo, sons a galgar de passos urgentes à folga depois de uma jornada exaustiva do labor, dos estudos, entre outras actividades diárias. O alcatrão ferve no chão pelo aglomerado de passos dados por peregrinos de origem e destino desconhecidos como formigas na hora de recolher. Jovens e raparigas trajados de vestes multicolores que lembram cores de um arco-íris após uma chuva de verão e homens de fato e gravata vêm-se caminhar como pinguins à solta apeando escadas oriundas de escritórios e escolas conduzindo os seus pés introduzidos em calçados pontiagudos como se fossem levantar um voo. Algo mais intrigante chama-me à atenção: os assentos volumosos femininos que instigam o leite fálico do vulcão vigoroso dos machos.
Das entranhas de museu emana-se o cheiro do “óleo queimado” de mariscos, frituras e do fumo expelido da grelha de chouriçadas, carne suína e bovina é servida à mesa com “xima”, prato típico. O menu nunca reveza. O labirinto das barracas que se expõe dentro e fora do mercado encontra-se abarrotado de clientes. Não importa se és um doutor, Phd ou engenheiro civil, nas conversas banais e risadas por vezes gargalhadas soltas enquanto troca-se um par de copos todos são cidadãos comuns.
A miscelânea gastronómica acompanha todo transeunte que por vezes dá-me impressão de estar a degustar as iguarias com o olfacto. Todavia, coisa alguma pode desnortear esta emergente caminhada rumo ao ponto de partida dos autocarros como de costume deve já estar como um número gordo de passageiros que apostam em dar o que é do César ao César do cobrador por dobro para garantir o assento. Enquanto isso, doutro lado observam-se nas calçadas membros inferiores humanos activados no modo “hasty-feet”, o autocarro ainda não curvou para a estação e já está previsto quem deve ser o primeiro e o último a entrar, é possível ver o desalento estampado na face dos idosos que se quer movem-se do passeio. Já os jovens, favorecidos pela sua classe de gente nova na pista da vida aparecem em destaque podendo outros figurarem-se com alguma experiência, agilidade e astúcia nas suas intervenções impetuosas adentro do autocarro. Alguns adolescentes arriscam-se a perder a vida colocando-se em frente das viaturas e o pretexto deles é, “tenho que percorrer toda a viajem sentado até o destino”, objectivo comum, pois todo passageiro também deseja o mesmo para si. Contudo, na hora de ponta é uma realidade inconcussa que a quantidade de passageiros seja desproporcional ao número de assentos das viaturas; descortina-se a arte de rua nesta altura de adolescentes que se jogam pelas janelas para o interior dos transportes e os adultos ficam boquiabertos ao ver a atitude delinquente dos mais novos e por vezes para não ficar para trás tentam dar um punho de osso com a juventude e a voz sinfónica de uma multidão de cobradores ecoa no ar, “Malhazineeeeee… Zimpeto; Albazine; alguns colegas desta profissão ironicamente clamam, “Magoanine sentado”.
Por sua vez, os passageiros dotados de acerbo corporal não se deixam intimidar dos ligeiros e juntam-se à pista de combate para subir o autocarro aproveitando na maioria das vezes sobressair através da sua enorme estatura. Em alguns casos o motorista chega a estacionar o transporte mais adiante obrigando os passageiros a exercerem uma competição atlética para alguns simples de efectuar passando-se por “Usain Bolt” na sua execução em direcção ao transporte e para outros, um grande desafio, uma vez que a prática de atletismo não faz parte da sua rotina. Já dentro do autocarro o ar fica cada vez mais asfixiante, o passageiro sem assento involuntariamente é obrigado a pendurar sua mão na argola de segurança e pode-se propalar o odor da baforada dissipada a partir das axilas turvas de alguns passageiros com ponto de saturação desproporcional ao seu estado das C.N.T.P (condições normais de temperatura e pressão). Para a desgraça dos passageiros em todas as rotas sempre existe um passageiro bêbado irrequieto vestido de farrapos, para ele todos os dias são sexta-feira.
O transporte apressa-se a sair para chegar antes dos outros. Ao longo da viagem, toda a gente encontra-se sossegada por vezes alguns tentando roubar uma soneca. Mesmo de pé a fadiga não pede licença, invade minha mente aproveitando o momento em que a música reproduzida no rádio da viatura desenvolve ondas de ressonância elásticas e afrouxadas e logo suscito uma soneca.
O civismo e a moral sofrem atropelos, mulheres carregadas de fardos de gestação permanecem em pé, não há fiscal responsável para exigir dos passageiros a preservação dos bons hábitos e costumes, adolescentes (de)mentes desprovidas de educação e cultura cobrem seus orifícios auditivos com auriculares de marcas expressivas como forma de não dar importância aos idosos que tentam se segurar nas cadeiras para não quebrarem-se os braços secos e minúsculos quase a despenderem-se os tecidos dos seus membros. Acovardado levanto-me e cedo o assento a um idoso e ele agradece soltando rasgados elogios pela modesta atitude:
– “Khanimambu ntukulo wanga unga yitsike mbilu leyo”.
Já vai descer o primeiro de vários passageiros. – Dá licença, desço na próxima paragem, um por um e o transporte paulatinamente vai ficando deserto de gente e os assentos há pouco ocupados vão surgindo vagos. O cobrador avança com as cobranças.
– Vamos pagar passageiros.
Alguns passageiros são arrebatados do sono ao ouvir a voz do cobrador. As moedas terlintam na concha das mãos untadas de óleo sodoríparo. A dinâmica na cobrança e cálculo dos trocos é genial quando se trata de dinheiro. Apesar de não se requerer um currículo de cobrador, com certeza, a formação profissional requisitada é de saber contar até o infinito do valor que se recebe. O autocarro cruza a praça e vira à direita com uma velocidade irregular e encosta na berma da estrada e por fim chegamos ao destino.
Por Lénio Paulo Muhate