A vida é um caminho que tem como última paragem, a felicidade eterna, porém há bocas que afirmam que a última paragem da vida é a morte, o que quer dizer que a morte é a inexistência da vida. A morte carrega uma essência híbrida na sua identidade, pois ela pode ser: espiritual, carnal ou ambos dependendo do ângulo de vista do observador. Muito tem-se dito acerca da morte, mas até hoje ela continua um mistério para consciência humana. Se me perguntassem acerca da existência ou não da morte, prefiro me alicerçar aos Dt 29.29 - “as coisas encobertas pertencem ao Senhor, nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem [...]”. Seria bom, se o ser humano parasse de questionar “tudo e nada” aceitando as coisas reveladas por Deus. Que os filósofos não leiam isto, se não serei apedrejado, ou pior, serei “silogislado”, uma vez que o cepticismo é uma das qualidades de um filósofo que se prese.
Na verdade a morte causa um fascínio abismal para os que buscam compreendê-la. Há quem diga que para compreendê-la é preciso compreender a vida. Mas como compreender algo que por si só é complexo? Para mim, querer entender a vida é o mesmo que escrever na água, é uma tarefa difícil de se concretizar. Compreender a vida não se difere de compreender a felicidade, pois ambas carregam uma dualidade interpretativa. Há quem diga que a vida é um mar de rosas, e há quem diga que é um mar de espinhos, mas há quem ainda nunca disse que a rosa e o espinho são partes da vida. Essa é a beleza que faz a vida, essa dissonância harmônica exposta por Valete na música: Dor e Prazer. Nesta música, Valete traz à tona a dualidade que faz as relações humanas, principalmente as amorosas. Primeiramente, ele narra a história dos seus progenitores desde o galanteio que seduzira sua mãe a se acoplar com o player são-tomense que era seu pai, um jovem poeta amador que cantou baladas que fisgaram sua donzela. Em meio a esse cenário cinematográfico que pinta o imaginário feminino, o galã revela a sua torta máscara após profanar o “templo” da moça, ele recusou-se de assumir o “rebento que o descuido procriou” tal como narra aqui o rapper.
Analisando essa primeira cena do enredo, torna-se claro que uma relação amorosa não é um elo de perfeição que os mass media tentam vender a todo custo. Acoplar-se amorosamente é aceitar as imperfeições de outrem de maneira racional; é o que a “mocinha” fez, depois do galã desaparecer cerca de um semestre deixando-a na solidão e com “a semente que o descuido procriou”. O adornador de corações femininos, ressurge munido de palavras diabéticas e lamuriosas para embalar o órgão oco e musculoso, motor de circulação do sangue da sua donzela. E como se aquelas palavras fossem um combustível, reactivaram a chama do coração, ela o perdoa dando um exemplo sublime de que o amor é benigno e não guarda mágoas. Talvez ela compreendeu mais cedo que o caminho para felicidade muitas vezes é feito de desequilíbrios que nos impulsionaram a seguir a jornada sem preocupações sobre o destino, como diriam os palestrantes motivacionais: “não se preocupe apenas em querer chegar ao teu destino, a caminhada também carrega suas belezas”; foi exactamente essa beleza da jornada que coloriu o coração e a mente da progenitora do sujeito poético desta música. “Apesar de revoltada, minha mãe continuava apaixonada”, o prazer por alcançar o coração do galã atenuou a dor que lhe era um desalento.
Após três meses de reconciliação do casal o narrador ganhara o sopro da existência, para a felicidade dos progenitores, porém a chegada de um filho exige responsabilidades acrescidas, o que deixava seus pais esgotados, pois trabalhavam como escravos para dar uma vida de príncipe ao rebento. Na minha mísera opinião, é neste momento onde o limiar de “Dor e prazer” se faz sentir neste enredo, ilustrando de forma crua e nua que o alcance de um determinado prazer pressupõe a priori uma dor que na maioria das vezes esgota a nossa paciência, que nos digam os mancebos nas suas incursões amorosas! Quem nunca sofreu para alcançar o que mais deseja(va), que atire o primeiro advérbio de negação. Foi o que imaginei!
“Se não tens amor, é só dor; se queres prazer dás amor”, essa frase é o coro da música, sempre que Valete termina suas narrações, Aniyah dá azo a sua voz num tom harmonicamente melódico que me recorda a musa dos meus tempos insanos, Angélica Bié. A voz da corista deu asas a minha imaginação, deleitei-me nefelibaticamente em panoramas intangíveis e indeléveis no Id.
Valete continua a narração levando-os a um cenário muito distante dos seus pais. Ele faz questão de abrir um dos compartimentos do seu coração, onde encontramos uma moça “de ária africana” que se sentia enamorado pelo artista. Valete revela que ela era uma fã que apreciava o seu trabalho, e que o ensejo dela em conhecê-lo pessoalmente era avidamente apaixonante. Como é de praxe, o lobo solitário que não quis perder a oportunidade, abocanhou a ovelha, pois os encontros a dois de tanto serem recorrentes, terminaram na nuvem artificial deleitando-os nos braços da fantasia carnal. Entretanto a atracção pela moça foi desvanecendo gradualmente como o nevoeiro que evapora quando o sol ganha estabilidade. “Ela entrou num caos depressivo, auto-punitivo e quase vegetativo (…) entregou-se a um processo erosivo e corrosivo (...) ficou esquelética e perto da insanidade, com instintos suicidas (…)”, esse é o feito da felicidade reflexiva numa relação a dois; quando uma das partes credita os sentires coloridos e o outro debita em demasia, a relação entra em colapso e sempre há uma parte que sofre danos abismais, e normalmente é a parte mais sensível.
O caminho da felicidade pressupõe a dicotomia: dor e prazer; o prazer serve de mola impulsionadora que move o indivíduo a tomar uma atitude face a uma realidade desejada, ao passo que a dor é o combustível da realidade actual que atiça os neurônios a buscarem incansavelmente pelo prazer, ou seja, a dor pode ser considerada um factor intrínseco e que motiva o indivíduo a concretizar seus objectivos (prazer). E essa dicotomia ou dualidade do caminho da felicidade deve ser equilibrada de forma a evitar uma frustração contínua, como salienta Valete no poente da composição: “(...) na estrada da tua vida, o teu espírito sempre te estimula a fugir da dor e ir à busca do prazer. Mas lembra-te sempe que há muitos objectivos que tu não consegues sem dor, sem sacrifício, sem sangue (...)”. Ao buscar a felicidade, caminhe nos passos sapientes, como forma de salvaguardar o teu lado emotivo, porque a felicidade é um destino cheio de dor e prazer utópico. Mas há que salientar que: “o equilibrio do planeta depende muito desse equilíbrio entre a dor e o prazer, que cada um de nós tem que alcançar individualmente”, por isso, equilibre tuas emoções na jornada em busca da felicidade como forma de evitar “o processo erosivo e corrosivo” do âmago. E nunca te esqueças que a felicidade depende destes dois aspectos: dor e prazer!
Por Arnaldo Tembe