O Mistério das águas, de Raquel Miambo


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Ao ritmo do tantã, as águas dançavam contumazes, exibindo passsos exuberantes ensaiados desde a idade da pedra. Os xamãs arrebatados trajados a capulanas arco-íris, liánas à cabeça, adornos de guerrilheiros a condizer, pois estavam prontos para pelejar em oposição aos moya ya chaka, diga-se aos espíritos agourentos.

De olhos fechados como se não quisessem presenciar um momento insano, rogavam e invocavam seus antepassados. As crianças sustidas pela candura, estateladas sobre a capulana baça que boiava no mar pomposo como ordenara o pai. Matxasi era uma jovem jactanciosa domanda pela mocidade. Agia de forma espontânea e essa espontaneidade e vanglória lhe trouxeram consequências.

Logo após concluir a licenciatura casara com um rapaz citadino que conhcera no  percurso académico, dessa união colheu-se dois frutos. Após um tempo vivenciando um amor utópico, o fogo que outrora ardia sem se ver, findara a olho nú. Cessaram os dias da esplêndida aurora. Eis que no advento da noite, fez-se uma completa orgia conjugal. O amor. O amor não suportara a eminência do caos e depois de muito vai e vem, o casal divorciou. Mãe, agora, subiu ao pódio altiva na briga pelos filhos. E ele, o pai, ragressou à terra natal Nampula, a qual tinha abondonado por conta dos estudos, depois de praguejar contra os seus.

Apartando-se, Nereu, as crianças foram tomadas por uma enfermidade que piorava à medida que a Matxasi procurava soluções. Xamãs, Magos e Oráculos foram consultados, cada um com métodos mais absurdos que o outro para enganar. Depois de muita demanda sem sucesso, decidiu então contar ao pai das crianças a situação e este confessou ser o mentor da desgraça. Ressaltou que para cessar o sofrimento teriam que cumprir o exorcismo, levando as crianças às águas sagradas do mar e as colocassem em pano branco. Com auxílio dos n’yangas, ter-se-ia que esconjurar espíritos remotos profanos e, por conseguinte, os n’yangas, esses sabedores da ciência do mundo-dos-espíritos, deviam invocar os vafi, seus entequeridos, para assessoria. Matxasi anuiu.

Chegado o dia, escolheram um momento poético para actuar na serenidade do poente encendiado. Na margem da praia da costa-do-sol, optaram pelo lado menos movimentado, porém num júbilo a areia os recebia afavelmente fazendo carícias corteses.

Dundum-tatã, subitamente avançou um dos rapazes com as batucadas, reagiram os demais e em pouco estavam todos aos solavancos. Os n’yangas dançavam para acompanhar as ondas, enquanto bradavam o mais alto que pudessem. Quiçá tencionassem ser escutados por Proteu, o primogenito do Oceano.

Após horas findaram os tantãs e as deblaterações. Abriram os olhos espreguiçando, com a visão frouxa depois de muito tempo no escuro. Precisavam acostumar-se novamente à claridade. E as crianças, naquele instante, já lá não se encontravam. Esfregaram as pálpebras para aferir com nitidez e comprovaram. Haviam desaparecido! Quiçá tivessem sido atra֯ídas pelo esplendor das águas ou escutado o chamado dos Ngunis no fundo do mar. Quiçá.

Puseram-se todos num surto chamando pelas crianças, interpelando até os dementes errantes que deambulavam à beira-mar. Procurando-as desesperados, tendo consultado até os mais temidos n’yangas da METRAMO e que nada esclareciam. Limitavam-se em dizer que só poderiam resolver o problema na presença de Nereu, pai das crianças.

Matxasi viu-se uma vez mais, obrigada a contar o sucedido ao pai dos filhos. Este que sem nenhum espanto, mandou prescindir as buscas pois os filhos encontravam-se junto dele.

Sobre a autora: 
Raquel Artur Miambo é aspirante à literata, à ensaísta e graduanda em Literatura Moçambicana pela Universidade Eduardo Mondlane - UEM. Tem interesse em estudos sobre Antropologia Linguística, sociologia, Literatura e outras artes.

Contacto: raquelarturmiambo@gmail.com 

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