A Serenata ainda me Sabe ao Encanto das Estrelas - Banda Kakana


A Serenata ainda me Sabe ao Encanto das Estrelas
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O céu é sem sombra de dúvidas um lugar que carrega um encanto indescritível; é um mar que fascina os olhos a mergulharem em busca de um tesouro escondido. Quem nunca olhou para o céu em busca de algo indescritível não sabe o que é contemplar a perfeita obra compilada pelas mãos divinas. Talvez seja por isso que o céu é envolvente, porque foi talhado pelas mãos do artista por excelência, Deus!
Equiparo o céu a uma obra artesanal, é uma peça única sem possibilidades de ser recriada, porque carrega na sua essência a originalidade, é sui generis, como diriam os cientistas sociais. É assim que são algumas obras artísticas trabalhadas por mãos humanas, verdadeiras obras que mudam o comportamento e a vida das pessoas. Algumas são verdadeiras sessões de terapia, aulas de sapiência que “você” as contempla e sente a alma despir-se do corpo. Algumas nos levam ao encontro de Deus. Porém, há outras que nos viram ao avesso bloqueando os nossos sentidos como se tivéssemos feito algum mal para os autores. Mas não estou para falar dessas criações aversas, importa-me dar créditos aos que merecem, e a Banda Kakana é digna de receber o meu apreço, pois dignifica o seu valor artístico agregando mais valor à cultura moçambicana.
Seu álbum de estreia lançado em 2013, intitulado “Serenata” é indubitavelmente um cartão de visitas em que qualquer artista gostaria de rubricar seu nome como sendo obra de sua pertença. “Serenata” é uma obra híbrida que acopla gostos musicais diversificados, nela está mesclada uma variedade de ritmos: Marrabenta, Reggae, Bossa-Nova, Afro-Jazz, só para citar alguns. Esse álbum é um daqueles filhos que as suas  fisionomias são a fotocópia dos seus pais. É o que acontece comigo, quem conhece meu velho sabe que sou da pertença do Augusto Arrone Tembe. O velho fez-me sua cópia (risos). É o mesmo que a Banda Kakana fez, fragmentou-se na Serenata. Esta obra discográfica carrega 15 faixas, ou seja, 15 estrofes que formam o poema dando vida ao concerto de vozes e instrumentos que se dá de noite em passeio nocturno ou debaixo das janelas de alguém.

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“Sweet” dá-nos boas-vindas a esse concerto abrasador. Os dedilhos da guitarra aliados ao toque jazzista do baterista formam uma base harmónica que convida Yolanda a desatar o amor que a inunda o coração, seduzindo os ouvintes a acreditarem na relevância que o amor tem nas nossas vidas. “Sweet” carrega na sua essência a doçura que abrasa as abelhas ao encanto das colmeias, tornando-os eternos namoradores.
Em seguida, a sutileza da bateria despertando os dedilhos do guitarrista enamorando a suavidade das coristas, dão vida à surdina da vocal leader obrigando-a a “confessar o amor pelo seu amado”. A segunda faixa, deixa a vocal leader despir a sua alma lírica tranquilizando o seu amado a esperar por ela e abrir o seu coração para recebê-la. Considero esta faixa, um hino para os apaixonados que aspiram construir um lar no coração dos seus pretendentes.

“Mudjoni-djoni”, essa música retrata a história nostálgica de um emigrante que fora viver nas terras do El Dorado moçambicano (África do Sul). As solagens da guitarra nos acordes menores dão um sentido emotivo muito profundo à composição, aliada ao enlevo do homem dos keyboards. A harmonização dos instrumentos obriga o emigrante a desmanchar as trouxas da saudade que carrega no peito; saudades da familia, principalmente a vontade de ver o filho que o deixara ainda uma semente na terra fértil da sua musa. O emigrante também ressalta a insignificância dos bens materiais na ausência dos nossos. É caso para dizer que o dinheiro não é tudo na vida, que o amor é um sentimento sublime na face da terra.


“Pokito”, a sonoridade clássica do teclado num estilo calmo de Ray Charles invade-nos os órgãos auditivos levando-nos a repousar no inglês cantado pela Yolanda Chicane. Ela implora um “pokito” pelo amor do seu amado lembrando-lhe que: “Sun shined in Bazaruto, I walked in beach and I saw you… and I thought to myself, you will be mine”, o desejo foi instantâneo  comparando-se ao amor ou à paixão à primeira vista. “Come on, come on…”, a avidez em deleitar-se dos encantos do seu amado como a lua que dá sentido ao escuro nocturno é notória nesta composição. O desejo abrasa-lhe como o verão novembrino nas terras tropicais.

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“Xiluva”, quatro tempos nos acordes de Sol e Dó, oito tempos no Ré num estilo Pop improvisado dão vida a essa declaração d’amor. “Xiluva”, que é Flor em português, carrega a doçura de uma paixão “inestinguível”, dando romantismo à voz da cantora, que não se envergonha perante o microfone expelindo as palavras coloridas que pintam seu coração de vermelho apaixonado. “Yamukela, yamukela hi lirhandzu xiluva xa mina” (receba, receba com amor a minha flor) é o que o coração da cantora grita no coro despertando as solagens na guitarra do Jimmy Gwaza como resposta de ter recebido a flor da sua musa.


“Rhula”, sossega ou acalme-se em português; começa com umas batidas peculiares de um baterista da banda militar. O bass guitar desperta acompanhando os dedilhos das cordas de aço do ritmista. “Ntlhantlha mbílu yaku nawahahanya” (desmancha o teu coração enquanto ainda estás em vida), é a mensagem central dessa compilação, despertando-nos ao convívio social que se está a diluir gradualmente na sociedade. Chicane reveste sua voz num tom aconselhador convidando-nos a deixar o coração leve e apartarmo-nos das mágoas que definham a nossa existência. A sutileza do trompete dá um touch fascinante namorando com perfeição os graves sutis do bass guitar. A timidez do violino dá uma sonoridade indubitavelmente apaixonante. O trompete acompanha-nos em intervalos lúcidos que parecem ser subjectivos à priori, mas quanto mais a música dilui-se ao ouvido podemos perceber que esses intervalos são propositados.

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A harmonia que nasce das cordas
nylon da viola semi-acústica dão vida ao “Planeta perfeito”. A multicoridade do cosmo ganha consciência na voz da Yolanda: “Céu azul, mar azul do hemisfério norte a sul, o planeta é perfeito. Verão, inverno, outono e primavera, linda esfera, olha que o mundo foi bem feito”. São os versos preliminares da composição que convida ao encanto do teclado numa sonoridade smooth digna de acorrentar qualquer incrédulo musical. O baixista não consegue esconder o timbre do seu instrumento que desfila sua classe numa passarela do jazz standard, convidando o saxofonista a dar seu brilho sendo conduzido em surdina pela vocal leader.
“Hello, he wants to be there, where you are if you call him. You must trust and believe every time and every where you are…”, é uma espécie de conselho aos corações apaixonados, principalmente das mulheres. Nesta faixa musical, é dada valor a cumplicidade entre pessoas  em um relacionamento amoroso. Ressalta-se nesta música a importância das mulheres não ficarem à espera dos convites formais dos seus amados, elas também têm a autonomia de os formular, afinal de contas a relacção é um elo de reciprocidade. “There is a place in your heart that belongs to him or to her”, este trecho ressalva a necessidade de valorizarmos as pessoas que ocupam um lugar especial em nosso coração. O guitarista solo repisa essa relevância afagando a sua “senhora” que retribui o afago nos encantando com sua beleza sonora.
“Serenata”, o título que dá nome a compilação, é uma faixa súbtil que nos recepciona com a suavidade do piano que repousa na “cama” feita pelo baixista. Nessa faixa, a protagonista nos embala com sua voz que desadormece a sonoridade cubana nas mãos do congista e nas sopradelas dos homens dos saxofones, trombones, trompetes, etc. “Quem disse que as mulheres não podem fazer uma serenata? Quem disse que as mulheres não podem estar à uma janela em noite de luar, com o poema no coração…”.A vocalista revela a emancipação que as mulheres tanto lutaram para alcançar, mas que essa declaração não se faz sentir na sociedade, os homens que o digam, ou a nossa cultura é zelosa demais (?).

“Hinkwavu lavu ivamadlhayisana, hinkwavu vanu ivamadlhayisana” (todos são bonitos, todas pessoas são bonitas/esbeltas), é o coro da faixa baptizada “Madlaisana”. Essa música ressalta a beleza que todas pessoas possuem, destacando a particularidade que cada um carrega na sua essência: “A vavansati, a vavanuna, a vakuxonga, a vakubiha navona… hikwavu vanu i vamadlhayisana” (as mulheres, os homens, os bonitos, os feios também… todas pessoas são bonitas). As guitarradas nos seus intervalos dão um toque peculiar e agradável de se escutar. A música também traz na sua letra a dicotomia de uma relação a dois, o amor e a dor.
“Nkarimanyana”, é uma daquelas músicas que escutas em qualquer geografia e a sua sonoridade revela-te que é uma composição das terras africanas. O ADN da viola de cordas de aço não consegue esconder a sua natureza, ela grita do início ao fim. A letra desta música foi composta numa das lingas vernáculas moçambicanas que na minha incompetência não consegui distinguir a que grupo étnico pertence. Apesar de não perceber nada do que se canta, a música involve-me como o sono que embriaga os olhos de uma criança depois de uma longa tarde de traquinices.
“Nikarhati”, o intro desta música lembra-me os dedilhos da viola do velho Xidiminguana me conquistando, a deleitar-me no Cicope (é uma das línguas tsongas da província de Inhambane) cantada pela Chicane. Confesso que não entendo patavinha do que é cantado nesta composição, sentindo-me um estrangeiro que aterra numa terra desconhecida mas que é seduzido pela beleza panorâmica da geografia (risos). Acaba sendo um ultraje crasso da minha parte, visto que tenho convivido muito com pessoas que falam Chope. A sonoridade desta música ajusta-se perfeitamente na letra como uma luva que cobre a nudez da mão. A harmonia do baixo marca sua presença em quase toda composição depertando a minha paixão pela guitarra de cordas graves.
“Do you know what I saw? It’s coming from the sky; see, is a sun, is shining… (…) Can you hear the silent? Can you see the rainbow?”, são os primeiros versos do poema “Wind of changes” cantado na voz soprano da vocalista anunciando a chegada da paz e ressaltando que são tempos de mudança. A composição é um presságio aos novos tempos, alertando aos africanos para estarem atentos a essas mudanças e participarem da ruptura do paradigma.
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“Look my friend, time goes on very fast…” faz-se presente na voz da vocalista depois dos acordes da viola nylon e da clarineta desfilar sua classe. “Wake up Africa”, é a penúltima estrofe da Sereneta. Esta estrofe mescla dois estilos musicais na sua essência, ritmo Afro e uma dissonância que nos leva a Kingston de encontro ao género que eternizou Bob Marley como seu precursor. “(…) we must be free from the mental slavery; we must be free from the economic slavery”, julgo que esse excerto é uma advertência ou conselho para os governos africanos, ou seja, que é urgente os países africanos, principalmente da África subsariana, ter uma estrutura económica sólida como forma de desprender-se das correntes do neo-colonialismo.
A sonoridade do batuque africano (como diriam os brasileiros) e a presença ritmista da guitarra solo recepcionam-nos para o último fragmento dessa obra discográfica. “Suhura” é nome do baptismo do poente da Serenata. A letra da música foi composta numa das línguas Bantu da região do centro da Pérola do Índico; nessa composição Yolanda Chicane mostra sua versatilidade e facilidade de se adaptar a qualquer língua, não se deixando intimidar pela complexidade fonética; ela domestica as palavras como se estivesse a fazer “festinhas” num quadrúpede canino (risos). “Suhura” carrega em su’alma a temática dos ritos de iniciação, que de certa forma se tende a perder a sua relevância na cultura africana nos dias que correm. Essa música, na minha opinião, não devia estar numa outra posição, foi uma escolha acertada terem a colocado no poente, pois cortina digninamente essa “composição poética, própria para o canto nocturno”.
Serenata, é indubitavelmete uma sessão terapêutica que desnuda todos sentires carregados pelo coração tornando a alma mais leve tal como a pena de uma ave quando baila na suavidade gravitacional. Ciente de que a interpretação do objecto difere da posição do sujeito como alegam os filósofos, convido-te a procurar o álbum e formar as tuas próprias experiências, porque para mim: a serenata ainda me sabe ao encanto das estrelas, apesar de ter passado um tempo desde que veio ao mundo. Não me vou mais alongar, apenas te desejo uma óptima escuta do álbum e partilha e experiência com os demais.
Abraços fraternos, ó, estamos de quarentena (risos)!

Por Arnaldo Tembe

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