Agora não pode nada, Nhazilo, findou. Deita-te aí, não há mais força, teu sangue acabou, quer dador, teus pais morreram, o teu irmão mais velho sumiu para África do Sul; não adianta morder o lábio de baixo, não se mude para o sofá, ainda tropeça, não pode chorar, teu falecido pai sempre dizia que - as lágrimas de um homem são uma blasfémia à sua existência! Isso, recomponha-se e deita, sim, devagarinho. Os livros roubaram, a casa está na última instância de cinza, não se lembra, está tudo escuro, mas não pode, agora não pode nada, Nhazilo; os sonhos derreteram, já não pode ler, está tramado, as tuas mãos estão cremadas, o teu filho fugiu do internato, não se mova, aceite, é fim do teu mundo...os médicos tentaram, de tudo, talvez não, talvez sim, descanse, não pode chorar, não há como escrever, há sangue na ferida do pescoço, está todo careca, está horrível, eu disse que está imóvel, durma, a tua mãe não existe mais, acabou, Nhazilo.
O desemprego começa amanhã, as ligações telefônicas dos senhores do internato, os vizinhos dos frangos em dívida, as mensalidades em sarilhos, o carro acidentado, mortes que precisam ser assumidas, mas agora não pode nada, Nhazilo.
Já não pode gritar, a tua tia acaba de falecer, não há nada, ou morrerá a fome, pois o apetite te abandonou, ou morrerá de si; o tecto não te dirá nada, isso é cama, é hospital, já não pode ouvir, o fogo tomou de si toda a audição, agora não pode nada, Nhazilo. Não ajoelhe, os joelhos não existem mais, são só ossos, ligaduras amarradas, gesso, querido; esqueça o banheiro, que tua namorada, que esposa, que viagens, ainda nessa ideia de ser o melhor poeta do mundo, não pode rir, esqueça a vida, já não pode, não adianta.
Os teus filhos podem te ver, nem pensar, você já não existe, ponha isso na tua cabeçorra; com qual boca, com qual ouvido, é sensível falar dos abraços, com que braços, perdeu tudo, fique quieto, já não há mais livros, não há mais saídas com amigos, não tem amigos, não há bate-papo no bar, você não bebe, Nhazilo.
Quem vai se importar, as contas estão à tua espera, os teus nervos já não podem mais, já não é homem, que amigas, Nhazilo, que faculdade, que poesia, que Deus, já não pode nada, os médicos disseram, já fizeram os possíveis; está a feder, cheira a mijo, excrementos, não há mais banho, não há que fazer amor, não pode se mexer. Chore, Nhazilo. Olhe, ainda pode sorrir, pode imaginar, Nhazilo; é o que te resta, é divino, é o máximo que Deus te deu agora, mas chore, ninguém pode te abraçar, te consolar, esqueça.
Já vai comer pelos tubos, já não há Xiguinha de Cacana, já não há Delfina nas tuas noites para te defender, a velha está um tanto bando de ossada, pode chorar e sorrir, só isso; está condenado à fragrância de seringas, de comprimidos, a ver os andrajosos enfermeiros, as batas azuis e brancas, toda vida. Falam de si nos jornais, nas rádios e televisões, está famoso, assim fica espamódico, mas não há mãos saudáveis para se cobrir o rosto, é teu fim, Nhazilo.
O teu médico sorri sempre contigo como se dissesse um "bom dia, uma boa tarde.. ", está a reclamar de comidas sem sabor, de tudo sem gosto, mas não pode falar, agora não pode nada, Nhazilo; esqueça tudo, esqueça o acidente, esqueça a tua namorada que deve estar aos beijos com outro imbecil, entregando-se toda com um sorriso fácil, da tua mulher que talvez esteja com outro homem e noutra família, teus filhos, talvez estejam se casando neste preciso momento
com aquela família que mais odeias. Não se esforce muito a zangar ou lamentar, bocado e bocado entenda, mas está de vestidos, de ligaduras, de cabo a rabo do teu corpo, de olhos que só condeguem ver o tecto, a testa do médico Mateus Bié, se é hospital Zé Macamo, se é ka Machava ou se é Central, não sabe, basta estar de baixa; agora não pode, Nhazilo; nem sabe se no sábado o Raimundo, teu tio, noivou, só sabe morrer, grunhir como cão vadio, está a sucumbir, não pode escrever, não pode ler, queimaram tudo, menos o sorriso que mostra ao médico e o olhar que lança para o tecto, os cheiros, também. Nem vozes, nada; só as batas azuis e brancas, só dor, só a morte a sorrir para ti, só o inferno, só isso, porque agora não pode nada, Nhazilo.
Luís Nhazilo