Na senda de entrevistas relacionadas com o
momento em que vivemos, tendo iniciado esta série com a entrevista ao poeta
Britos Baptista (leia aqui), hoje levamos à proa desta embarcação a poeta
Hirondina Joshua, nascida em Maputo (1987), é uma das vozes de destaque na nova
geração de escritores moçambicanos, com uma intrépida poética intimista. Ela é
autora do livro de poesias Os ângulos da
casa (2016), lançado sob a
chancela da Fundação Fernando Leite Couto. Os textos de Hirondina pululam pelos
quatro cantos do universo ao sabor do vento através de jornais e revistas
como Caliban, Acrrobata, Literatas, Raizes e
Palavra Comum.
Caro leitor, queira acompanhar-nos nesta
conversa.
Daúde
Amade: Não há filosofia ou
ciência que se prese à metafísica para determinar em que processo a arte nasce.
Dizia Ortega y Gasset que somos frutos das nossas circunstâncias, isto implica
reconhecer que não somos dados a essência de forma a priori, mas ela é uma utopia infinda, um encorajar-se a estar a
caminho. Com isto busco traduzir a ideia de que há quem possa sentir-se livre
para melhor criar nesta condição de isolamento social, mas também há quem possa
sentir-se preso. Tudo está em plano aberto, uma questão de escolha. Quanto a
ti, enquanto poeta e ser de relações consigo, o mundo e o outro, o que implica
este isolamento social?
Hirondina
Joshua: Força-nos
a pensar mais do que a sentir. Pensar é fluvial. Vivo um paradoxo eterno, como
poeta valorizo a metafísica e como Homem desprezo-a.
O mundo há meses corria como se o seu
motor jamais pudesse e nada o podia parar. Os passa-tempos eram desnecessários
que nem interessava procurar pois já existiam. Agora, será que a vida existe em
plena lentidão dos dias? Ou ainda sente que o mundo marcha como sempre marchou?
Como
sempre marchou. A voltar e mostrar e voltar. E o Homem no centro. Pasmo, para
não dizer parvo.
O mundo dorme sobre um tecto frágil, e a
vida tem estado em iminente perigo por conta da crise sanitária. Onde tem
buscado as forças para poder viver mais um dia desses dias que parecem uma
extensão infinda do apocalipse? Que papel tem a arte para sua vida nesse
cenário?
Sempre
vi a arte como uma manifestação do meu sujeito espiritual mas num nível perto
da carne. Transmuta-se objecto de terapia e de prazer. Onde não me basto: creio
em Deus, Criador de todas as coisas, acima de tudo.
O mundo parece estar a pagar alguma
dívida. Como se estivesse submetido ao processo dos efeitos após um minarete de
causas. Acha que esta pandemia tem algo a ver com punição?
NÃO.
Acho que não estamos a ser punidos, estamos a nos a punir. Quando a tua
estupidez cai sobre ti: é esse o filme.
O que mais tem pensado nesses dias de
isolamento social? O que com maior frequência tem vindo à sua mente?
É desafiador, mas viver vale a pena. Como um pacote: tens a parte má e a boa.
Dói a prisão de quem um dia já teve a
liberdade de voar e por ora tem o pé preso a um fio. Quando a corda
enfraquecer, quando tudo passar e a aurora trouxer novos dias, calmos e
coloridos, o que pensa fazer depois?
Diminuir
a minha frequência nas redes sociais, sinto que me gasta energia. Estou num
vício descabido. - Preciso viver!
Do jeito como estava o mundo antes da
Pandemia do COVID-19, acredita que ele possa vir a mudar? Os humanos ficarem
mais humanos? Darem mais amor ao próximo, acolher? Ter a ética da
responsabilidade como fim último?
Um
humano ficar mais humano, o que isso quer dizer? Ele abandonar-se? Ou verificar
que não pode abandonar-se?
Encontrar-se, ilustre. Mas avancemos. (risos)
Qual
a lição desse isolamento social para si? Que ensinamentos se pode tirar dele?
Ensinamento:
que ando com pressa, estou alta, não tenho tempo para mim. E o mundo não tem
tempo para mim. - É justo. Há um espelho
que se faz e eu não vejo, não posso nem sequer partir.
Nietzsche assumia que a arte existe para
que a verdade não nos mate, sob esta ideia, tem visto a arte assim? O que tem
escrito e que tem amenizado as tuas dores no mundo, principalmente nesses dias?
Bem,
há verdades dentro e fora dos vulcões
que somos. Demasiadas verdades. Essa afirmação é uma delas. A arte explora o
lado mais injustificável do Homem. A justificação, tendo lugar num sítio em que
não podemos atingir. Escrever é uma experiência - um objecto de experimentação;
tenho continuado com os projectos já iniciados.
Se esta pandemia significar a extinção da
Humanidade, diria que valeu a pena ter vivido?
É
desafiador, mas viver vale a pena. Como um pacote: tens a parte má e a
boa. Interessante a vida por causa
disso: desse desassossego e esse descanso. O eterno mistério.