Covid-19 - Conversa para enganar o tempo, com Britos Baptista [1]



Começa hoje aqui no blog uma serie de conversas com artistas e pensadores de variadas áreas. Nestas conversas, durante estes 30 dias em que Moçambique estará a experimentar o isolamento social por decreto do Estado de Emergência por causa da pandemia do covid-19, o blog estará, a colher sensibilidades de desses criadores de mundos, de sonhos e de vidas.

Tornar os dias de isolamento social menos entendiantes é o nosso objectivo, por isso vamos inventar mundos a partir de uma leitura do momento ou conjuntura existencial dos meus entrevistados e partilhar convosco.  

O nosso entrevistado é Britos Baptista, é jovem poeta residente  na província da Zambézia. É licenciado pela UEM (Universidade Eduardo Mondlane). É membro do Clube Do Livro de Milange e Coordenador do Clube Do Livro de Quelimane. Foi um dos vencedores do concurso de poesia ʺDesenha-me A Tua Liberdadeʺ, em 2016 e foi segundo classificado, no concurso de Poesia ʺPrintemps Des Poetesʺ, em 2019.

Caro leitor, queira, por favor, daí da sua tela atentar-se a esta conversa.

Não há filosofia ou ciência que se prese à metafísica para determinar em que processo a arte nasce. Dizia Ortega Y Gasset que somos frutos das nossas circunstâncias, isto implica reconhecer que não fomos dados à essência de forma a priori, mas ela é uma utopia infinda, um encorajar-se a estar a caminho. Com isto busco traduzir a ideia de que há quem possa sentir-se livre para melhor criar nesta condição de isolamento social, mas também há quem possa sentir-se preso. Tudo está em plano aberto, uma questão de escolha.  Quanto a ti, enquanto poeta ou pensador e ser de relações consigo, o mundo e o outro, o que implica este isolamento social?
É preciso saber interpretar o voo das águas. Agora, elas voam ao mar. É preciso desviá-las ao rio. Isso só pode ser possível se nos amarmos.

O mundo há meses corria como se o seu motor jamais pudesse e nada o podia parar. Os passatempos eram desnecessários que nem interessava procurar pois já antes de se pensar existiam. Agora, será que a vida existe em plena lentidão dos dias? Ou ainda sente que o mundo marcha como sempre marchou?
Este momento, dificílimo, que vivemos hoje, mostra a inevolução da humanidade. Mas a vida existe. O Homem vive, sempre, na ilusão. Ele corre no mesmo lugar. Está cansado e ofegante. Seu suor é uma montanha que o esmaga. Todo avanço económico, político, tecnológico é uma ilusão, se não se sabe amar ao próximo, e se não evoluirmos o nosso lado social, continuaremos a nos matar, usando diferentes tipos de armas. Tudo é irreal, menos o amor que não temos aos outros que somos.

O mundo dorme sobre um tecto frágil, de gelo e a vida tem estado em iminente perigo por conta da crise sanitária. Onde tem buscado as forças para poder viver mais um dia nesses dias que mais parecem uma extensão infinda do apocalipse?
O mundo está numa louca metamorfose. Os profetas viraram poetas. Dizem eles em seus poemas: COVID-19 acaba no dia X ou Y. E, a merda continua a matar gente. Suas línguas, em pontapés, atiram mais uma: há cabelo entre as páginas da Bíblia Sagrada. Acho o medo poético e patética a estupidez de quem acha que Jesus subiu ao céu careca. Mentir é arte dos mentirosos. E, respeito esses irmãos que andam a inventar mentiras sobre este maldito Coronavírus.

E que papel tem a arte para sua vida nesse cenário?
A arte está a me salvar. Quando minha cama dobra-me em pesadelos, desço dela e durmo no soalho do poema.

O que mais tem pensado nesses dias de isolamento social? O que com maior frequência tem invadido a sua mente?
Nesses dias, tenho tempo de pensar em tudo. Penso na estupidez humana que não cabe na minha pia. Penso nas guerras que comem as carnes do meu país. Penso nas crianças de sonho morto pela fome. Penso nas pessoas que o Coronavírus anda a comer. Penso nos choros e lágrimas dos que a morte rasga a alma. Penso nas pessoas que amo. Penso nos pássaros. Penso em escrever um poema que esconda o mundo todo dessa maldito vírus, que não lhe repito o nome, por ódio e vingança. Porém, não sei se caberá o mundo inteiro na lua-cheia dos meus versos!

Qual sensação tem experimentado nestes dias, o que tem aprendido da relacao dialectica entre a prisao e a liberdade?
Que o mundo é uma linda prisão. Voamos nela. Parecemos livres e isso nos basta. Por vezes, chegamos às nuvens. Mas, nunca, tocamos as mãos de Deus.

E quando tudo isto que vivemos passar e a aurora trouxer novos dias, calmos e coloridos para se voar, o que pensa fazer, depois?
E, quando esse terror acabar, como agora, estarei a imitar a caligrafia do Rio Licundo, em algum poema, sem crocodilos à vista. Claro!

Do jeito como estava o mundo antes da Pandemia do covid-19, acredita que ele possa vir a mudar? Os humanos ficarem mais humanos? Darem mais amor ao próximo, acolher? Ter a ética da responsabilidade como fim último?
Depois da peste negra, o mundo acreditou na sua mudança. O homem mudou sim. Mudou do mau ao pior. E, depois desta merda de COVID-19, ele mudará e não será do pior ao melhor. Claro que, numa primeira fase, após o susto covídico, ele fingirá ter aprendido com seus erros e ter mudado, positivamente. Eu só rezo que esteja enganado!

Qual a lição desse isolamento social para si? Que ensinamentos se pode tirar dele?
Não precisamos de estar separados para estarmos juntos e vice-versa. O ser humano recordar-se-á do seu individualismo. Essa merda nociva à vida. Neste momento estamos, distanciados, socialmente. Mas, unidos, como nunca estivemos.

Nietzsche assumia que a arte existe para que a verdade não nos mate, sob esta ideia, tem visto a arte assim? O que tem escrito e que tem amenizado as tuas dores no mundo, principalmente nesses dias?
Estaria ainda dormindo, se o poema não me acordasse as mãos, de madrugada. Confesso: durmo pouco, nesses dias! Sonhei um medo e tinha de o escrever, fora do sonho. Tenho escrito. Fiz isso, hoje as quatro horas, antes do sol. Quanto à temas, vários são os que me assaltam a alma, ultimamente, tais como: solidão, amor, dor, silêncio, angústia, ira, medo, Deus, religião, ausência, terror, singularidade, uma infinitude.

Se está pandemia significar a extinção da Humanidade, pois o futuro é mesmo a fina casca de gelo em que um patinador brinca de adivinhar a espessura pisando, diria que valeu a pena ter vivido?
Para um gajo como eu que, sempre, sobreviveu, vale dizer que valeu a pena ter amado. Talvez não o tenha feito da melhor maneira. É sempre curta a régua que mede o amor. O amor foi, continua a ser e será, sempre, minha casa. Soube, desde muito, esconder essa casa para além de mim. No coração dos meus amados, para que nenhum vento quebrasse sua alma.

O tempo, ainda que sob um contecto virtual, ja chama o fim da conversa. Há alguma coisa que o apraz a acrescentar?
Agora, sirvamos uma poltrona, das melhores, ao humanismo e ao amor ao próximo, esse casal de luxo, que nos visita, neste tempo de sangue e medo, lágrimas e dor. Neste tempo de mim e de ti.


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