Óscar Fanheiro nasceu em Maputo, actual capital do país. É estudante de Ciências da Comunicação e de Ciências Sociais e Filosóficas. Em 2018 foi finalista da 3ª edição do Prémio Literário UCCLA – Novos Talentos Novas Obras em Língua Portuguesa, com seu (primeiro) livro inédito de Poemas, intitulado A Gramática Da Solidão; em 2016 foi também finalista da 1ª edição do Premio Literário Fim do Caminho, dedicado a modalidade de contos policiais ou criminais. Tem textos publicados em antologias e revistas electrónicas, com especial atenção a 1ª Antologia de Contos Criminais Moçambicanos: “O Hamburguer Que Matou Jorge”.
Abaixo, temos uma conversa com este poeta sobre o palpável e sobre tudo que é mistério.
Boa leitura!
1. Quem é Oscar Fanheiro?
Óscar Fanheiro é um “humano qualquer”, nascido aos Sete de Agosto de 1995, frágil e doente, até os seus três ou quatro meses de vida. Em dias bons ele chega a ser um semideus, em dias maus uma fera. Fora isso pode-se dizer que é estudante, que é apaixonado pela vida e no entanto, é um autêntico vagabundo, quer dizer, um maldito. Tem uma paixão inexplicável pela música, principalmente pelo estilo Hip-hop, género este que escuta desde os três ou quatro anos de idade. É um apreciador de desenho, artes visuais e arquitectura; animes, séries, filmes e literatura. Escreveu cartas e uns poucos poemas quando criança, no período entre a terceira e a quinta classe. O que logo deixou para se dedicar a música e ao desenho. Mas o seu grande sonho sempre foi se tornar num grande jornalista. Actualmente escreve como forma de honrar a memória de sua irmã, falecida em 2015; e também olha para esse exercício de escrita como uma terapia e cartase contra o martírio dos dias. E tem esse gosto esquisito de sair andando por ai sem nenhum destino, caminhando pelo simples prazer de caminhar.
2. De onde vem e para onde vai?
Tu me perguntas de onde venho, como se a gente colocasse marcos na vida, de modo a não nos perdermos no caminho de volta. Mas isto é o pleno teatro em acção, não há espaço para ensaios. Venho lá do longínquo 1995, para onde vou, ainda não sei, talvez até onde os meus passos me levarem. Porém, prefiro ser um pássaro sempre tentando ganhar uma boa popa de vento para erguer o voo.
3. Quando e como se apaixona pela Literatura?
Acho eu que foi na infância. Mas isso só viria a ter um impacto tremendo muitos anos depois. Geralmente, quando se é criança, é fácil se apaixonar por tudo. Mas só ganhamos consciência das coisas que gostamos quando passamos a pensá-las com certa dúvida e crítica. E comigo isso foi muito mais tarde, no fim da minha adolescência, entre os 18 e 19 anos, digo, entre os finais de 2013. E foi na escola secundária, na disciplina de língua portuguesa que descobri essa minha inclinação para a literatura. E se não fosse o apoio incondicional de minha falecida irmã, não estaria aqui hoje falando-vos disto. Depois veio a universidade, os amigos (o Pagrache, o Baulene, o Da Graça, e mais tarde, o Ivan, a Yara, a Chithlango, a Océlia e o Bonde) que me apoiaram e continuaram me dando forças e encorajando para que não desistisse.
4. O que te diz o pulsar do sangue que escutas nas cordas do papel?
Olha. Que pergunta. Lembro de escrever este verso algures em 2018, entre finais de Setembro e meados de Outubro. Para ser sincero, este verso diz-me muito da mulher que amei, um daqueles amores que se leva para a vida toda. Mas também fala-me muito da vida, da luta diária que todos nós temos de empreender para que continuemos humanos, para que continuemos sonhando com novas glórias, apesar da vida ser sempre implacável e dura com quem se descuida.
5. Escreves de dia ou de noite? Qual é o teu período mais produtivo?
Escrevo a qualquer hora do dia. Não tenho preferências entre a noite ou o dia. Pois os dois períodos oferecem-me material necessário para a minha escrita. Mas é normal durante uma semana eu produzir muito durante o dia e nas outras duas seguintes, a produção acontecer maioritariamente de noite.
6. Quais são os principais ingredientes para a tua escrita?
Sei lá. Se há ingredientes que influenciam a escrita de qualquer escritor eu não sei. Mas me arrisco a dizer que os meus talvez sejam a dor e a felicidade. Mas olha, que esta dor pode ser tida como angústia, silêncio, depressão e ausência. E a felicidade como a formula necessária para a dor. E nessa equação, a música é que é o catalisador principal desses sentimentos quando vou escrever. É certo que há escritores com mais inclinação para abordar assuntos X e Y. E talvez eu esteja mais familiarizado com a morte, com o amor - trágico, com questões políticas, religiosas e de âmbito social.
7. Num dos teus poemas escreves “visto os olhos de lembranças para não deixar o abismo engolir a medula em que alojo a infância”. De que modo a infância que tiveste influencia a tua escrita?
Essa pergunta é meio que injusta. Mas OK, vamos a isso. Eu tenho a minha infância como um arsenal de eventos e emoções que me marcam até hoje. De modo que a criança que fui ontem, com o tempo tornou-se protótipo para o jovem que sou hoje. E isto impacta muito na forma como vejo o mundo, como vejo a vida, principalmente quando vou escrever um texto. A vida é isto, um circulo sem sentido nenhum, e cabe a cada um de nós dar sentido (a esse círculo).
8. Qual é a porta para o poema? (Pergunta retirada de um poema de Britos Baptista?)
A vida. A vida é a porta para o poema, para a literatura e para qualquer outro tipo de expressão artística. Por quê? Tire-me a vida!! Continuarei a escrever? Os artífices trabalham o seu barro (seja pedra, palavras, madeira, tela, cores, tintas, etc) para ir contra esse mundo injusto, hediondo na maioria das vezes e implacável para qualquer um de nós; de modo a pintá-lo com novas cores e sonhos, com esperança.
9. O que achas dos novos poetas e escritores que tem surgido em Moçambique?
Sou muito suspeito para falar disso, já que também faço parte dessa nova safra de poetas e prosadores que vem surgindo. Cá para mim, o país está observando uma renovação literária. Há muitos jovens, entre os 16 e 26 anos, escrevendo, tantas mulheres assim como homens. Mas é claro, não se faz um bom poeta ou um bom prosador da noite para o dia, é preciso trabalho duro, suor, tempo e muita leitura. Há entre nós bons poetas e bons prosadores. Escritores esses que já acharam o seu fio, e que vão lutando para melhorar a sua escrita. Alguns deles, eu os mencionei na lista que criei há cerca de um mês, segundo alguns critérios: a qualidade, universalidade, atemporalidade e qualidade das imagens do que escrevem, e ainda o compromisso que eles têm/assumiram para com a literatura. Lista esta que um amigo acabou disponibilizando para um público maior, e que de certo modo não foi bem recebida por certos críticos, poetas e prosadores; talvez por ter sido eu, um desconhecido no cenário literário nacional, a elaborá-la, mas isso já não vem a caso. Fora destes 16, existem uns outros bons, mas não tantos. Contudo, não diria que o que produzimos é mau, pois ainda estamos caminhando e o caminho é sempre enfrente.
10. Qual é o seu texto/poema/livro predileto?
Não tenho um livro predilecto, tenho vários. Dentre os moçambicanos: Orgia dos Loucos de Ungulani Ba Ka Khossa, Ensaios Poéticos de M. P. Bonde, Terra Sonâmbula de Mia Couto, Matéria Para um Grito de Álvaro Taruma , Balada de amor ao vento de Paulina Chiziane, Cicatriz Encarnada de Rogerio Manjate, Debaixo do Silêncio que Arde de Mbate Pedro, A Legitima Dor de Dona Sebastião e A Triste Historia de Barcolino de Lucílio Manjate, etc; não sei se conta, mas também gosto muito do meu "A Gramática da Solidão". E entre os internacionais: As Flores do Mal de Charles Baudelier, O Adversário Secreto de Agatha Crhistie, A Trilogia de Nova Iorque, Leviatã e Sunset Park de Paul Auster, Uma Janela em Copacabana de Alfredo Garcia-Roza, A Divina Comédia de Dante de Alighier , Doutor Sono e Rose Muther de Stephen King, Ensaio Sobre a Cegueira de Saramago, Juventude de Lais Araruna de Aquino, etc.
11. Se tivesses apenas 30 segundos para deixar uma mensagem ao mundo, que dirias?
"Vivam, amem, sejam imperfeitos, caiam e levantem-se. Que a vida só se lê de dois jeitos: com a arte e com as experiências de nós mesmos."
Entrevistado por Fernando Absalão Chaúque