Tunguinha foi o certificado da fertilidade de Zua e Wita, pombinhos perdidamente apaixonados que cresceram no bequinho da Viera, Bairro do Maxaquene B, algures em Maputo. Tunguinha foi criada com muito amor e carinho, os seus progenitores proporcionaram as mínimas condições para que ela crescesse sem muitos apertos. Fez os níveis Primário e Secundário em tempo recorde. Ela sempre foi o orgulho dos pais até que, por culpa do seu corpo escultural e rosto angelical, começou a ser assediada por vizinhos, irmãos da igreja, professores e até pela polícia. E os pais, apercebendo˗se do perigo, incessantemente alertavam˗na. Tunguinha concebeu do povo, pois foi a namorada da sua geração, diziam as más-línguas, onde há fumo, há fogo, como reza o ditado. O mundo desabou sobre a cabeça da Wita, quando apercebeu˗se que algo de estranho se passava com a filha. Conversou com a Tunguinha e esta confirmou as suas suspeitas. A maior batalha seria comunicar ao Zua. Tunguinha banhou-se em lágrimas e rios afogaram o seu coração, só de imaginar o semblante de decepção pela dor que causou aos seus progenitores.
Ela começou por pedir perdão, explicando-lhes que já não era mais a menina dos papais e nem aquela flor pequenina, que por tropeço foi vítima de um amor imaturo. Tudo era novo e puro, longe das fronteiras destes, conheceu o lado doce da vida, mas também o escuro. Carregava em seu ventre aprendiz, um novo membro para a família e com o agravante de não conhecer o “Chipande” que acertou em cheio na baliza sob a sua guarda. Antes dela terminar a sua locução os pensamentos do pai já vagueavam pelo ar e em simultâneo sentia˗se uma canoa órfã de comando em alto-mar. Conversou com os seus botões, procurando saber onde teria errado, se teria sido nos mimos ou a falta de acompanhamento para com a sua relíquia.
Zua e Wita olharam para a sua primogénita, mas não reconheciam mais a sua menina. Num ápice os três grudaram os seus corpos feito íman e ferro. Da torneira dos seus olhos jorraram rios de lágrimas mescladas de alegria e tristeza. Não se chora pelo leite derramado, dizia Zua a sua esposa e até lembrou da sua finada avozinha dizendo que é no melhor pano onde caía a nódoa.
Nove meses depois veio ao mundo o netinho dos Zua, baptizado com o nome de Ndlhelene. O menino cresceu no meio de uma família e chamava os avôs de pai, mãe e a Tunguinha de mana. O menino teve direito de frequentar um centro infantil e um bónus de transporte escolar. Reinava muita alegria no lar dos Zua, até ao dia que a Tunguinha entornou o caldo. Foi numa noite quente de verão, logo após o jantar, alegando estar cansada despediu˗se dos pais e carregou o seu menino para o quarto. Apesar do calor libertado pelas paredes, naquele quarto viúvo de uma ventoinha que fosse, Ndlhelene porém não se fez de rogado, caiu no sono, para o gáudio da rainha da noite. Nisto, sem apelo nem agravo, pela noite adentro, abandonou o menino e saiu de mansinho para satisfazer o seu ego e apagar o fogo da sua saia.
Reza o ditado, a desgraça nunca morre solteira. Enquanto a Tunguinha embebedava-se em suas orgias, naquela noite quente, o menino despertara com sede, querendo água. Tunguinha antes de sair de casa engomara a sua blusa decotada e a saia txuna baby, para seduzir os leões da noite. E como não existe crime perfeito, na pressa de chegar ao local do txilling, devido a pressão das companheiras esqueceu o ferro ligado. A caminho da sala, naquele quarto escuro, Ndlhelene caiu, sobre o ferro quente onde queimou e gritou, para o quarteirão todo ouvir.
O casal Zua acordou em pânico, entrou no quarto da filha, chamou por ela, mas debalde. E à mesma altura, Tunguinha dançava ao som de Jerusaléma entre outros hits do momento. Quando aperceberam˗se da sua ausência levaram o miúdo às urgências do HCM. Depois dos primeiros socorros regressaram a casa enquanto ela ainda txilava dentre as várias discos de Grande Maputo. A noite recolheu˗se na sua insignificância e o dia chegou. Ela regressou aos seus aposentos e encontrou os três na sala, Ndlhelene no colo da Wita e Zua, um autêntico búfalo de alma ferida, sonecava no sofá.
Feito um animal selvagem quando vê a sua presa, atirou˗se no colo da filha e descarregou toda a sua fúria, enquanto a Wita gritava enfurecida, mata essa feiticeira. Acho que a trocaram na maternidade, esta não pode ser a minha filha. Os vizinhos entraram e separaram os contendores. E as amigas da Tunguinha aconselharam˗na a meter uma queixa à polícia e logo após o registo da ocorrência deram entrada no Hospital Geral da Polana Caniço. Após os tratamentos fez uma queixa-crime contra o Zua. A polícia ligou para a Wita e esta comunicou ao seu esposo, não se fizeram de rogados e se fizeram presentes no posto policial. Sem que tivessem sido ouvidos, Zua foi recolhido aos calabouços, sem oferecer nenhuma resistência e gritou silenciosamente no seu íntimo.
A Wita, a Tunguinha e Ndlhelene regressaram ao seu lar, entretanto este estava órfão de doçura. Foi uma caminhada tortuosa naquele silêncio infernal. Na manhã seguinte a Wita chegou ao posto policial acompanhada pelo seu cunhado, que imediatamente pediu ao oficial do dia para que a levasse de encontro ao seu irmão e este ordenou a um guarda policial para que chamasse o Zua.
Quando o Zua saiu da cela para a sala de audiências o seu presente envenenado entrava na companhia de três raparigas, pelo sinal as suas companheiras da fara. Feitas as acareações pelas senhoras do Gabinete de Atendimento do Combate Contra a Violência Doméstica, o Zua fez uma revelação bombástica que gelou a sala e deixou todos boquiabertos. Ele começou assim,
“foi há precisamente cinco anos que a minha filha chegou grávida e sem conhecer o autor da façanha, mesmo assim acolhemos a nossa menina e acompanhamos o pré˗natal como manda o figurino. Duzentos e setenta e mais alguma coisa dias, numa noite fria de inverno, a nossa filha acordou˗nos aos solavancos e gemidos e prontamente a levamos para a maternidade. Mas quando estávamos, entre a padaria Edgar e o Restaurante Micael em direcção ao Centro de Saúde 1° de Maio, ao lado do Instituto Industrial de Maputo, na rua da resistência, a bolsa desta senhora estoirou e tive de abandoná-la por alguns instantes com a Wita para pedir auxílio aos transeuntes e acabei entrando numa casa circunvizinha e por instantes fui confundido com algum malfeitor. Mas logo o bom senso daquela comunidade veio ao de cima, liberaram-me e de seguida continuei a procura desenfreada por um objecto cortante para cuidarmos do cordão umbilical. E feito isso, ouvi a voz de quem hoje ela queimou com ferro e em forma de auto˗homenagem baptizei˗o como Zua Júnior. Foi assim que veio ao mundo, o meu netinho, quando a noite trocava o turno com o dia e devido as circunstâncias do seu nascimento atribuí-lhe a alcunha de Ndlhelene. Senti˗me um, herói anónimo, mas hoje fui transformado em delinquente, pela minha própria filha. Entre abraços, choros, gritos, soluços, Zua foi restituído a liberdade.”
Por Minyetani Khossa