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Tudo começou em Mocímboa da Praia, situado no cemitério orientado para o Norte, promontório de Moçambique, naquele cemitério nasceu em 1931 o farol de Cabo Delgado.
Nhongua vivia com seu Avô New Man, numa colina perdida. Seu avô era um velho vigoroso já na casa dos oitenta anos. Falava alto, enxergava muito bem. Descompunha os seus criados, ele tinha mais um neto, porém muito distante. Idolatrava o seu neto.
A noite já ia nas escuras e muito bonita com uma lua grande com umas estrelas que até pareciam sorrir para Nhongua, naquele lugar só estavam os dois. Naquela terra, as noites de inverno eram muito quentes, não era preciso acender a fogueira porque o frio aquecia os seus corpos e a luz fazia luz para os seus olhos. Estavam os dois sentados no areal do sítio onde se costuma acender a fogueira e olhavam para os céus com certa curiosidade.
-Vou te contar uma história hoje meu neto, disse o Avô. Sorriu o neto de tanta comoção, as histórias do seu avô eram surreais.
Naquele dia vovô New Man parecia muito excitado e não sabia que história iria contar para o Neto. Tomou um copo de água e a história começou:
- Antigamente, bem antigamente nós trabalhávamos aqui nestas terras. Éramos camponeses, outros pescavam nos lagos, outros apanhavam os animais nas armadilhas que faziam ali pelo mato. Sua Avó trazia muitas maçarocas aqui em casa. Cada um tinha o que precisava para viver e ninguém era pobre. Cada um tinha sua palhota, a sua machamba, as suas águas, os seus animais e as suas árvores, porque as palhotas, as machambas, a água, as plantas e os animais pertenciam a todos, a terra toda era nossa, o Sol, a Lua, e as estrelas eram também nossos e todos vivíamos felizes.
New Man falava com uma voz roca e bem grave, estava com uma tosse crónica, seus olhos grandes e pretos mostravam felicidade e nostalgia de quem revive um passado distante, bem distante e bom de recordar.
Prosseguia com a sua narração.
- Quando chegasse esses tempos havia muita fartura de comida porque a chuva caía com abundância e fazia crescer os frutos, não havia fome. Hoje, Moçambique virou cemitério, é gente que morre todos os dias. Em todo canto deste país, não há encantamento se não choro, são crianças, velhinhos, os gados morrendo de fome e sede, juventude sem emprego, falta de salário digno que dê para sustentar a família. A fome aqui é de tudo, é de escola, de amor, de trabalho, de dinheiro e de comida. Mas a fome de comida é a pior que existe. É a coisa mais horrível do mundo. É uma coisa que aparece para acabar com a vida, e a pessoa se acaba devagar, aos pouquinhos. Comendo devagar seu próprio corpo.
- Começa com os ossos até chegar nas carnes, até morrer. Hoje são cidades cheias, comunidades desertas, fábrica inutilizadas. Nos meus tempos, pouco se falava de desemprego, de sistemas económicos opressores, lei que oprime, regulamentos, regime democrático camuflado, prostituição em massa, fruto da fome. Não existia isso, meu neto, isso de políticas bancárias que descriminam a juventude.
- Vejo muita gente lutando aqui para enriquecer desmesuradamente à custa das nossas machambas, nossos impostos. Jovens da sua idade respiram uma atmosfera moral profundamente poluída. Nos nossos tempos não havia a comercialização do nu, a erotização da música, publicidades sexualizadas que tanto espalham, a delinquência dos jovens, fruto da fome, corpos amarfanhados onde não cabe alegria.
- Sabe meu neto, eu lutei muito por este país, dói-me o peito ver tanta penúria. Quero que seja um homem digno, meu neto, estas palavras são a única herança que eu deixo consigo, seja um homem trabalhador e digno.
Naquele instante, apareceu a vovó Madalena uma vizinha ao lado, muito lesto ela, também vinha esquentar a conversa com os vizinhos.
- Vovó Madalena, como está? Inquiriu o velho New Man.
- As coisas não vão bem lá em casa vizinho, pior neste país “e agora eu com dois netos mais e o pai deles desempregado. Um nasceu agora e outro na semana passada, de um coito errado que meu filho deu numa menina. Os dois são de baixo peso, porque as mulheres não comiam.
Gente daqui está na droga, vizinho, porque não tem emprego, as moças e rapazes daqui, tudo jovem, tudo envolvido. Ainda bem que meus filhos só fazem filhos, mas não entraram na droga estou muito chateada com a vida vizinho! Aqui tem o governo e não pensa. O governo é uma máquina. Uma máquina como outras máquinas. Não tem sentimento. Estou com as desigualdades das pessoas, das coisas. É gente com carro de ar condicionado e gente que vive desse jeito que você está vendo aqui. Gente que não tem oportunidade de viver com um salário para o sustento da família. O governo não vê a questão da criança, a questão do adolescente, a questão da droga, o governo quer que o povo viva na ignorância, para votar neles. A gente aqui só tem esses deuses e mais ninguém.
Saudades de Samora, Vizi, aquele sim! Desculpe o desabafo VIZINHOOOOOOOOOOOOOOÓÓÓÓ, e você com o seu netinho como estão?
- Nós estamos…
De repente a atmosfera saturou-se de novidade e de expectativa. Era uma guilhotina decapitando os condenados à morte.
O MEDO! Se instalou entre eles e na aldeia. Os ecos de tremendas mudanças ressoavam já em toda vizinhança. Para os campos fugia a população, Nhongua com seu Avô e vizinha vovó Madalena decolaram ao pé da estrada, eram destinos diferentes, julgando ser ali o menor perigo!
Homens trôpegos, mulheres, velhinhos num êxodo amargo, desesperado, outros levando ao colo crianças num coro de choro e o coração no meio torturado. Estava tudo nas escuras!
Seguiam estrada fora, tristemente, abandonando os lares em que deixavam todos seus Haveres.
Em Manilha e Mumu dois confrontos aconteceram, quatro pessoas morreram e Nhongua bem escondido presenciou a cena. No rio Messalo as artilharias dispararam contra pessoas inocentes. Numa cruzada a caminho que levavam motores, rocando forte na estrada asfaltada lá no alto passava um grupo de esquadrilha! Nhongua presenciou a cena novamente
Vovó Madalena comentava em voz Fina:
- São os Jihadistas, são os terroristas, são eles, são eles.
New Man julgou mais culto sussurrar lá no fundo:
- São soldados da F….! É a FIRI.
Logo ali, aquele bando de pobres fugitivos se dispersa em gritos aflitivos, as crianças choravam com sustos, as mães gritavam pedindo piedade, batem seus corações de ansiedade, seus olhos dilatavam-se de espanto.
Aquela noite virou um período de terror, o pavor ficou igual, novos e velhos sentiam-se na alma o mesmo disparo. O combate ficou duro e ferroso.
Num silvado, à beira dum caminho de Xitengo, em Sofala, assinava-se um acordo de desarmamento, New Man tendo ao lado o seu neto Nhongua decidiram se esconderem para presenciar aquela cena!
Nhongua não se conteve e pela primeira vez abriu a boca e perguntou!
-Vovô, este Barrulho o que será afinal? Que parece tremer o chão! Porque fugimos nós? Porque as pessoas morrem? Aquelas coisas todas que Vô me contou era sobre o quê? Estou com fome, onde é que vamos comer? Nós vamos morrer hoje, ou iremos para outra terra? Estreitando ao peito o neto.
Vovô New Man respondeu com tristeza ao seu neto, num tom de um português bem dificílimo:
- ISTO É NECROPOLÍTICA!
Sem tempo para nada uma bala atingiu o velho New Man bem na cabeça e morreu subitamente na penúria e na obscuridade.
Uma voz se ouvia lá no fundo num tom de festejo e jubilo:
- Abatido o Procurado, repito, abatido o procurado, abatido o procurado.
Por Cláudio João Sindique