Charada
Eu sou a charada por poucos decifrada
Por vós amada por todos desejada
A cara encriptada, coroa do reino fantochada
Por todos disputada, por todos procurada
O dilema a malícia a felicidade fictícia
A corrupção do polícia a censura da notícia
Matéria palpável desejada em abundância
Mal inevitável o prólogo da ganância
Sou o pseudónimo do ser anónimo
Corpo de Lúcifer é meu sinónimo
Fui a razão da fúria de cristo
Sou desde então o advogado do ministro
Sou a razão das solidárias ajudas
Fui a razão dos chicotes dos tugas
Sou a causa da fama do judas
Sou e serei o ser que tu não mudas.
Sou a máscara do vosso baile
O tecido do vosso xaile
O defeito insuperável pela qualidade
Plumas no leito que trazem infelicidade
Eu sou o mal mas por ti necessário
Ser decimal, sinal vital binário
Na minha ausência a presença do precário
Na abundante existência o sorriso do proprietário
Sou debatido na igreja, no ministério
No político partido no Vaticano em mistério
Sou o vício do ambicioso sem critério
Ser maligno que ninguém leva a sério
O meu pacto com o homem só vai até o cemitério
Quando vivo garanto-lhe um império
Sou o incentivo das maldades do hemisfério
Motivo do debate bélico no Iraque.
In Assemblage, 2017
Relíquia Portuguesa
Não sei por onde começar, há tanto por dizer
Mas sei o que dizer doa a quem doer
Nascemos para viver há quem vive para sofrer
Nascemos sem nada ter e morremos sem o obter
Moçambique independente, relíquia portuguesa
Digo isso pelos imóveis e afirmo com certeza
Dizem que o estrangeiro veio para ajudar
Mais se fores a notar, alguns vêm nos usar
Não tenho receio em dizer a dura realidade
Os Medias, que me censurem à vontade
Mas o povo necessita da verdade
E os governantes? Uma mudança de mentalidade
O partido no poder pratica a cleptomania
E o Moçambicano só manifesta a miopia
Isso afecta a economia que resulta a atrofia
Políticos são iguais com visão de megalomania
Aliados fazem-nos passar por humilhação
Maltratando brutalmente nossa população
Com os seus cães policiais comandados por oficiais
Testam a sua raiva em imigrantes nacionais
Animais irracionais cegos em rituais
Sucessos nas finanças fazem (pactos espirituais)
Seus filhos são sacrificados por meticais
Sua vida não anda pela obra dos seus ancestrais
Chegas a pensar que apodreceste os neurónios
A igreja que frequentas só te aumenta demónios
Aquele que estudou tem um salário magro
Há quem caneta não pegou e tem um bom cargo
Colegas malquerentes cobiçam a tua cadeira
Vão à palhota acabam com a sua carreira
Até o auxiliar de limpeza quer chefiar a empresa
Disputa de cargos é frequente nesta relíquia portuguesa.
Uns dizem Moçambique é Maputo Maputo é a zona industrial
Por isso que a energia sai do centro para a capital
Tal hidroeléctrica parece ser sul-Africana, porquê?
Não é usufruída em toda a tribo Moçambicana
«Chonga Maputo» boa iniciativa do governo
Mas é só para os prédios nunca chegam no nosso terreno
Tanta desordem súbita todos os dias
Emprego, trabalhos inacessíveis estão todas as vias
Indianos chegam ao país montam tabacarias
Lojas de quinquilharias, parques e mercearias
Vendem suas bijutarias e outras mercadorias
Nós na nossa terra servimos por quireras (trocados)
País liberto das guerras não das garras das feras
Estrangeiros na Arquitetura nós na Agricultura
Isto é uma loucura mentalmente uma tortura
A vida é dura e não dura diga-me, qual é a cura?
In Assemblage, 2017
1994
Das paredes orgânicas da minha progenitora
Tanta coisa se passou, minha memória não ignora
Quatro quilos e duzentos gramas quando cheguei cá fora
Bebé saudável e passei pela incubadora
Noventa e quatro é o ano, Agosto se não me engano
Hospital Central de Maputo, parto cesariana
Mãe crente, de uma família carente
Dono do feto ausente, conheci o amor materno somente
Filho único educado a respeitar não pelos bens
Respeitas-me, respeito-te, não pelo que tens
Brincava na rua das sete às dezassete
Com os amigos, descalços, sem camisete
Luta punho a punho, não havia canivete
Conversas cara a cara, não tínhamos internet
Ao anoitecer, telejornal, novela e cama
Mata-bicho pão com «badjia» raramente havia Rama
Cresci a jogar tetris não tinha Super-Mário
Carrinhos de arrame, sem bolo no aniversário
Fiz um rolamento, chamaram-me engenhoca
Bilhares de papelão, minha imaginação era louca
Época de férias metia o pé até a praia
Nunca sozinho sempre com amigos da mesma laia
Nando e Hipólito Lima, Acácio e Caló
Companheiros de infância nunca estivemos só
Fazíamos casinhas brincando de Papá e Mamã
Todos disputávamos para o papel de Papá
Diferente de uns, nunca fui a creche
Aprendi sozinho a não mexer o que não se mexe
O vício pelo dinheiro não bateu à minha porta
Mas a necessidade sim, o motivo pouco importa
Comecei a vender sucatas ao pé do cinema «Charlote»
Semanalmente tinha que conseguir outro lote
A rua foi a escola, meus amigos os meus docentes
Meus familiares próximos também estiveram presentes
Na construção da personalidade e na minha educação
Palavras não bastam, agradeço-vos de coração
Por cada lição dada com dedicação
Por cada punição a cada má acção
Por cada correcção, por cada «sim» e «não»
E por tudo que não posso dizer nesta ocasião.
In Assemblage, 2017
Pugna contra penúria
(O hoje é atemporal a pugna imaterial
Cordial e abismal, expressa de forma musical
Sentimento universal para todo o ser natural
Sensato e racional, o escopo é espiritual)
Desejo a todos amigos e aos conhecidos
Novos, antigos, presentes e desaparecidos
Que cultivem o amor plantado com sabedoria
Isentem-se da dor, respirem a euforia
Iniciem os planos projectados há anos
Não temam os danos, aprendemos quando erramos
Somos todos humanos sujeitos a enganos
Mas sempre petiscamos quando experimentamos
O inimigo anda a solta à espera da sua queda
Sem razão de revolta atira-te a pedra
Ignore-o, continue o caminho é para frente
Se o tempo não recua, escolha sabiamente.
Quantas vezes tentaste sair do buraco?
Situações enfrentaste da vida sem taco
Punhos não cessaste quando estiveste no vácuo
Por melhoras esperaste e o tempo fez-te caco
Plantaste esperança, colheste desilusões
Nunca viveste a bonança só dilemas sem soluções
Rogaste ao «todo poderoso» bênção no trabalho
Pelo corpo poroso brotaste suor no soalho
Nunca foste preguiçoso em nenhuma actividade
Teu esforço penoso não trouxe-te felicidade
Embora virtuoso e dotado de sanidade
És muito orgulho para vender a dignidade
Uns sobem ao pódio, tu cavas a sua cova
Na pugna da vida, só levas sova
Até desperta-te ódio e percebes que é uma ova
E de cabeça erguida anseias uma posição nova.
Nesta longa-metragem, prossigo em viagem
Nas costas a bagagem em direcção à margem
Nadando contra a maré, puxando a ancoragem
Não vejo ninguém, tudo parece miragem
Amigos cantam vaias encaro como bobagem
São homens com saias que não têm coragem
Ignoro-os e prossigo, confiante na aragem
Sei que aos poucos consigo, a Fé, é minha vantagem
Eis aqui a mensagem se és da minha geração
Deixa de escutar música e ver televisão
Não acata a opinião pública eles não têm noção
Que cada pessoa é única nesta imensidão
Desapega-te do aparelho e da má socialização
Não seja fedelho aposte em maturação
Oiça o mais velho e siga um ancião
Isto não é um conselho são dizeres de motivação.
In Assemblage, 2017
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LJ Nhantumbo é nome artístico de Jacinto Nhantumbo, natural de Maputo, Estudante finalista de Arquitectura e Planeamento Físico na Universidade Eduardo Mondlane. Autor de Poesia e Prosa com duas obras publicadas em formato e-Book. Boa parte da sua escrita é baseada nas suas vivências e experiências neste mundo de ninguém, misturadas com as realidades de diferentes pessoas que fazem parte do seu ciclo social.
Escreve para reflectir e causar reflexão além de desempenhar papel de vínculo entre a palavra e as pessoas que não têm a capacidade de escrever o que vivenciam, começou em 2011 escrevendo e cantando RAP. Em 2015, depois da morte da sua Mãe, passou a escrever assuntos muito profundos sobre sua depressão, e sobre si mesmo. Em 2017 decidiu faz uma compilação das suas Letras e alguns Textos para lançar sua primeira obra intitulada ASSEMBLAGE