Entrevista a Pablo Neruda - CONVERSAS D’ALÉM MUNDO




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“Na sombra dos loureiros (…)
Enterraram o seu doce corpo,
Juntaram-se suas mãos de neve.
Fecharam-se os seus olhos abertos.
(…)
A sombra dos loureiros (…) morre
Em silêncio… um canto tremendo
E eterno (…) ajoelhando debaixo
Do vento”

Após um longo período em silêncio, voltamos a nossa incursão de conversas interactivas denominadas “Conversas d’além mundo”. Dando continuidade a nossa visita literária pela América do Sul, decidimos fugir um pouco dos ares da Terra do Samba para acomodarmo-nos na terra da estrela branca, Chile geograficamente falando. Cá estamos para falar com Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto ou simplesmente Pablo Neruda como é conhecido a nível mundial.

Acima está exposto o excerto do poema intitulado A morte de Melisanda” do autor supracitado.

Neruda é considerado um dos mais importantes poetas da língua castelhana do século XX, sua obra “Cem Sonetos de Amor” publicada em 1959,  é uma das suas obras mais conhecidas e a mesma serve de homenagem ou dedicatória à sua esposa.

Segundo o portal Pensador (2005), “A literatura sul-americana ficou com o tesouro de sensibilidade desse autor que qualquer pessoa que já amou (ama ou amará) deveria conhecer, e que faz qualquer um suspirar”. A titulo de exemplo, o poema abaixo expressa a ternura que fora carregada pelo poeta:
“(...)
Amo-te como a planta que não floriu e tem dentro de si, escondida, a luz das flores, e, graças ao teu amor, vive obscuro em meu corpo o denso aroma que subiu da terra.
Amo-te sem saber como, nem quando, nem onde, amo-te diretamente sem problemas nem orgulho: amo-te assim porque não sei amar de outra maneira, a não ser deste modo em que nem eu sou nem tu és, tão perto que a tua mão no meu peito é minha, tão perto que os teus olhos se fecham com meu sono”.

Confesso que vivi (risos) esse Soneto XVII e o tenho vivido sempre que há oportunidade para tal, pois o amor é um sentimento sublime que existe no mundo e deve ser vivido por todos seres providos pelo folêgo da existência.

Sê bem-vindo ao nosso espaço de conversa; quem é Pablo Neruda?

PN: Sou o desesperado, a palavra sem ecos… língua cheia de guerras e de cantos...

Porquê o “desesperado”?

PN: Porque na trama dos tecidos invisíveis, minhas palavras são como a lâmpada de minha alma… infinitos sonhos gritando entre olhos de luto.

Falando em palavras, quando é que se interessa pelo mundo literário?

PN: Quando escutei a voz que repetia “Venha comigo”.

Essa voz não teria sido uma alucinação?

PN: Não… quando falava era como se alguém falasse em meu coração, como as nuvens que o vento sacode em onda sem espuma e sem peso.

Acredita na existência de um mundo paralelo ao nosso?

PN: “Vive obscuro em meu corpo, onde o denso aroma da luz das flores sustenta o meu peito como uma espada fresca.”Acredito no silêncio da cor do dia e da cor da noite, como uma canção de recordações mortais que de tumba em tumba move a alma no ventre ânfora a propagar o cântico do coração queimado.

É sabido que o amor é um sentimento patente com “demasiado exagero” na sua escrita; de onde vem essa inspiração para escrever sobre o amor num mundo em que os sentimentos adversos a essa nobre emoção parece serem dominantes?

PN: “Antes… o amor era do ar caído, abandonado e decaído; tudo estava vazio, morto e mudo, tudo era inalienavelmente alheio, tudo era dos outros e de ninguém, até que tua beleza e tua pobreza de dádivas encheram o Outono”; minha alma não se contenta em buscar as frias corolas que caiem na alma como ao pasto o orvalho… importa que o amor escreva à vida sentimentos coloridos como o arco-íris.

Não seria a Matilde a fonte da tua inspiração?

PN: Para o meu coração basta a liberdade das minhas asas…

Quem é Matilde na tua vida?

PN: É meu destino, fogo que alimenta a vida que consome a minha vitória no exílio do combate amoroso.

Ela é a razão do demasiado amor expresso com muito afinco nos teus poemas?

PN: “Um homem só encontra a mulher ideal quando olhar no seu rosto e ver um anjo e, tendo-a nos braços, ter tentações que só os demónios provocam…”, conhecer o amor dos que amamos é o fogo que alimenta a vida!

Por poucos, é sabido que Neruda foi um diplomata; como era conciliar a vida artística e a diplomacia?

PN: “A vida esconde nos lugares mais simples sua grande beleza (…)”.
Não sei… os perfis são como amores longínquos, nunca ninguém soube amar abismos transitórios.

Se não fosse poeta, o que seria?

PN: Fiz-me tantas perguntas acerca, que fui viver para a beira-mar e deitei na água as respostas para não discutir com ninguém…

Ou seja ser poeta é o teu destino?

PN: “O Poeta nasce da paz como o pão nasce da farinha”.

Há quem o considera Fernando Pessoa do Chile, concorda com tal adjectivação?

PN: “(…) conhecer uma vida não basta, nem conhecer todas as vidas… é necessário desentranhar, raspar profundamente as linhas, a cor, a trama do tecido profundo que a vida oculta…, eu apago as cores e busco até achar o tecido profundo (…)”, sou transparente como a água, esse é o meu ofício, o meu dever é esse ser transparente todos dias, ser Pablo Neruda.

Qual é análise que faz da literatura chilena nos dias actuais?

PN: É uma florida ilusão que mergulha na profundidade dum desencanto de todos os sonhos da minha juventude.

Acha que a literatura chilena não será capaz de dar vida á um Pablo Neruda contemporâneo?

PN: …não sei… procurei sabê-lo em dicionários antigos e poeirentos e noutros livros, mas achei em meu coração ecos e vozes nostálgicas como um velho caminho na névoa de um lago profundo; talvez minha voz nascerá de novo, talvez noutro tempo sem dores, e nas alturas arderá de novo o meu coração ardente e estrelado.

Se tivesse uma oportunidade de voltar a vida, qual é a época que gostarias de reviver?

PN: “Se nada nos salva da morte, ao menos o amor nos salva da vida”, morrer é viver eternamente.

Estamos no término da nossa conversa, em jeito de conclusão, que palavras gostaria de dizer?

PN: “Amo o pedaço de terra que tu és, porque das campinas planetárias outra estrela não tenho. Tu repetes a multiplicação do universo.

Teus amplos olhos são a luz que tenho as constelações derrotadas, tua pele palpita como os caminhos que percorre na chuva o meteoro,

De tanta lua foram para mim teus quadris, de todo o sol tua boca profunda e sua delícia, de tanta luz ardente como mel na sombra.

Teu coração queimado por longo raios rubros, e assim percorro o fogo da tua forma beijando-te, pequena e planetária, pomba e geografia.

Dedico este poema a ela, minha amada!


Elaborado por:
Síul Leumas


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