1.
[...]
Quando eu morrer em Português. Será tarde para quem gosta de chorar. A minha conta bancária estará vazia. Terão levado tudo. A minha esposa. A minha filha. Cinco pratos de porcelana. Duas panelas de alumínio. Um televisor a preto e branco. Uma bicicleta Hunter. Duas cadeiras de plástico. Um banco de madeira. Um quilo de açúcar. Dois quilos de farinha. Um litro de óleo. Uma cama de madeira. Uma caixa com vasilhames. Um rádio X-Bass. Dois cabritos. Duas galinhas. Dois ovos. Dois lençóis queen size sul africanos. Terão levado tudo. Quando eu morrer. Encontrarão o corpo aqui. Sobre este chão de matope. Embrulhado no azul deste lençol que não fala. Eu gosto do azul, que seja dito o que deve ser dito aqui. Azul é uma reticência tal como é o meu destino. Tenho essa estranha ideia de que Jesus tem tudo para ser azul tal como são os seus céus. Quando eu morrer. Acharão a minha sombra mais alta que nunca. Dois fios de cabelo em todo meu corpo. Olhos frios e abertos iguais aos da mana Glória. Quando eu morrer. Quero é ver-vos todos. Bem vestidos. Tapando os vossos gordurentos e luxuosos narizes. Quero é ver-vos sãos e felizes. Quando eu vier a morrer de verdade. Quero que me encontrem ao lado dos meus poemas. Minha maior riqueza. Todos os textos que escrevi foram sempre para mim. Não os deixem conhecer a rua. Acabarão mortos na mão desses editores que não sabem trocar a fralda da vírgula. Enterrem-lhes comigo. E mostrar-vos-ei o primeiro poeta que aparecerá vivo no dia do julgamento. Vestido de versos azuis.
Quando eu morrer em Português. Será tarde para quem gosta de chorar. A minha conta bancária estará vazia. Terão levado tudo. A minha esposa. A minha filha. Cinco pratos de porcelana. Duas panelas de alumínio. Um televisor a preto e branco. Uma bicicleta Hunter. Duas cadeiras de plástico. Um banco de madeira. Um quilo de açúcar. Dois quilos de farinha. Um litro de óleo. Uma cama de madeira. Uma caixa com vasilhames. Um rádio X-Bass. Dois cabritos. Duas galinhas. Dois ovos. Dois lençóis queen size sul africanos. Terão levado tudo. Quando eu morrer. Encontrarão o corpo aqui. Sobre este chão de matope. Embrulhado no azul deste lençol que não fala. Eu gosto do azul, que seja dito o que deve ser dito aqui. Azul é uma reticência tal como é o meu destino. Tenho essa estranha ideia de que Jesus tem tudo para ser azul tal como são os seus céus. Quando eu morrer. Acharão a minha sombra mais alta que nunca. Dois fios de cabelo em todo meu corpo. Olhos frios e abertos iguais aos da mana Glória. Quando eu morrer. Quero é ver-vos todos. Bem vestidos. Tapando os vossos gordurentos e luxuosos narizes. Quero é ver-vos sãos e felizes. Quando eu vier a morrer de verdade. Quero que me encontrem ao lado dos meus poemas. Minha maior riqueza. Todos os textos que escrevi foram sempre para mim. Não os deixem conhecer a rua. Acabarão mortos na mão desses editores que não sabem trocar a fralda da vírgula. Enterrem-lhes comigo. E mostrar-vos-ei o primeiro poeta que aparecerá vivo no dia do julgamento. Vestido de versos azuis.
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Muita pouca coisa. São poetas estudados. Cascam o eu. Deixam-lhe nu. Sem roupa. Género. Sem tecto. Parênteses. Parentes. Vira lata. Vira surrealista. Vira imagem. Vira fotógrafo. Símbolo. Clássico. Tudo baboseira. Macorreia apenas são caos. Fundiram todas facas. São apenas mãos de dois gumes que ainda cortam o tempo. A vida vem das calças do tio Cornélio. Das cuecas em baixo da ponte do rio Nhamatanda. Escaparam das mãos ensaboadas de uma senhora sem nome. Lá na montante. Do peixe da mãe de Dino. O único peixe do bairro que vem de Zónuê. Do peixe seco de cinco meticais. Do óleo de quatro meticais. Da meia barra de sabão Maeva. Da gravata Gucci de três meticais do Mupedzanhota. Do lápis de cores do meu puto e prontos. Alma, fogo. Suor, lenha. Almoço, poesia.
3.
[…]
Grande poema
não se escreve
como se morasse
em qualquer papel
Grande poema
não se lê
como se dispusesse
a qualquer olho
Grande poema
é uma fotografia
única
simples
e sincera.
Grande poema
Sou eu.
Grande poema
não se escreve
como se morasse
em qualquer papel
Grande poema
não se lê
como se dispusesse
a qualquer olho
Grande poema
é uma fotografia
única
simples
e sincera.
Grande poema
Sou eu.
David Bene (26 anos)
Poeta e performer. Natural de Manica, Moçambique. Doutorando em Earth Resources Engineering (Kyushu University, Japan).