~ Mazamera sefreu - [a terceira vez] ~

~ Mazamera sefreu - [a terceira vez] ~


A lua continuava metamorfoseando a noite, que já estava calejada de passar por diversos estágios frenéticos em precoces minutos. Carregava os encantos e os pecados dos noctívagos seres, os donos dos prazeres insaciáveis. A noite estava tão calma para “o dia dosomem”, normalmente quando chegasse o último dia de labor, as pessoas do bairro da Manga ficavam azafamados como se a vida dependesse da sexta-feira para se manter existente. Em meio àquela calmia anormal, uma voz rasgou o silêncio ao meio numa repartição equitativa:



- “Txakutxena não ser bebida para eu…eu beber bebidas que vem das fábricas no Maputo!”



O tipo de uma estatura mediana e de corpo meio franzino, disse num tom de voz arrogante, temperada a álcool. Transpirava-lhe o nariz como orvalho que beija a madrugada. Ajeitou-se ao avistar um par de pernas desnudado numa mini-jupe.




- “Quer matar eu de apetites…” – Disse salivando os beiços com língua.


- Afinal por que você és assim? Sempre que bebes os ponteiros da tua cabeça despontificam-se… tua mente acostumou kabanga e txakutxena… txilar não ser bebida para você.


Afirmou a dona do par de pernas sentindo-se incomodada. O indivíduo olhou com désdem para aquela que seria seu petisco nocturno e que lhe ajudaria a yelhisar o sabor amargo da cevada líquida, deu-lhe as costas e começou a pigarrear:


- “Mazamera agora beber bebida do Maputo… bolso meu estar cheio como água do Idai que fez Beira mergulhar sem saber nadar… bolso meu não me fazer sofrer!”


Aventurou-se noite adentro sem um destino aparente, apenas seguindo a vontade das pernas que tinham emprestando a função do órgão cefálico. Caminhava sentindo-se dono das ruas,pois o seu cambaleio explorava ao máximo cada espaço daquelas vias.


- “Eu ser o dono do mundo!”


Iludiu a mente como as promessas falsas de um mancebo dirigidas á uma moça apaixonada. Proferiu a fala antes de adentrar-se por uma via com visibilidade deficiente, que nem Braile seria capaz de desvendar seus grafemas. Deu o primeiro passo acompanhado pelo gole da cevada que estava no recipiente castanho-claro de 350ml; o líquido atingiu seu estômago e despertou o cantante que vivia no seu íntimo:



- “Passarinhouuu, está comer arrojjo…passarinhouuu, está comer arrojjo…”



- “Da machamba…” - Uma voz nasceu no meio daquelas trevas.
Mazamera abortou a canção e beijou novamente o gargalho do recipiente cilíndrico, invocando a coragem que lhe falta nos intervalos de lucidez.



- Quem estar aí?
A surdina do silêncio gritou mais alto do que o corista que quisera lhe acompanhar na canção.
- “Mbava fidamãe, aparece”. – Afirmou num tom de voz inseguro.
A silhueta de quatro indivíduos revelou-se na epígafre dos seus berlindes reluzentes.
- “Eu não ter mussuruku…” – Adiantou-se nas explicações.
- Quem disse nós querer mussuruku? – Indagou uma das silhuetas. – Nós querer outra coisa…



- “Se é… txa…txaku… ku… txena…” – Costurou com dificuldade os vocábulos como uma máquina de coser com uma agulha incompatível à sua referência. – “Eu… não… não…beber mais… txilar é bebida que embriaga meus fustruções…”
Os indivíduos entreolharam-se.
- Você ser Mazamera?
A indagação arrombou de surpresa os ouvidos do andarilho noctívago, que o imobilizou como um cacto no meio do ermo. A transpiração transbordou do seu âmago encharcando sua epiderme. O silêncio amordaçou seu órgão fonético.



- Ser ele… o silêncio dizer tudo.
- “Ser eu mesmo… querem o queh?”
Levantou a voz como um pato levanta o peito ao marchar.
- Você sabes o que nós querer!
- “Mazamera não ter mussuruku para mbavas… mas poder dar bebida do Maputo!” – Ergueu a garrafa em direção as silhuetas.
- Nós querer txilar mazamera como da última… mazamera ser colmeia de abelhas!
O álcool que fermentava a consciência do andarilho das noites desvaneceu como o nevoeiro que deserta sem dizer adeus. A lucidez despertou seus olhos e seus pés de atleta. Correu uns dois membros, e foi traído pelas pernas que não obedeceram as vontades do órgão cefálico. Não conseguiu suster o corpo, tombou.
- Sooo… cor… - A mão direita de um dos mbavas amordaçou o clamor de auxílio.
- Mazamera não pode fugir de nós…
- “Me sol…ta… mba….vas fida….mãe… - Costurou a fala com dificuldades. Golpeiaram-no, dando-lhe bofetadas e pontapés que o elevaram às alturas como um impensável papel num dia ventoso;saquearam-lhe tudo que era possuído pelas algibeiras do seu traje, nem o seu terço de proteção escapou das mãos leves dos miliantes.



- Vai ser nossa proteção. – Afirmou o rambador segurando o terço.
Dois dos homens seguram a vítima pelos membros inferiores, um de cada, e o mais forte imobilizou os membros superiores do Mazamera, e o individuo que estava desocupado abriu a fronteira das vestes inferiores e o mastro conheceu a liberdade sem tardar, e a devassidão foi consumada em meio á pontapés, socos, chapadas e gotwanas brindados ao andarilho noctívago. O sofrer do Mazamera foi contemplado pelos olhos da madrugada sem poder auxiliá-lo, pois a natureza não lhe concedeu proezas heroicas.
Estiveram naquela incursão por volta de vinte minutos, repartidos em cinco para cada um.


- Eu querer mais. – Disse o tipo que abrira a secção. – Esse mazamera ser colmeia de abelhas!
Mas as pretensões do tipo não passaram de meras vontades, pois uma senhora rasgou a madrugada como o ribombo das descargas atmosféricas:


- BARKABUNDA… BARKABUNDA!


Os profanadores do templo alheio desataram-se a maratonar, purificando aquele local corrompido. A voz da senhora despertou os moradores que estavam no modo letárgico, descansando as imperfeições do mundo. E num tom harmónico os cães sudinaram, o que fez os mbavas activarem as engrenagens dos seus pés.
O andarinho noctívago permaneceu nos braços acolhedores do dorso do mundo, lamentando-se da sua sofrência tripla num curto espaço de tempo. A heroína se aproximou da vitima, olhou-o nas janelas da alma que jorravam o líquido salgado sem expressão, e desembrulhou o que lhe vinha na mente:
- Hiweh… até quando vai aguentari sefreri por nada?
- Esta é última vez.

Costurou a fala sentindo a paz n’alma, apesar do ocorrido.


[esse foi o terceiro sofrimento de mazamera]

POR *Arnaldo Tembe*

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