Hanifa, tu és minha mulher, ouviu?



Hanifa, tu és minha mulher, ouviu?
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Caniço enferrujado é o quintal pelo qual ama-se a gente num tear infinito dos copos. Os rasgos da música mal equalizada denuncia uma rodada de cabanga no interior do quintal. Cá de fora, três homens trocam um beato de cigarro, o fumo sai pela boca como pelo escape de uma cinquentinha; e elevava-se pelas alturas em farrapos de nuvens, parece uma revoada de pombos brancos.
Luísa, está sentada debaixo do alpendre, olhos vivos e pesados. Na intercalação das músicas, podia ouvir-se conversas e risadas que ela rebentava. A caneca de cabanga corre de mão em mão, na fila de homens e mulheres.
Uma mosca gorda senta-se na orla da caneca, esfrega, a prior, as mãozinhas uma na outra, depois os pezinhos. Luísa estende a mão em direcção a caneca, a mosca levanta o voo, dá uma volta, não sei onde, volta a pousar na caneca, desta vez na asa. 
Riem-se gargalhadas da dança de Luidimar. 
Veio Hanifa, face encovada, olhos duros como berlindes, talvez uns treze anos e pouco, tem nariz que parece uma duna, bico dos seios a espreita no vestido vermelho; vem chamar a mãe. 



- Mãe, chegou visita... – gritou Hanifa.
- Luísa, é tua filha? - quis saber Luidimar. 
Luísa abre os lábios grossos num sorriso e responde que sim, mas basta que lhe dê uma cabeça de vaca, fica com a filha. Luidimar, untado de suor, vai ziguezagueando como um insecto entontecido pela luz, aproximou-se da Hanifa; passa a mão direita pelas costas da miúda, em carícias  e diz:
- Hanifa, tu és minha mulher, ouviu? 
Hanifa, olhos fitos no chão, não diz nada. Rói as unhas; sua faixa de sombra estirada no chão fazia-a se parecer crescida e pronta para se casar. 
- Dê cabeça de vaca, primeiro – retaliou Luísa.
Ouviu-se risos seguidos de gargalhadas. Luidimar olhou no céu como se a indagar, quando deus lhe providenciará uma cabeça, viu nuvens correndo, carregadas pelo vento? No pulso, o relógio faz tiquetaques. Os dois ponteiros são como caravanas no deserto.
Dias todos, Nando, tira o som do debaixo da cama e amplifica-o no teto da casa, coberta de capim, em direcção a rua, que parece uma bandeira no mastro, e Mira, sua mulher, fermenta a cabanga para servir a quem queira se embriagar de pobreza.   

Alerto Bia

Fernando Absalão Chaúque

Professor, escritor, poeta e blogueiro. Licenciado em Ensino da Lingua Inglesa. Autor de ''Âncora no ventre do tempo'' (2019) e co-autor de ''Barca Oblonga'' (2022).

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