Não sei o que me deu. Era madrugada escura e nebulosa. A região estava coberta de neve imaginária, aliás, foi o que imaginei quando abri a porta e o frio gelado apressadamente acariciava o meu corpo.
Nada se via nem se ouvia. A penumbra da madrugada estava silenciosa. O céu parecia triste, pois, não se via nenhuma estrela a sorrir para o mundo. Talvez existissem nos céus velando por nós, mas meus olhos eram incapazes de alcançar as milhas de distâncias que existem entre a terra e as galáxias.
Senti minhas mãos geladas ao tentar contemplar o nada. Meus fantasmas segredavam-me os meus medos. Lembranças de contos macabros contados em volta da fogueira pela minha querida Avó Kuembula. Os pelos arrepiavam o corpo. Era uma sensação de terror.
As folhas das árvores que se moviam ao som do vento, formavam sons de cerimónias de iniciações macabras que ocorrem secretamente nas madrugadas. Voltei para dentro. Sentei-me sobre a minha mesinha e pensei em escrever alguns versos.
“O que poderá revelar a minha alma nessa madrugada?”. Será que um poema pode revelar algum mistério ao próprio poeta?
Mauro da Silva diz que em momentos como esses, em que os pensamentos mergulham no mais profundo da alma, o poeta sai do corpo e transforma-se em observador.
Naquele instante de reflexão, mas em demasiado repleto de angústia, não existia somente um corpo naquele quarto. O corpo e a alma coexistiam como o observado e o observador. Por isso o Mauro da Silva quando foi para dentro não voltou. Quando a alma é dependente do corpo, limita-se a visão e a vivência.
Ainda há quem pergunte de onde vem o poeta. É simples compreender quando deixamos a alma se expressar. O poeta vem de dentro. Do lugar mais profundo da nossa alma.
O poeta não escreve versos para o mundo. O poeta escreve versos para se libertar dos seus anseios. E consequentemente, são versos que o mundo necessita para curar os que não podem se expressar. Então, o poeta é a voz do mundo. Quando o poeta se calar, o mundo também poderá se calar…
Álvaro dos Reis
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