Do Autocídio ao Mariticídio



Do Autocídio ao Marticídio
Créditos da foto Aqui
Estavam tão próximos e muito distantes, compartilhavam o mesmo espaço físico, mas cada um convivia com os seus fantasmas. Aquele lar já havia esgotado toda a sua alegria e harmonia que num passado recente criava inveja a toda a vizinhança.
Clima fúnebre, silencio infernal, o único sinal da vida vinha da parede e era dum plasma que falava baixo, projectando um dentre os vários programas, de uma dentre as varias televisões, apresentado por um dentre os vários apresentadores da nossa praça. Quetina já se havia enjoado do novo modus vivendi do seu esposo Carrasco. Enquanto ele em seu quarto rebolava de babalaza e recuperava-se dos efeitos das orgias de sexta-feira e sábado, Quetina preparava um peixe, que ia sendo temperado pelas lágrimas que lhe iam saindo pela torneira dos seus olhos e desfilavam pela passarela do seu lindo rosto que teimava em ser lindo, mesmo na hora de chorar. A refeição teria um sabor deliciosamente amargo, com aperitivo de mágoas e sobremesa de tristeza.

O domingo já ia pela metade, quando ela colocou o almoço na mesa e foi ao banho onde lavou o corpo e a alma com água e lágrimas e, feito isto, colocou uma roupa qualquer que ficou igual a mão na luva, aliás todo o trapo ficava valorizado naquelas curvas talhadas e malhadas pela mãe natureza. Saiu disparada sem dizer uma palavra sequer ao seu vizinho de cama e este apenas apercebeu-se da sua saída, quando ouviu o estrondo da porta da sala. Ela ia à casa dos seus pais, buscar a filha, a única alegria que ainda sobrava daquela aventura.



E no museu da sua memória, teimava em não se apagar o apogeu do seu relacionamento, não havia mais passeios e sentia saudades das suas idas ao cinema, teatro, a discoteca e mais, por ora tudo isso virara miragens. As saudades não concediam trégua, sentia falta de tudo e até das desajeitadas gargalhas pelas quais sempre reclamou do seu parceiro. Não mais reconhecia aquele homem, não era mais o mesmo bombeiro, que sempre com o seu instinto apagava o seu incêndio, não tinha mais olhos para ela, a sua vida era um autêntico calvário. Era ela que cuidava do seu guarda fato, todavia o Carrasco distribuía o fogo das suas calças em saias alheias. O tempo passava e a relação deteriorava-se dia após dia e quando ela perdeu as estribeiras, entre o autocídio e mariticídio, Quetina abraçou a segunda via.

Minyetani Khossa

Fernando Absalão Chaúque

Professor, escritor, poeta e blogueiro. Licenciado em Ensino da Lingua Inglesa. Autor de ''Âncora no ventre do tempo'' (2019) e co-autor de ''Barca Oblonga'' (2022).

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