Entrevista a Carlos Drummond de Andrade - Conversas d’Além-Mundo


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Não faças versos sobre acontecimentos,
Não há criação nem morte perante a poesia.
Penetra surdamente no reino das palavras
Lá estão os poemas que esperam ser escritos,
Ei-los sós e mudos (…) com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema desprender-se do limbo,
Aceita-o como ele aceitará sua forma
definitiva e concentrada no espaço.


Após estarmos em conversa com três poetas maiores do velho continente, concretamente de Portugal [Fernando Pessoa, Florbela Espanca e Alberto Caeiro], hoje começamos uma sequência de conversas com autores do outro lado do oceano Atlântico, América do Sul. Foi eleita a terra do samba para descortinar essa aventura literária pela América latina, e o primeiro autor selecionado para nos acompanhar nesta viagem é o contista, cronista e poeta Carlos Drummond de Andrade. Acima estão expostos alguns fragmentos do seu poema intitulado “Procura da Poesia”. Drummond é considerado por muitos o poeta brasileiro mais fluente do século XX, tendo sido um dos principais poetas da segunda geração do Modernismo brasileiro, foi percursor da chamada “poesia 30” com a publicação da obra “Alguma Poesia”, que marcou a época.
Carlos Drummond de Andrade é sem sombras de dúvidas um dos grandes nomes sonantes da literatura lusófona, e é proprietário de um vasto leque de obras literárias, em que passo a citar algumas: Sentimento do Mundo, A Rosa do Povo, José, As Impurezas do Branco, Poesia Errante, etc. Caríssimos leitores, esta foi a breve apresentação do nosso convidado neste espaço de conversa interativa denominado Conversas D’Além-mundo.


Quem é Carlos Drummond de Andrade?
Um nome que ninguém se lembra mais, que ninguém vê no meio do caminho… como uma fotografia na parede…


Será que ninguém se lembra mais de ti?
“A vida é um sol estático, não aquece nem ilumina… tem mil faces secretas sob a face neutra e se transformam em desprezo”, por isso sou um nome do qual ninguém se lembra mais.


Não estará a sentir a solidão que persegue alguns artistas quando envelhecem?
Não sei se estou…, há muito perdi meu corpo ao eterno lamento imperceptível de alguém que perdeu no jogo enquanto a banda de música vai baixando, baixando de tom abafando o rumor que salta de meu coração há muitos anos, mas sinto que o tempo sobre mim abate sua mão pesada.


Quando é que começa a se interessar pela literatura?
Quando nasci, um anjo torto desses que vivem na sombra disse: vai, Carlos ser poeta “gauche” na vida como qualquer homem da terra triste e sem horizontes.


Para ti o que é literatura?
“(…) marcas da vida num de seus pontos sensíveis e visíveis, linhas de um rosto de embalar uma triste saudade sobre meu coração, a memória em dissipação”. A literatura é o reino das palavras, o escuro rastro desses momentos em que se confessam um protesto tímido,  a sombra do mundo errado sem dizer palavra…


Há vozes que dizem que o texto “No meio do caminho” não passa de uma aglutinação de palavras sem sentido, que sentimento queria transmitir com o texto?


Não sei… os caminhos muitas vezes se fundem com um insolúvel flautim ao eterno barulho sobre lua imóvel que salta de meu coração. Não sei quantas vezes me perdi no fundo de mim, na carne da vida! Os caminhos as vezes se fundem na zona de luz, mas secretamente influem na vida que tenho para oferecer aos loucos.


Conto, crónica e poesia, em qual destes géneros sentes que o teu ego ou espírito deleita-se?
“A doce palavra consola os doentes e não os renova dos crimes da terra, a doce palavra consola os crimes suaves, que ajudam a viver”. A literatura é um mundo largo, onde torno a criar e esquecer-me dos maus poemas, alucinações e espera de algumas palavras duras, em voz mansa que nunca cicatrizam lições da infância desaprendidas na idade madura… Já não quero palavras nem delas careço, sou varado pela noite, atravesso os lagos frios, absorvo epopeia e carne, bebo tudo, desfaço tudo!


Onde busca inspiração para compor seus textos?
No infinito, onde se deposita certa porção de silêncio… no ventre onde outros silêncios penetrem, outras solidões derrubem ou acalentem meu peito.


Há quem diga que o escritor antes de pensar em agradar o outrem com os seus escritos deve agradar a si mesmo, comunga do mesmo pensar?


“Aspiro… à fiel indiferença mas pausada bastante para sustentar a vida e, na sua indiscriminação de crueldade e diamante, capaz de sugerir o fim sem a injustiça dos prêmios”. Não quero e nem ouço a matinada dos arcanjos, basta-me o que veio de mim mesmo.


“Não cantarei amores que não tenho” um dos versos do poema intitulado “nudez”, em que cirscustância escreveu o verso, sofria de amores por alguém?

No meu peito sempre tocam os sinos, tanta algazarra nos olhos do santo que ninguém… tem muito dinheiro para comprar aquilo que é caro mas é gostoso, um toque de paixão perfurando os obscuros canais do coração.


Quais são os teus futuros planos literários?
Daqui a vinte anos tirar da boca urgente o canto rápido, ziguezagueante, rouco, feito da impureza do minuto e de vozes em febre, que golpeiam… outro sorriso, outra palavra, que goteja a rosa do povo na esquina de um peito de artista.


Em jeito de considerações finais, que palavras tens para dizer ao nosso auditório ou a uma pessoa em especial na tua vida?
Sobre teu corpo, que há dez anos
se vem transfundindo em cravos
de rubra cor espanhola,
aqui estou para depositar
vergonha e lágrimas.


Vergonha de há tanto tempo
viveres — se morte é vida —
sob chão onde esporas tinem
e calcam a mais fina grama
e o pensamento mais fino
de amor, de justiça e paz.


Lágrimas de noturno orvalho,
não de mágoa desiludida,
lágrimas que tão só destilam
desejo e ânsia e certeza
de que o dia amanhecerá.


(Amanhecerá.)


Esse claro dia espanhol,
composto na treva de hoje,
sobre teu túmulo há de abrir-se,
mostrando gloriosamente
— ao canto multiplicado
de guitarra, gitano e galo —
que para sempre viverão
os poetas martirizados.


Assim foi a nossa conversa com Carlos Drummond de Andrade contista, cronista e poeta que marcou o Modernismo brasileiro do século XX. Deste modo, dêmos início a uma sequência de conversas que se desfiarão em algumas terras do continente latino nos dias que se seguem.


Entrevistado por:
Suíl Leumas


Bibliografia
ANDRADE, C., Antologia Poética, www.lelivros.site

Fernando Absalão Chaúque

Professor, escritor, poeta e blogueiro. Licenciado em Ensino da Lingua Inglesa. Autor de ''Âncora no ventre do tempo'' (2019) e co-autor de ''Barca Oblonga'' (2022).

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