À Mabanhane - Escrita. Lua.



À  Mabanhane - Escrita. Lua.
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E se me perguntasse porquê escrevo. Não encontrarei maior razão que esta: sou poeta. A minha existência tem como base escrever. Se não escrevo. Morro. Desfaleço. Como pétalas duma rosa amputada a sua raiz. Conheço as palavras. E sabes o quanto as odeio. Do jeito que as olho e as utilizo. Berro-as. E espalho-as nos meus momentos de dor e solidão. Tanta coisa para ser dita. Para ser escrita. Poderia ser o IDAI que estuprou Beira ou Chang que meteu o país no bolso. E eu, aqui, reconstruindo um passado escondido em cada sorriso meu. Em cada toque que dou as águas do mar. Em cada olhar que lanço nas ruas em que sorrias, esbelta, como se nunca morrêssemos. Cada instante era um momento breve e eterno. O sol. O corpo. O suor escorrendo no calor do abraço. Como rio roçando infinitamente as suas margens. Acreditei em nós, nessa poesia escrita por duas mãos. Por alguns instantes morri no frescor do mundo para que pudesses viver. Agora estou de luto de mim. A minha morte adiada é efectiva. Porque eras tu que me ressuscitavas depois de morrer. Renascia nas páginas do teu olhar veemente. E na polpa dos teus lábios. Escrever, me liberta. E me aprisiona ao mesmo tempo. Porque tenho que voltar a ler o que escrevi. Esse processo de leitura é o mais cruel. Sinto a minha alma se despedaçando. O meu coração recebendo uma facada. Como se alguma mão rígida apertasse-o com toda força e exprimisse todo sangue. Estou frágil. O pensamento que me aparece é da dor. Dor que escondo nessa dor de esconder a dor. Penso que pensas em mim. Lembras com dócil forma de lembrar a pessoa que te amou na escuridão do sol todas as alvoradas.



Desde de Bilene até Xai-Xai. Na estrada. Nos rios. No vento. No sonho. E até na ilusão. De beber o Tempo usando as mãos como fazem as crianças nas torneiras da FIPAG. Hoje, outro alguém escreve o meu livro. Às vezes, sorrio com as cartas que me manda nas madrugadas. E quando sorrio, é como se fosses tu a protagonista daquele sorriso. Lembro de ti e fecho a boca. Seus olhos são brancos. Ela nem faz ideia do quanto te amei. Do quanto te amo. E tu, sabes, como sou bom em esconder coisas. Faço com que ela seja feliz, como se ela fosse você. E continuo te amando nela. Beijo-te nela. Abraço-te nela. E se for para me casar, não será com ela, será contigo, mesmo sendo com ela ou contigo. Serás tu, recebendo o anel. Como se recebesses todo o meu amor resumido num só pedaço de ferro. E é nessa mesma ponte em que me condeno. Quando ela sorri és tu sorrindo. És tu dizendo que me ama. És tu. És tu me amando na poeira das palavras. Dum poeta carcomido.

Por algum tempo me concentrei no meu relacionamento com a lua, para me conformar com a cor da noite pingando todos os dias no meu quarto. E por algumas semanas consegui. E percebi a leveza de ter uma paixão nova. De amar? Amor não sei. Já não sei o que é amor. Se o que a gente jurava não era amor. Então o que é amor? Lembro-me, ter escrito um poema, em que definia amor como sendo os teus olhos, a tua boca, o teu toque, o teu silêncio. E falei no último verso, como se terminasse de incendiar o mundo, que amor, é Mabanhane. Não que eu tenha usado esse nome no poema, mas aqui escrevo isso, para que não coloque o teu nome lindo nesse texto feio. Que nunca será criticado nem lido. Que nunca será publicado por nenhum vento e sol. E as minhas saudades, tem nome e endereço. Sempre tiveram. Sempre foste tu, amor. Eu te espero. Como o mar espera a chuva. Como a chuva espera o evaporar do mar. Acredito que voltarás até quando não mais acreditar que voltarás. Acredito nesse amor intrínseco e magoado que se tornou fotografia do Rio Limpopo, onde os crocodilos se banham. Acredito no teu silêncio. Na distância. No olhar longínquo que sei que me dás quando tens oportunidade. Eu o faço também. Mas nós somos diferentes. Eu sou mais bruto. Quando amo, amo e quando não, não amo. E nunca saberei amar outra pessoa que não tenha esses olhos pequenos. Essa pele meio cansada. Briguenta. Ciumenta. Puta. Se for para ficar contigo. Posso até deixar de ser poeta. Nada me vale amar o mundo e não amar o amor que amo. Não sei para ti, mas aqui, é profunda noite, ainda. Não te iludas com as fotos em que apareço sorrindo. É tudo maquilhagem para alindar o bairro sujo em que vivo, porque os carros do Conselho Municipal não chegam para tirar o lixo. Alegam que têm muitas subidas no bairro. Tal como reclamavas antes de me amar.


É verdade. Nenhuma moeda do mundo paga a felicidade. E não é só a felicidade que está em jogo, é a vida. Para mim, a felicidade é passageira e ilusória. A vida é eterna, és tu. Poderia usar aquela filosofia que sabes, de dizer, que escrevo para te esquecer. Mas não dá. Não posso mentir. Não posso fingir. Nenhuma escrita poderia fazer com que te esqueça. Hoje, escrevo apenas para te amar no papel e na palavra…


Xai-Xai, 18 de Março de 2019
Otildo Justino Guido


Fernando Absalão Chaúque

Professor, escritor, poeta e blogueiro. Licenciado em Ensino da Lingua Inglesa. Autor de ''Âncora no ventre do tempo'' (2019) e co-autor de ''Barca Oblonga'' (2022).

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