Quando o motor do avião, com riscas da bandeira sul-africana na cauda, roncou anunciando a descida no aeroporto, os jornalistas armados de microfones agitaram-se como formigas atingidas por água quente na toca; os operadores de câmeras deslizaram os cabos, dos seus ombros, até aos microfones e os fotojornalistas posicionaram os dedos no botão do flash como autênticos militares enviados em uma missão de paz com a dobra dos indicadores colada aos gatilhos das AKM's.
Houve agitação no aeroporto. Um dinamarquês que tinha perdido a mala saltitava os cabos dos jornalistas como um artista de ballet e repetia "meu mala, meu mala, meu mala". E dois chineses puxando malas obesas de roupas, com dois zíper's de bocas abertas, fotografavam o aeroporto e metiam-se nos ouvidos espetadas de palavras em mandarim; tinham os olhos bem puxados e para fazer retratos nem sequer fechavam um dos olhos.
Vestido de fato preto, um casaco com a gola forrada por uma camisa branca e calças amarfanhadas nas nádegas de tanto sentar, surgiu Manuel do corredor internacional. Tinha duas alianças, em forma de algemas, nos pulsos como se tivesse feito África do Sul e Moçambique casarem. Dois, três, quatro polícias de casacos abertos, com comunicadores nas mãos e auriculares presos nas orelhas, faziam um arco em Manuel num passo que recorda os apóstolos de Cristo em suas pregações. Os directos dos jornalistas começaram, o microfone da TVM fazia um directo com muitas indirectas e Manuel continuava caminhando com o rosto estendido ao chão; um carro com homens mascarados e feios o esperava no exterior. Assim chegou Manuel; encontrou o país tal como o deixou: luxuoso de dívidas. E encontrou os mesmos jornalistas que mesmo tendo salários em atraso, não se atrasam a trazer novidades.
O dinamarquês já quase sem voz continuava a sua estúpida canção "meu mala, meu, meu mala, pôfavol" e as orelhas, as bochechas e o nariz estavam tão avermelhados como laranjas quimicamente produzidas na terra de onde vinha Manuel. Os chineses com olhos amarrados por um cinturão de sono já gotejavam seus rosto das janelas de um taxi que partia.
- Deves ter coragem, amor: estou grávida. Disse a Camila com uma lágrima fecundando-se no óvulo dos olhos. E estava grávida, mas não sabia de quem teria sido o esperma teimoso a anular todos seus truques de dribilar, a moda bicicleta, as gravidezes. Recordava-se que na terça-feira tinha aberto as pernas, na secretária da escola, ao professor de Química, pois não entendia sobre as reacções de dupla troca, na quarta-feira presenteiou o seu ex-namorado com uma noite de posições inéditas porque faziam 1 dia de separados, na sexta-feira enquanto lavava a criança mimada que cuida na baixa da cidade, o patrão, um despachante aduaneiro corrupto, encontrou-a na posição perfeita de afinar a pauta musical dos gemidos e enfio-a; enrolaram-se na cozinha sobre os azulejos frios, e no fim teve na mão um nota de mil meticais e o patrão teve a gentileza de limpá-la, com o avental dela, toda vomitaria que tinha deixado entre as suas pernas.
- Era bom que a sua patroa não soubesse disso, disse. E só no sábado que não tinha o que fazer foi meter-se com o namorado e hoje está grávida.
- Estou grávida. Estou grávida. Estou grávida. Repetiu já com a lágrima em processo de parto no rosto. Isaac era parvo, mas naquele instante preferiu aumentar o volume da TV e acompanhar o directo sobre a extra adição de Manuel. A jornalista anunciava a chegada de Manuel e lia o seu processo nas folhas que não parava de baralhar na sua mesa; lembrava o professor de geografia que distribuia os testes, um a um, e fazendo comentários longos.
- Ela tem um coágulo de sangue crescendo no seu ventre, um filho pode que me pode dar alegria: levá-lo ao parque, enchê-lo de alegria com balões, ouvir dele PAI e humedecê-lo com beijos... mas, um filho é uma merda: terei de aturar os seus mios de noite, correr atrás de curandeiros para tratar o assunto de nome que não aceita, balançá-lo em toda sala até o sono tapá-lo a boca e deitar-me em lençóis com cheiro do seu mijo. E o meu talento como rapper como ficará? Pensou Isaac enquanto acompanhava a extra adição de Manuel. Pensou em si, no seu país endividado... pensou no Manuel que voltava sem nenhum filho, sem nenhuma mulher dizendo-lhe que estava grávida.
Nas ruas da cidade de Maputo as marchas cresciam ocupando todos passeios como se tratasem de fluentes de um rio. "Manuel na cadeia" e "Todos que comeram na cadeia" gritavam em coro.
O Manuel foi evacuado do aeroporto para uma parte incerta, tal como aconteceu com os donativos às vítimas do ciclone Idai. E amanhã terá uma conversa com a PGR e depois avançará ao parlamento para ser recebido e ouvido pelos inquilinos da casa do povo.
Sérgio Raimundo - Militar
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