Entrevista a Alberto Caeiro (Uma pessoa do Pessoa) - Conversas D’Além Mundo


Entrevista a Alberto Caeiro (Uma pessoa do Pessoa) - Conversas D’Além Mundo


(…)
O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
(…) Para mim pensar nisso é fechar
Os olhos e não pensar… Porque a luz
Do sol vale mais que os pensamentos…

São pedaços de alguns versos que compõem o texto “Há Metafísica bastante em não pensar em nada”, do livro “O Guardador de Rebanhos” da pessoa do Pessoa, Alberto Caeiro, um campesino apaixonado pelo seu rebanho, e que encontra no cenário campesinal uma fontenária de inspiração para expelir o que lhe vem n’alma.
Neste espaço de conversa interativa, hoje recebemos o “Pastor Amoroso” ou simplesmente Alberto Caeiro, uma das pessoas do Pessoa.

Se considera uma extensão ou uma pessoa vivente no Fernando Pessoa?
Sei lá… como uma grande cabeça que diz que não, sou... não sei… para mim pensar nisso é fechar os olhos e não pensar.

Não está a se contradizer?
“Quem está ao sol e fecha os olhos, começa a não saber o que é o sol”, mas abre os olhos e vê o sol, e já não pode pensar em nada…

Quem é Alberto Caeiro?
Sou um guardador de rebanhos… memórias e saudades de cousas que nunca foram.

Quando é que começa o teu interesse pela literatura e em particular pela poesia?
Quando os relâmpagos sacudiam o ar e abanavam o espaço, sentia-me alguém que poderia julgar que o sol é Deus, e que a trovoada é uma quantidade de gente zangada por cima de nós... pensando em tudo isto, fiquei sombrio e adoecido e soturno como um dia em que todo o dia a trovoada ameaça e nem sequer de noite chega.

Quais são os temas que podemos encontrar nos teus texto?

O rebanho e os meus pensamentos… são do contrário do que eu sou.

Que pretensão tem com a sua escrita, despertar a consciência humana ou expressar os teus sentimentos ao mundo?
Escrevo como as flores têm cor mas com menos perfeição no meu modo de exprimir-me porque me falta a simplicidade divina de ser só o meu exterior… a minha poesia é natural como o levantar-se do vento... raras vezes sinto meu corpo deitado na realidade.

Disse que “o rebanho e meus pensamentos” são os temas dos teus textos, podemos considerá-los como sendo tua fonte de inspiração?
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias, ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho, escrevo versos num papel que está no meu pensamento.

Se considera poeta?
Ser poeta não é uma ambição minha, é a minha maneira de estar sozinho.

Se não fosse poeta, o que seria?
Uma fotografia a correr e a rolar-se pela erva e a arrancar flores para as deitar fora e a rir de modo a ouvir-se de longe como criança que só nascera da mãe, e nunca tivera pai para amar com respeito dos cães.

O amor paterno esteve ausente na tua vida?
“As pedras são engraçadas quando a gente as tem na mão e olha devagar para elas”… Amar é a eterna inocência, e a única inocência não pensar... pensar incomoda como andar à chuva quando o vento cresce e parece que chove mais.

Como foi a tua infância?
Um sonho como uma fotografia, um pedregulho enorme... "constituição íntima das cousas"... "sentido íntimo do universo", a minha vida é toda uma oração e uma missa, uma comunhão com tudo em desacordo com flores e árvores e pedras.

Uma comunhão com tudo em desacordo?
Eu não tinha que ter esperanças, a quem ninguém reza  sua frescura, as primeiras verdes palavras que ela tem, as primeiras cousas vivas e irisantes…


Posso considerar que teve uma infância triste e solitária?
Eu nem sempre quero ser feliz, é preciso ser de vez em quando infeliz para se poder ser natural... nem tudo é dias de sol, e a chuva, quando falta muito, pede-se. Por isso tomo a infelicidade com a felicidade naturalmente, como quem não estranha que haja montanhas e planícies e que haja rochedos e erva ... O que é preciso é ser-se natural e calmo na felicidade ou na infelicidade, assim é e assim seja!

Há quem diga que os poetas são entes solitários quando o assunto é o amor, como está a tua vida amorosa?
Como quem num dia de Verão abre a porta de casa e espreita para o calor dos campos com a cara toda, às vezes os meus sentidos dizem que as estrelas são as freiras eternas e as flores as penitentes convictas de um só dia, algumas mal se vêem no ar lúcido! Às vezes, em dias de luz perfeita e exata, em que as cousas têm toda a realidade que podem ter, pergunto a mim próprio devagar por que sequer atribuo eu beleza às cousas. Agora que sinto amor tenho interesse nos perfumes. Nunca antes me interessou que uma flor tivesse cheiro, agora sinto o perfume das flores como se visse uma coisa nova. Todos os dias agora acordo com alegria e pena. Antigamente acordava sem sensação nenhuma; acordava. Tenho alegria e pena porque perco o que sonho e posso estar na realidade onde está o que sonho.

O que gostaria de dizer a sua amada?
“Quando eu não te tinha
Amava a Natureza como um monge calmo a Cristo...
Agora amo a Natureza
Como um monge calmo à Virgem Maria,
Religiosamente, a meu modo, como dantes,
Mas de outra maneira mais comovida e próxima.
Vejo melhor os rios quando vou contigo
Pelos campos até à beira dos rios;
Sentado a teu lado reparando nas nuvens
Reparo nelas melhor...
Tu não me tiraste a Natureza...
Tu não me mudaste a Natureza...
Trouxeste-me a Natureza para ao pé de mim.
Por tu existires vejo-a melhor, mas a mesma,
Por tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais,
Por tu me escolheres para te ter e te amar,
Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente
Sobre todas as cousas.
Não me arrependo do que fui outrora
Porque ainda o sou.
Só me arrependo de outrora te não ter amado”.

É deste modo amoroso, que cortinamos a nossa conversa com o “Pastor Amoroso” ou simplesmente Alberto Caeiro uma pessoa dentro do Pessoa. “Se às vezes digo que as flores sorriem e se eu disser que os rios cantam, não é porque eu julgue que há sorrisos nas flores e cantos no correr dos rios... é porque assim faço mais sentir aos homens falsos a existência verdadeiramente real das flores e dos rios”.Alberto Caeiro


Entrevistado por: Síul Leumas


Bibliográfia
Fernando Absalão Chaúque

Professor, escritor, poeta e blogueiro. Licenciado em Ensino da Lingua Inglesa. Autor de ''Âncora no ventre do tempo'' (2019) e co-autor de ''Barca Oblonga'' (2022).

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