SONHOS TRUCIDADOS

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Diante do espelho contemplo a minha derrocada, sou um museu caindo em ruínas. O meu corpo cansado é o certificado do meu infortúnio. Os meus seios outrora excitados e pontiagudos, por ora fazem vénia a maldade dos homens e a impiedade do tempo.

Uma lágrima desfila pelo relevo rugoso do meu rosto, quando traz de volta as epopeias do passado. Na altura em que os mesmos seios foram chupetas de velhos safados, homens assanhados e rapazes tarados, sem nunca terem sido a fonte alimentícia dos frutos do meu ventre. Aliás, na única vez que senti em meu ventre uma vida bailar, foi logo depois que a minha madrasta flagrou-me a gemer de raiva nos braços do sacana do meu progenitor. Chorei. Orei. Abortei. Odiei a minha existência, mas ninguém ligava para a minha dor, desde que a minha mãe viajou linda e muda para o jardim do Além. Zanzei e todos os parentes e amigos zombavam da minha desgraça.

Cheguei a viver com uma prima generosa, mas o safado do meu cunhado assediava-me desavergonhadamente e em prol da família peguei a estrada.

A vida é-me cruel, até o meu sonho de parteira foi trucidado pelo comboio da vida. Tentando viver com dignidade fui doméstica. Também para quem não concluiu o nível elementar outro emprego não haveria. Todavia, a minha patroa olhava-me com desconfiança, aliás sempre constitui uma ameaça para as mulheres casadas. Que culpa tinha eu em ter nascido linda, pobre e gostosa? Fui vítima da minha própria beleza e ingenuidade.

Quando tudo e todos deram-me as costas, as ruas receberam-me de pernas escancaradas e braços abertos. Dei prazer a muitos sacanas e salvei muitos casamentos. Fui o equilíbrio emocional de alguns inseguros e o porto seguro de tantos tímidos, cornos e frustrados. Perdi a conta de matulões e frangotes que choraram em meu colo, desabafando suas mágoas e pacientemente escutei as suas lamúrias. Chorei pela dor alheia e até esquecia da minha desgraça. É triste a minha sina, enfim incansavelmente suporto a minha cruz. A sociedade transformou-me em seu saco de pancadas.i

Minyetani Khossa

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