Entrevista a Florbela Espanca - Conversas de Além-mundo


Entrevista a Florbela Espanca - Conversas Além-mundo
Florbela Espanca 

“Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida(…)
Que (…) tinha o rir das primaveras.”


São versos da primeira estrofe e um pedaço da segunda do poema “Lágrimas Ocultas”, extraído do “Livro de Mágoas” da Flor Bela Lobo, ou simplesmente Florbela Espanca como é conhecida no mundo literário.
Poetisa e escritora, Florbela Espanca nasceu em Portugal tendo se tornado a embachatriz da literatura feminina portuguesa da sua epóca (e não só). Canonizada “poetisa da solidão”, por causa do conteúdo que compõe seus poemas, Florbela tem/teve na sua escrita um refúgio para   libertar-se das “solidões” que aflige(ia)m su’alma. São extansão d’alma da “poetisa solitária” obras literárias como: Livro de Mágoas, Livro de Sóror Saudade, Charneca em Flor, As Máscaras do Destino, Diário do Último Ano, O Dominó Preto, entre outros.
Este foi o pequeno compêndio da nossa convidada neste espaço de conversa interactiva denominada Conversas d’Além-Mundo, Florbela Espanca, a poetisa da solidão.


“Poetisa da solidão”, acha que o pseudônimo ajusta-se a tua personalidade?
Vivo sozinha em meu castelo… e nunca em meu castelo entrou alguém! Ninguém vem...
Entendo! Quem é Florbela Espanca definida nas suas próprias palavras?
Sou a que no mundo anda perdida, a que na vida não tem norte (…) sombra de névoa ténue e esvaecida… o destino amargo, alma de luto sempre incompreendida! Sou aquela que passa e ninguém vê... sou a poetisa eleita (risos).


Falando em ser poetisa, quando é que descobre a veia literária?
Numa dor de revolta cheia de ira, dentro do peito brota a lúcida verdade, as lágrimas que choro, branca e calma, ninguém as vê dentro da alma, ninguém as vê cair dentro de mim… a conversar com os poetas mortos… contei-lhes os meus sonhos, e todos responderam-me: “nós também tivemos ilusões, como ninguém”, e desde então a minha dor é um convento ideal cheio de claustros, sombras, arcarias, aonde a pedra em convulsões sombrias tem linhas dum requinte escultural, aonde tudo é luz e graça e riso!


Podia nos explicar o sentido do verso “Ergo aos céus mudos meus braços e o céu é sempre azul e sempre mudo”, do  poema “Maior tortura” extraído do “Livro de Mágoas”?
Na vida, ando a chorar convulsa noite e dia... e não tenho uma sombra fugidia onde poise a cabeça, onde me deite! E nem flor de lilás tenho que enfeite a minha atroz e nunca, nunca mais eu me entendi... milagre... fantasia... ou, talvez, sina... oiço a noite imensa soluçar por que nunca sei quem sou, nem o que tenho e o pensamento sempre não se apaga no céu.


Penso que ser poetisa nunca foi o teu primeiro sonho ou desejo profissional, o que querias ser enquanto criança?
Queria ser o Sol, o irmão do Mar o bem do que é humilde e pobrezinho... queria ser a pedra no caminho que não sofre a tortura do pensar... queria ser o mar de altivo porte que ri e canta, a vastidão imensa! Eu queria ser a árvore tosca e densa que ri do mundo vão e até da morte!


Falando na morte, qual é o teu maior medo?
A velhice… aquela onde nem sequer existe lembrança de ter sido nova...


Conhece alguém que tenha passado esse trauma?
Meus lábios que sinto sempre a voltejar em mim! Não sabem o que sinto e o que sou... eu nem sei por onde ando e onde vou, e é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio, a mesma angústia funda, sem remédio, andando atrás de mim, sem me largar! É triste e dilacera o coração…


Como está a tua vida amorosa?
Dentro de mim e tudo quanto é meu é um triste poente de amargura.


Porquê?
A vastidão do Mar, trago-a dentro de mim num mar de mágoa! O meu destino disse-me a chorar: “Pela estrada da vida vai andando, e, aos que vires passar, interrogando acerca do amor, que hás de encontrar.” Fui pela estrada a rir e a cantar, fui sempre caminhando e perguntando... mesmo a um velho eu perguntei: “Velhinho, viste o amor acaso em teu caminho?” e o velho estremeceu... olhou... e riu...


Nenhum homem se interessa por si ou já não acreditas no amor?
É sempre um sonho bom, guardar… os beijos que sonhei pra minha boca mas o mar também chora de tristeza... como um crente cheio de mágoa ao fim de um dia que… tem lágrimas de sangue na agonia, até o amor nos mente tudo é vaidade neste mundo vão...


O que quer dizer que não acredita no amor?
O amor nos mente… beijos de amor que vão de boca em boca que nos deixam a alma como morta, é um tédio profundo de viver.
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Para além da literatura, o que mais ti fascina?
As contas do meu sonho desfilando... sempre a pensar na dor que não existe... a minha dor não cabe nos cem milhões de versos que eu fizera.


A dor é tua fonte de inspiração?
A minha dor não fala, anda sozinha... na alma da minha alma como bênção de sol que afaga lágrimas amargas.


Tem alguns projectos literários em andamento?
Não tenho um gesto, ou um olhar sequer... ando embriagada... entontecida... duns beijos que me deram noutra vida. (…) tenho frio que anda em mim, e que gelou o que de bom me deu Nosso Senhor! Sinto os passos da dor, e é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio, a mesma angústia funda, sem remédio, andando atrás de mim, sem me largar!... Não tenho no mundo olhos postos entre as altas espigas de oiro ardente.


Com que artista gostaria de fazer ou elaborar um projecto?
Com os poetas mortos… são frios como as espadas, e claros como os trágicos punhais, têm brilhos cortantes de metais e fulgores de lâminas geladas. Vejo neles imagens retratadas de abandonos cruéis e desleais, fantásticos desejos irreais, e todo o oiro e o sol das madrugadas. Deram as minhas mãos aroma aos nardos nas brumas dos atalhos por onde ando...... e foi de lá que eu trouxe esta ânsia estranha.


E se esses poetas mortos recusarem trabalhar contigo, têm outros artistas em mente?
Os pés brancos de Jesus que andam pisando as ruas da cidade, estendendo as asas brancas sobre as águas num beijo dolorido e vago... lembram-me o fumo leve dos meus sonhos deslizando lentos em lânguidos cansaços... numa tela da minha alma aonde estão os beijos que pensara vê-lo até à morte deslumbrar-me de luz o coração.


Gostaria de continuar com o diálogo, mas estamos a passos galopantes do término da nossa conversa, como forma de conclusão o que gostaria de dizer aos nossos fiéis leitores do blog.


"Refugia-te na arte, eleva-te num voo espiritual, esquece o teu amor, ri do teu mal, olhando-te a ti própria com desdém. Só é grande e perfeito o que nos vem do que em nós é Divino e imortal, busca em ti a verdade e em mais ninguém!"


Entrevistado por: Síul Leumas

Referências bibliográficas
ESPANCA, F., Livro de Mágoas, https://nead.unama.br
ESPANCA, F., Sonetos Completos, https://luso-livros.net
Fernando Absalão Chaúque

Professor, escritor, poeta e blogueiro. Licenciado em Ensino da Lingua Inglesa. Autor de ''Âncora no ventre do tempo'' (2019) e co-autor de ''Barca Oblonga'' (2022).

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