As Mentiras do nosso Tempo e o Caminho para o Nosso Futuro



As Mentiras do nosso Tempo e o Caminho para o Nosso Futuro
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Eu nasci pouco depois que o nosso país aprovou a nova constituição do sistema multipartidário. Meu tio diz que, quando nasci, minha família acreditava imensamente que o futuro seria melhor. Ele achava que minha geração era a mais sortuda da história de Moçambique. Sinceramente, suas ideias não eram equivocadas. Eu não fui colonizado como meu avô; nunca fui lutar como nossos heróis ou tive de fugir da guerra como o meu tio. No entanto, nos últimos anos, tenho vindo a me perguntar por que não sinto que a minha geração é a mais sortuda da nossa história?
Actualmente, consigo assumir sem reticências a resposta e a responsabilidade que acarreta: temos sido constantemente enganados pelos nossos políticos e, mais importante, perdemos a capacidade de agir de acordo com a nossa indignação. É uma resposta óbvia, no entanto, a juventude tem falhado em a levar seriamente (sim, focarei nos jovens!).
No início dos anos 2000, o discurso mais comum dos nossos líderes políticos era que a nação é pobre por causa da guerra civil. Para ser mais específico, toda a culpa era colocada na RENAMO, da mesma forma que as nações vencedoras culparam sempre os perdedores (a RENAMO tecnicamente não perdeu a guerra, mas perdeu nas eleições subsequentes). Como todos sabemos, as razões para as origens e a perpetuação das guerras nem sempre são simples.


As consequências da guerra foram de fato terríveis, ainda vividas na memória colectiva, incluindo nos meus familiares. Na altura, esta era uma desculpa aparentemente aceitável, até porque Moçambique era o queridinho da comunidade internacional e o crescimento do PIB estava imparável. Nossos políticos doutrinavam-nos para lembrarmos do período sombrio da guerra e contentarmo-nos com os ganhos marginais que estávamos a obter. Assim eu cresci, com um leve ressentimento contra a oposição e não ficaria surpreso em saber que muitas pessoas mais ou menos da minha idade sentiam o mesmo. Estávamos todos obcecados com o passado, acríticos ao presente, e ninguém lograva imaginar com profundidade o futuro. Depois foi eleito o Presidente Guebuza, o vendedor de patos e ilusões.
Provavelmente, a presidência de Guebuza foi o período mais conturbado do nosso país desde a guerra civil. Para ser justo, o período não começou tão sombrio. Ele prometeu melhorar as infra-estruturas, apoiar o empreendedorismo local, criar uma presidência inclusiva e, acima de tudo, erradicar a pobreza absoluta. Nos seus dois mandatos, ele falhou miseravelmente em cumprir a sua promessa principal: findar a pobreza absoluta. Desde então, Guebuza e os vermelhos começaram a culpar o povo. “Os moçambicanos são também afligidos pela pobreza espiritual”, asseverava o então presidente em 2010. No mesmo ano, Moçambique ficou em 165º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano, ou seja, Moçambique era o 5º país mais pobre do mundo. Se você assistiu a muitos noticiários da TV na época, poderá lembrar-se do quanto os nossos políticos tentaram colocar em causa a validade do relatório. E isso não foi o pior.


Gradualmente, criticar a presidência e o partido no poder tornou-se sinónimo de falta de patriotismo e servidão a interesses estrangeiros obscuros. Procuradores, comentaristas políticos e outras vozes críticas começaram a ser silenciadas por assassinatos, prisões ilegais e ameaças de morte. Obviamente, apenas os escritores escaparam porque quase ninguém lê. Enquanto isso, os jovens mais formados nunca foram aos protestos contra a subida do preço do pão e do petróleo. Talvez essa tenha sido a razão pela qual um dos ministros chamou aos grevistas de “vândalos e marginais”.
Os jovens começaram a se dividir em dois grupos: i) aqueles que aceitaram a propaganda do governo e se tornaram ferozes defensores do partido no poder; ii) aqueles que simplesmente abandonaram o interesse pela política e pararam de se importar. Eu estava no segundo grupo, mas todos perdemos independentemente do grupo de afiliação.
O Presidente Nyusi ascendeu ao poder, mas o status quo manteve-se. O partido no poder continua ganhando eleições com ou sem fraude e o governo está a se tornar cada vez mais autoritário.


Os jovens que se juntaram ao partido governante continuaram a receber camisetas, subsídios e lanches durante as campanhas eleitorais. Os de mais pujança tornaram-se vice-ministros. Eles propagaram a mensagem de que a incompetência recorrente do nosso governo é algo normal, afinal, de qualquer forma todos podem cometer erros. O erro de uns deve inocentar a todos. Tente ver um desses vídeos virais com o secretário-geral do partido no poder vergonhosamente tentando explicar a catástrofe das dívidas ocultas. No entanto, as mentiras já não são mais fáceis de digerir. Herdámos do Presidente Guebuza e do partido no poder uma dívida ilegal, não há comida nas nossas mesas, agora há até demasiados MyLoves que chapas, terroristas estão a invadir o norte do país, e a guerra com a RENAMO é, bom, complicada. A realidade é cristalina: o partido governante falhou com todos nós no passado e está a falhar connosco no presente, mas alguns ainda querem que eles nos guiem para o nosso futuro.


Muitos jovens seguiram por diferentes trilhos, mas com características em comum: evitar falar a verdade aos centros do poder e acentuada falta de fibra ou indignação. Temos títulos universitários sem valor na nossa economia fracassada, alguns têm empregos oferecidos por seus padrinhos, alguns são voluntários para as organizações da sociedade civil cujas causas não acreditam mas precisam de seus subsídios e outros desapareceram na ampla marginalização. O país está paralisado, mas alguns seguiram em frente. “Poderia ter sido pior”, diz o adágio popular.
A nossa geração pode não ser a mais sortuda como o meu tio já pensou. No entanto, não teremos futuro se o curso dos eventos continuar o mesmo. O partido no poder não é a solução mas a parte essencial do problema e sua remoção é um dever histórico de todo moçambicano, hoje ou amanhã. As soluções adequadas para os problemas mais prementes dos nossos tempos não residem exclusivamente no passado nem nalgum lugar no futuro. Presumivelmente, o passado será sempre pior comparado ao futuro. Mas é no presente que podemos começar a criar a diferença decisiva entre o passado e o futuro.
Os jovens não farão a diferença apenas assistindo a TV e depois reclamar nas redes sociais ou nas conversas privadas em bares. Não salvaremos o nosso futuro se os nossos guias forem só aqueles que lutaram pela independência ou seus sobrinhos. Acredito que a sociedade civil é indispensável para uma democracia vibrante, mas ela não será suficiente se os jovens estiverem buscando mudanças políticas direccionadas às suas necessidades mais urgentes, como boa educação, saúde, emprego e investimento no empreendedorismo juvenil sem restrições políticas.


Precisamos de ler a nossa história não apenas para enaltecer os nossos heróis e muito menos só para legitimar um partido que o tempo corrompeu, mas também para tomar lições sobre bravura e o poder da indignação. O Presidente Machel, Chissano e até o Presidente Guebuza eram jovens demais quando decidiram mudar o rumo da nação moçambicana. Nenhum deles tinha 40 anos quando abraçaram a causa do povo em 1962. O futuro de Moçambique pertence a todos moçambicanos (crianças, mulheres, jovens e adultos), não apenas àqueles que defendem o batuque e a maçaroca. A juventude precisa de igualmente assumir o poder político e instituir as suas próprias prioridades. Isso, no entanto, não é a panaceia para os nossos problemas, mas o começo de um futuro radiante e diferente.

Por Lino A. Guirrungo

Fernando Absalão Chaúque

Professor, escritor, poeta e blogueiro. Licenciado em Ensino da Lingua Inglesa. Autor de ''Âncora no ventre do tempo'' (2019) e co-autor de ''Barca Oblonga'' (2022).

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