Quanto tempo o tempo tem?

Quanto tempo o tempo tem?



Há temas que pelo grau de abstracção que nos possam levar a efectuar tornam-se difíceis de trazer à baila, geram pólvora na massa cinzenta, principalmente quando são temas que tocam no essencial, naquilo que somos (seres humanos), como por exemplo quando se fala do tempo.
Notemos que falar sobre o tempo é falar e não falar sobre nós e nossos-sentires. É falar sobre nós e os nossos-sentires pois que somos entes que o nosso processo de encubação cósmica encontra-se directamente vinculado à nossa consciência do tempo enquanto sujeitos. Isto é, existir neste sentido é perceber o tempo em que se nos encontramos e manifestar a consciência existencial do espírito daquele mesmo tempo. O tempo como recipiente e nós objectos jogados lá.

No entanto, falar do tempo pode também ser um não falar sobre nós, este pensar encontra-se sustentado na ideia de que independentemente de nos darmos a consciência de estar presos a um tempo enquanto sujeitos à seguir a subjectividade, como se nos acometesse a loucura e a mente passasse por um black out das experiências que nos fazem frutos de um tempo, o tempo continuaria a caminhar, continuaria a seguir o seu troço.

Até aqui eram palavras soltas, soltas no sentido de se não encontrarem metafisicamente coladas ao tema, mas por somente manter o cordão umbilical com o mesmo. Mas a questão de fundo aqui é esta: quanto tempo o tempo tem? Esse é o assunto que na verdade nesse tempo nos faz perder tempo. Afinal de contas essa questão que parece redundante ou sem sentido, o que busca no seu essencial?

Já digo, busca sobre o instrumento que se pode usar para medir o tempo, busca ao certo indagar sobre a dimensão quantitativa (cronologicamente) e qualitativa (a partir da sua oscilação das afeiçoes de sujeito para sujeito) do próprio tempo. Ou seja, qual o tempo que o tempo tem?

Com vista a encontrar uma saída da mosca nesta garrafa de vidro fechada, para saber-se quanto tempo o tempo tem é necessário que se comece dizendo que o tempo pode, como já acima disse, buscar-se ele a partir do seu aspecto quantitativo, isto é, da sua disposição ao poder ser medido a partir de temporizadores (cronómetros) que o Homem inventou para objectivamente se localizar dentro do próprio tempo. Nesta perspectiva quantitativa, sendo a primeira, o tempo pode ser medido a partir da sua objectividade conquistada de forma consensual, portanto enquanto quantificável pode-se dizer que o tempo tem uma eternidade de tempo, existe um instrumento para medi-lo, o relógio.

Ainda, este tempo é quantificável sob o ponto de vista de divisão em blocos de percepção, isto é, quando foi sentido ou vivido diz-se que é passado, quando é sentido diz-se que é presente, faz-se no agora, e quando é hipótese, um vir-a-ser, possibilidade não objectiva, diz-se que é futuro. Assim se triparte o tempo na categoria física de sua quantificação. Deste modo, o tempo tem uma eternidade de tempo e é de igual modo quantificado cronologicamente dentro de uma sociedade. Os Homens medem sua duração de igual modo. Assim, para todos que se encontram em Moçambique, por exemplo, são agora 19h. No temporizador de fulano e sicrano cinco minutos passam-se de igual modo, a não ser que o ponteiro de um dos relógios tenha disfunções e um destes sujeitos seja ludibriado pelo quantificador cronológico.

Este tempo quantificável, não se sabe quando começou a contar, no entanto, a busca da harmonia na dinâmica existencial fez com que os homens estipulassem uma hipotética temporização a fim de organizar suas actividades comuns. Este tempo quantificado existe no passar dos minutos, das horas, dos dias, dos anos, etc., e é eterno, entretanto nós é que não somos. O tempo passa de nós e ficamos em alguma de suas estacões. Nós somos finitos enquanto seres que experienciam a morte.
Enfim, aqui na quantificação do tempo a partir da objectividade de relógios e de tantos outros temporizadores, nós somos passivos, olhamos o tempo e não temos como fazê-lo parar. Não temos como cessar o seu curso na roda da vida, pois ele fundamenta-se na intersubjectividade, no consenso colectivo, para que exista. Até podemos pensar que estamos a cessar o tempo parando o nosso relógio, mas não cessará o curso do tempo em todos relógios de todos Homens. Sendo assim, o tempo que o tempo tem compreende-se como sendo eterno, que não será cessado pela pausa que podemos dar no nosso temporizador subjectivamente.

Entretanto, não é esse o tempo que busco aqui trazer nessa reflexão. Este tempo quantificável somente serve de caminho para o tempo que se busca aqui evidenciar.
A outra perspectiva de medir o tempo, saber quanto tempo o tempo tem, é a perspectiva qualitativa. Nesta segunda via, indagando-se sobre o tempo que o tempo tem, pode-se usar o aspecto qualificável para o medir. Neste caso, o tempo pode ser qualificado a partir da subjectividade, a partir de quem o sente, quem o pensa e o passa. Essa qualificação subjectiva é intransigente pois não se prende aos ditames do comum, dos temporizadores, mas sim a um sentir pessoal e oscilante no passar do tempo em nós.
Digo, é possível na qualificação do tempo seguir a subjectividade pois nalgum momento os mesmos 5 minutos que se parecem curtos no relógio da objectividade do tempo, no temporizador que todos seguimos e consensualmente adoptamos como o certo, podem ser longos e ou curtos até demais, depende da nossa disposição ou oscilação espírita enquanto sujeitos à sermos afectados pela lógica dos sentimentos que são um estado de tempo de nossa alma.

Isto significa que o tempo aqui nesta perspectiva é subjectivamente experienciado, temos a propriedade de dizer que este é um tempo presente, passado e se calhar o futuro, revelado sob o ponto de vista de déjà vu. No seu essencial, deste tempo detemos a propriedade perante ele, somos “donos” e medimo-lo a partir do oscilar dos nossos sentimentos, afeições e emoções, sendo altas (felicidade, alegria, etc.) e baixas (frustrações, melancolia, etc.).

Aqui, este tempo qualificável mede-se a partir da nossa dependência no oscilar da nossa alma. Há tempos em que cai chuva e sentimos a angústia molhar-nos, molha-nos até deixar aquela ideia de que jamais irá embora, ficamos apagadamente tomados deste mau sentir. Que é eterno naquele instante a se sentir. Faz-nos crer que a vida é aquele sentir, triste e monótono e lento no passar. Eis o tempo a fazer-se nesse instante, a ditar o tempo que ele tem.
Este tempo que parece lento é porque, possivelmente, encontramo-nos possessos de angústia, tristeza ou ânsia, etc. Essas afeições fazem-nos ter “certeza” de que breves momentos maus, quando se não arranja alternativas de sair deles, podem significar uma eterna frustração. E, portanto, o tempo é assim medido, a partir do experienciado.

Porém, em outros momentos, há raios de luz em pleno do nosso âmago, raiam risos, felicidades e alegrias que fazem-nos acreditar que aquele minuto se tornará eterno em nós, embora estas boas afeiçoes tenham durado somente uns míseros segundos. Eis o tempo qualificado a partir da subjectividade outra vez. Quem nunca sentiu que um minuto de júbilos e de gargalhadas por uma piada parece ter durado uma hora? Todos já passamos por isso!

Há busca do tempo que o tempo tem a partir de um qualificador de nossas afeições ou disposições oscilantes de ânimo (felicidade ou tristeza). É por isso que estágios de baixa animação parecem mais mortais, parece que tendem a desgastar a nossa vivacidade, por conseguinte pensamos que se parássemos aquele tempo, se curássemos a alma dessa doença, afastando-nos desse estágio o tempo seria muito bem passado, e assim qualificado longo ou curto.
Em suma, o que se diz um minuto pode ser uma eternidade quando estamos possessos de tédio ou ânsia de ter ou ver alguém e ao mesmo tempo, esse mesmo um minuto pode-se passar como um pestanejar quando estamos possessos de outras afectividades, como por exemplo, a felicidade ou graus mais elevados de euforia. O tempo que o tempo tem enfim, depende de nossas disposições de alma. Um minuto de alegria dependendo de cada sujeito se experimenta de forma oposta.

Cinco minutos de tristeza, ou de medo por exemplo, podem ser congelantes no sentido de se pensar ou sentir aqueles minutos que o tempo em nós tem. Pode ser eternizado o tempo subjectivo a partir das memórias também. O tempo deste tempo de oscilação de alma é qualificável a partir das oscilações dos eventos conforme os sentimos, porém este tempo é inquantificável objectivamente, restando a morte como consequência do seu desgaste. O tempo é, na verdade, um mistério do tempo.


Por Daúde Amade


Fernando Absalão Chaúque

Professor, escritor, poeta e blogueiro. Licenciado em Ensino da Lingua Inglesa. Autor de ''Âncora no ventre do tempo'' (2019) e co-autor de ''Barca Oblonga'' (2022).

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