“Na verdade eu vivo a arte, tenho dito que sou arte em pessoa, é isto que me torna mais forte e mais inovador em de todas as artes em que coloco a mão” – Eduardo Salmo (Poeta e Declamador)



Entrevista a Eduardo Salmo

Na sequência a uma serie de entrevistas biobibliográficas que habitualmente são feitas a fazedores de arte moçambicana para o Blogue - Tenacidade das Palavras -, hoje trazemos para uma conversa descontraída o multifacetado artista Eduardo Salmo. Iremos nesta viagem de letras embarcar numa barca que nos levará à margem da descoberta de quem é Eduardo e de que se faz a sua arte.

Com uma estrada já meio percorrida na poesia e na arte da declamação, Eduardo Salmo participou em 2012 no concurso de declamação de poesia Showesia, de iniciativa da poetisa e declamadora Tânia Tomé; é membro da Associação Moçambicana de Autores (SOMAS) desde 2012, com a qual registou a sua engavetada obra “O Falar da Minha Alma”; é membro da Associação Bela Arte; e tem seus trabalhos de declamação registados em televisões e rádios nacionais e seus textos pululam em blogues de literatura e nas redes sociais.

Um sujeito com uma humanidade aguçada e uma existência artística, Eduardo Salmo tem uma fala que nos conduz a quem de facto se acostumou a dar entrevistas e estar em cima de um palco. 

Essas eram apenas palavras introdutoras. Vamos a entrevista, leitor…


Afinal, quem é Eduardo Salmo dito por si mesmo?

Eduardo Salmo ou Maestro das Palavras que é o meu pseudónimo,é este pequeno menino que se diz grande… Sou poeta e declamador, e também faço parte da Associação Cultural Bela Arte desempenhando a função de secretário. Estou aqui para me exprimir e falar um pouco de mim e daquilo que é a arte vivida e sentida pelo Eduardo Salmo.

Eduardo, por que ser poeta?

Conforme se costuma dizer: “poesia é vida”, então não faria sentido viver sem poesia. Na verdade nós costumamos olhar o universo e vemos o jogo de palavras se formar, tornando isto poético torna-se algo que nos leva acima, à meditação. Poesia é isto, poesia é liberdade, é viagem, poesia é um encontro consigo mesmo com relação ao ambiente. 

Quando entra neste mundo? 

Entro neste mundo não tão miúdo. Foi aquando de eu estudar numa escola bem distante de casa. E de tanto sofrimento que passava na caminhada para a escola, alguém me convidara para converter aquele sentimento em palavras. Então houve aquele exercício de fazer o diário de Eduardo Salmo e então começou assim o meu namoro ou a minha viagem no mundo da literatura. Dali fui desenvolvendo, fui tendo pequenas bases sobre a literatura, sobre a escrita, sobre aquilo que era a essência da própria palavra. Fui-me embebendo com a poesia e vi que tinha esta veia poética dentro de mim, então fui desenvolvendo e hoje sou o que sou e vou aprendendo cada vez mais e me firmar mais no mundo da literatura, sobretudo na poesia. 

Já tem uma obra lançada?

Não, não tenho obra lançada referindo-se a livro, mas tenho um conjunto de poemas que se encontram engavetados e que compõem uma obra. Esta mesma obra engavetada foi a que foi transformada em um CD, um álbum. Esta obra tem o título “O Falar da Minha Alma”, fui com o tempo vendo que detinha uma veia para declamação e preferi converter estes textos em algo audível, em que as pessoas pudessem carregar a poesia para qualquer lugar. Porque hoje carecemos mesmo de jovens que se envolvem de forma directa com a leitura, vi que este era um dos mecanismos a usar, gravando um Disco, pois pode expandir-se a poesia pelos WhatsApp, nos Chapas,... Então vi essa técnica, vi a possibilidade de trazer a poesia acompanhada de melodias e ritmos tradicionais, foi aí que conheci-me com o jovem Peter Chambal, que é músico e guitarrista e então juntos trouxemos à tona o álbum Terapia de Poesia Espiritual, lançado em 2017. 


Pode falar um pouco do álbum?

Embora o álbum seja cognominadoTerapia de Poesia Espiritual, na verdade seu título é XITIMELA. Xitimela – referindo-se ao comboio – é um veículo, um transporte pelo qual usamos em busca de algo, neste sentido aquele que não conseguir apanhar o Xitimela morre a fome. A significância deste transporte remonta aos tempos remotos, em que nossos pais usavam para ir a terra do Rand, a qual era vista como a terra do ouro na altura, na busca da alegria e progresso familiar. O álbum XITIMELA é composto por dez (10) faixas, que chamamos de carruagens, que cada uma simboliza a viagem ao íntimo de quem as ouve. 

Qual a orientação poética de Eduardo Salmo, o que lhe move para que escreva?

(Risos) tenho em mim uma veia lírica, porque narro aquilo que vivo a cada dia. Costuma-se dizer que nós somos o espelho da sociedade pois relatamos o que vemos dia após dia. Isto comigo não é diferente, tenho comigo a veia lírica, de trazer o quotidiano, trazer aquilo que vejo e aquilo que eu sinto. Acima de tudo, busco este EU, este sujeito que vai viajando pelo universo, vai viajando pelas letras, vai viajando pelo horizonte daquilo que eu vejo a cada dia que passa.


Aonde é que busca suas referências?

Na verdade fui bebendo em doses exageradas de um rapper, que considero também poeta que é o Mano Azagaia, do rapper Flash, também da mamã Paulina Chiziane, sem deixar de lado José Craveirinha que quando quis ter o meu ABC na escrita ia sempre espreitar nos seus poemas. Então [essas] são pessoas que quando olho nos seus trabalhos me identifico, sinto-me lá. É por aí que fui vendo e me vinculando aos seus trabalhos. Mas hoje em dia carrego também comigo esta liberdade de, por mim, ver o mundo e interpretá-lo de várias formas. Por isso hoje tenho a graça de trazer nos meus versos as mundivivências que o povo carrega.


Porque a dimensão poética daquilo que é a leitura do mundo requer que sejamos analistas, o fazer poesia é um exercício de análise daquilo que é o mundo perante o que somos. Então, com que olhos vê a literatura moçambicana? 

Olha, dentro da literatura moçambicana até alguns tempos havia um ninho, um ninho no qual só viviam lá escritores que tinham obras no mercado, ora quebrou-se este dilema, hoje em dia temos poetas emergentes, com vontade de escrever e publicar. Isto é bom, mostra um avanço a nível da literatura moçambicana pois ela já tem um seio no qual os jovens se abrigam. Hoje existem vários eventos literários levados a cabo por jovens, Saraus que podemos ir, que inspiram a possibilidade de se levar poesia em festas, em bailados, então isto já nos leva a acreditar que a poesia está a ter um espaço, está a crescer. Mas deixa-me frisar que agora o que importa é a qualidade de escrita. 

Que quer dizer com “qualidade de escrita’’?

Refiro-me ao afinco à leitura, porque, na verdade, se quer ser um bom poeta tem que ler muito, tem que investigar muito. Se quer ser um bom declamador tem que ouvir muito, tem que escutar muito, tem que ter um envolvimento directo com a poesia. Somente isto pode fazer com que tenhamos poetas de qualidade, declamadores de qualidade, porque aí automaticamente não vamos só escrever. Se tem dito que não é de um português caro que se faz uma poesia. Não posso vir a escrever em um galego-português porque vai ser poesia. Tenho de procurar a essência daquilo que escrevo. O que quero dizer é, não pôr as pessoas na superfície, é pôr a própria mensagem, o fundamento do próprio poema, o que se fala. Só desta forma podemos ter poemas que vivem e não poemas que morrem. Se escrevo um poema que dentro de dois meses já perdeu aquela qualidade, então tenho que olhar para esses aspectos para escrever um poema com alma, diz-se poema com alma àquele que podem passar vinte anos e olho para o meu poema e digo: Uau! Viajei, não estava entre nós.

A sua referência ao “poema que vive ou poema que morre” é uma ode a ideia de que um poema tem tempo? Para si esse tempo é determinado ou ele é eterno? Um poema vive um sempre?

Para mim, um poema bem escrito ele é eterno. Na verdade isto é um processo no qual, conforme a fenomenologia do conhecimento diz, em que o sujeito sai de si, vai ao encontro do objecto, apreende-o e volta a si mesmo. Esse exercício existe também na própria criação literária, o poeta tem que sair de si, ir ao encontro da própria poesia, que deixa aquele Eduardo que a gente conhece dia após dia, fala aquele EU aquele sujeito poeta, aquele Eduardo poeta e retorna de tal forma que, quando escrevemos palavras mesmo acima de nós uma inquietação nos apossa e nos indagamos. Uau! Isto tudo foi escrito por mim?! Uau! Que belo! Então é aí onde ocorre a transgressão e o poeta quando volta a si, encontra essa mensagem do poema que vai ser eterna.


É uma artista multifacetado. Tem sua mão em um pouco de muitas áreas. Além de poeta e declamador, que mais arte se acresce em suas habilidades?

(Risos longos) é difícil falar de mim, cada dia vou-me auto-descobrindo como artista. Tenho de facto uma veia enorme como artista, o que digo “Graças a Deus!”é um dom mesmo nato. Tenho feito, além da poesia, a ornamentação, decoração de festas infantis, tenho uma microempresa de ornamentação. Lancei recentemente uma marca minha de calçado à base de madeira, ao qual dei o nome de Sola Seca, esse calcado tenho feito para o músico Grande Homem, bem como para o meu visual próprio como Maestro das Palavras. Tirando essas áreas tenho feito pinturas corporais, essa viagem também veio-me de forma repentina, não sei explicar…peguei no pincel e no meu sobrinho e comecei a pintar. Tenho feito também composições para músicos de renome, tenho estado actualmente num projecto com Paulina Chiziane, no qual estou a coordenar a produção e participar com uma faixa “Olha para ti África”, tema este extraído da última obra da escritora “O canto dos escravos”. Na verdade eu vivo a arte, tenho dito que sou arte em pessoa, é isto que me torna mais forte e mais inovador acima de todas as artes em que coloco a mão. 

Quais são os próximos projectos?

Atentem-se os que me acompanham que dentro em breve irei publicar o meu EP, que terá quatro (4) faixas e se denominará “Mbilo ya ku handzuka” (Coração Rasgado, traduzindo livremente). Embora me focalizarei no áudio, trarei neste CD uma brochura dos poemas que serão apresentados de forma cantada, de forma narrada e serão anexos ao conjunto da própria EP. A vertente física, os poemas em papel, virão juntos com o CD. Esta inovação deve-se a crítica que me fora formulada pelo facto de não ter incluído no XITIMELA, um conjunto dos textos ali e não tendo uma obra para porventura quem quisesse ler o fizesse. Mas isto não me impede de trazer um livro, está dentro dos meus planos, em breve. Em Março aguardem pelo álbum da Paulina Chiziane.

Para os que não conhecem os seus trabalhos na área da literatura, aonde podem encontrar seus escritos ou os áudios das declamações?

Tenho trabalhos publicados em blogues, em jornais nacionais. De facto ainda é um desafio ter uma obra publicada em Moçambique, mas porque o que está a dar são os WhatsApps que são um veículo de transmissão rápida de informação.

Estas inovações de declamações com fundos de ritmos e melodias tradicionais de onde as busca?

Certo. Na verdade temos de quebrar maneiras, visões de fazer arte. O artista não pode ser quadrado. Um artista não pode ser um só artista, o artista é um ser imprescindível. É neste sentido que pretendo empreender mais dinâmica, vestir a poesia de nova roupagem, e é isso que procuro fazer dia após dia. 
Uma frase que diz, um adágio que identifica aquilo que somos.
Parta mim as palavras de ordem são: Foco, força e fé. Haja dedicação e agir. Embora haja acidentes, estes existem e devemos nos fazer passar por eles.

Em fim, em jeito de encerramento desta entrevista, podemos ouvir alguma declamação?

(Sem um sim ou não à nossa questão, Eduardo foi mesmo declamando)

(cantando)
Matihlo yanga ma xuzile (Meus olhos fartaram-se)
A Moya wanga u xuzile (Meu espírito fartou-se)
Loko a luandle li hlanpsi a usiwana (quando o mar lavou a pobreza)
Loko a luandle likampfuli a usiwana (quando o mar cuspiu a pobreza).

(declamando)
Oh, minha menina
Amei-te na crueldade da garganta
Sorri em forma de tempestade.

Meu coração menor de ervilha
Apertado no calaço da latinha 

Precipitei-me menina,
sonhava em andar ao laréu
e a deslizar pelas montanhas do seu corpo

Meu olho museu 
embrulhava as tuas lindas ondas, 
beijoqueiras

Versos no inverno
Quase no berço da morte,
A morte tão conveniente que a conheces,
Onde foi baleado o amor no beco da saudade

Na soleira da porta
Grelhava a dor no carvão do amor

A dor é um rasto vestido de reticências.

O teu beijo menina, o teu beijo menina, 
rasga o colchão da minha alma.

Eduardo Salmo, O Maestro das Palavras

Entrevistado por Daúde Amade,
15/01/2019

2 Comentários

  1. Muita força Maestro, esta num bom caminho, espero mesmo que seja uma referência porque as suas obras recomendam-se a qualquer ouvido de bom gosto

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