Numa localidade perto do nada, nas terras longínquas de Nadalende, contam os viajantes que por lá passavam que havia uma galinha que ao despontar do dia punha-se a falar com os residentes daquele vilarejo. O vilarejo era tão meticuloso que todos os que quisessem chegar à terra prometida não se tiravam a oportunidade de passar por lá.
Ao certo, passavam por lá a caminho de Lunguenha, esta era a metrópole de quem procurava progresso e sucesso fugindo do fracasso. Mas, por que as pessoas que desejavam o progresso passavam de Nadalende? Haviam outros caminhos para se chegar à Lunguenha, mas preferira-se sempre passar por Nadalende porque a terra havia-se tornado mítica por conta dos falares dos viajantes que por lá já haviam passado.
Não é porque a terra era mítica em si, mas o protagonista desse facto meio que descrível era uma galinha. E sempre que os viajantes passassem por lá à terra do progresso, Lunguenha, desejavam antever o seu futuro, e a galinha era como daqueles deuses que deixava o futuro às claras.
Manguayane, jovem estrondoso e com uma clareza como a noite. Coberto de maldade e sem piedade, distratava seus próximos, por isso, por ele só jorravam lágrimas, lamentações e raiva quando se lhe via. Manguayane era daqueles jovens com a mão leve, que quando estivesse a solta um cabrito, distante da manada, o subtraia quase que magicamente. A aldeia já se encontrava quase às moscas de bens de prestígio pois Manguayane havia demonstrado aos seus co-habitantes que fizera com sucesso o curso de cleptologia nos nove meses que estivera no mundo interno de sua mãe.
Esses e mais outros problemas como os de bofetear os outros quando bebesse, fizeram com que até a ele a má fama cansasse. Mas essa má fama não lhe cansava mais do que já cansava os demais e principalmente o Chefe da aldeia, Makuakua, que sempre o ameaçara de expulsão e rogava que se ele não parasse de apoquentar as suas gentes os seus filhos teriam alguma deficiência ou seriam mal agourados pelo resto da vida, actos que eram protagonizados pelos espíritos para punir os malfeitores da aldeia.
- Já ninguém me quer aqui - falava Manguayane a mãe e acrescentava de seguida - mas vão sentir saudades de mim aqui. Estou falar de verdade mamã.
- Mas eles têm razão filho, há muito carregam-te como mala mesmo eles não sendo os culpados pelos teus actos - reagia a mãe e acrescentava de seguida - culpados somos nós que não conseguimos amputar essa veia que herdaste. Você é cópia original dele, sem pôr nem tirar, dentro e fora você é teu falecido tio.
- Está ver, sempre a me criticar, até você, mãe. Mas não sou eu, eu não sou culpado, as coisas caíram em mim. É culpa desse nome que vocês me deram.
Assim colocava-se Manguayane perante a mãe e ela não o massajava para que se sentisse confortável perante seus actos. Sempre mostrou que reprovara seus actos e que dos seus 12 filhos somente ele, o terceiro, havia ganho o hábito do uso da subtracção em tudo e de todos.
Disposto a sair de N'capete às terras do progresso, à procura de sucesso e quem sabe livrar-se dos velhos e conhecidos hábitos em N'capete, Manguayane arrumou as suas trouxas, carregou uma garrafa de água e, por fim, pôs as suas botas gastas, as que faziam com que mesmo que penetrasse em um quintal não se descobrisse as pegadas, calçou-as e deu beijinhos na mãe.
- Adeus, mamã. Estou a partir, preciso nascer de novo, preciso de livrar-me da morte de quem não sou, preciso vestir-me de mim mesmo para a existência, chega-me a carapuça do tio.
A mãe abraçou o filho para o quem sabe seja o último abraço. Compenetrando até nos olhos dela a saudade do que ainda não partiu, com o coração fragmentado em ver um dos seus pedaços virar as costas ao seu tecto, a mãe desatou em prantos os seguintes verbos:
- Adeus meu filho, que o teu tio, o teu protector, e os teus antepassados te sejam a porta de passagem para a mudança. Muita coisa boa em Lunguenha te espera, filho.
Deste modo partiu Manguayane, e como era de habitual e previsível, fez como os demais viajantes de N'capete fazem. Manguayane passou de Nadalende para que espreitasse sobre as janelas do tempo o seu futuro promissor em Lunguenha. Chegou a Nadalende no repousar da clareza, quando já se convidava ao palco do mundo a lua para seu desfile efémero.
Manguayane quando chegou a Nadalende, uma cidade cheia de estátuas e plantas que nos seus odores transborda a paz, fora recebido na casa do ancião, somente o ancião se havia dado a permissão de receber os visitantes que dali passavam. Era, também, o ancião quem habitava com a galinha faladora, eles eram companheiros e auxiliares nas actividades de futurologia. Ao mais preciso, deva-se dizer que o ancião era quem servia de auxiliar da galinha. Era o iniciático, ou seja, o receptor para os processos de ver o futuro e narrar. Na aldeia, o ancião era quem iniciava o diálogo com os que de lá passavam e, no fim, para a busca das verdades primeiras e últimas da vida de quem se fazia lá somente a galinha intervinha.
O ancião ao receber Manguayane alojou-o em uma das cubatas meramente destinadas aos transeuntes, que não era raro passarem dali. Manguayane dormiu matutando a cordialidade e respeito que aquela terra carrega. Não era comum se deixar um estranho nos quadrantes de casa e ainda dar-lhe uma refeição. Manguayane viu nada de interessante na cubata em que se fazia repousar, por isso não subtraiu nada e a mão leve endurecera até que nada do que não era seu pegasse.
O sol ainda a fugir para as alturas, era neste mesmo momento em que a galinha se punha a falar:
- Temos novo visitante na casa - falou a galinha num tom mais humano e menos animalesco.
Manguayane se assustara pelo anúncio, não era de esperar que uma voz logo pelas 4 horas da manhã anunciasse isso. E a galinha sem mesmo que os ecos de sua fala cessassem acrescentou:
- A aldeia carrega novas poeiras, o visitante vem de N'capete.
Neste momento Manguayane saiu da sua cubata para ver quem publicitava a sua passagem daquelas terras. Atónito, ainda que embriagado de sono, se negava acreditar que uma galinha fosse a protagonista do anúncio de sua presença. Esfregava os olhos na tentativa de agradar-se de que as vozes e a imagem que via eram criação de sua mente. Mas, mesmo assim, porque era verdade que a galinha estava ali e a falar, esta não se fez sumir de sua frente, permaneceu ali e anunciou uma saudação ao visitante.
- Bom dia Manguayane, que o meu falar não tenha sido o motivo do teu despertar.
Manguayane nada disse. Da porta da cubata que lhe alojou, correu em direcção a um pote gigante de água que se encontrava encostado a árvore de embondeiro no quintal. Cartou com a mão a água do pote e lavou-se a face e ficou parado debaixo ao embondeiro. Não se foram 5 minutos e o dono da casa, o ancião, já saia de sua cubata com uma cobra no pescoço feito colar, coberto de uma pele de tigre e com os pés descalços.
A maneira como o ancião se encontrava vestido propunha ao entendimento de que não estivesse a dormir ou então se tenha levantado antes mesmo que a galinha se pusesse a apresentar a vinda de Manguayane ali. O ancião saiu com intenção de convidar Manguayane para apresentar-se a palhota, o portal que possibilita com que se vá de encontro ao futuro. Deu somente três passos em direcção a Manguayane e chamou-o ao seu encontro.
- Tana Haleno M'fana (Vem cá rapaz) – saíram-lhe estas palavras num tom imperativo.
Manguayane continuou parado ali no embondeiro por alguns segundos como se aquela voz não tivesse sido direccionada a ele. As vestes do ancião assustavam Manguayane, mostrava-se com um semblante de medo pelo momento que iria advir. Já se lhe tinha alertado que bastava o ancião sair vestido à pele de tigre e adornado com uma cobra ao pescoço, que era já iniciado o momento do ritual futurístico.
De facto, era já iniciado o momento de se colocar em aberto as páginas do futuro de Manguayane. E vendo que este ainda se fazia temerário em aproximar, o ancião foi mais directo na sua verborreia:
- É chegada a hora meu jovem, é chegada a hora de saber se o teu futuro em Lunguenha será uma mais-valia ou então terás de regressar à tua terra. Venha a mim pois tens fome de alimentar-te do teu futuro.
O silêncio fez-se palavras e Manguayane pronunciou. Acenou o sinal de aceitação somente abanando a cabeça e levando seus pés em direcção ao ancião. Enquanto seguiam juntos até a palhota, a galinha também fazia-se entrar num outro compartimento do lar do ancião.
- Deve estar a ir preparar-se para o momento de sua entrada – pensou Manguayane.
Ainda preso à angústia dos minutos que não traziam até ele a galinha previdente, Manguayane se colocava em silêncio e a contemplar os objectos rústicos de adorno daquele compartimento. Olhava para aqueles morcegos esqueléticos, as carcaças de tartaruga e àquelas ostras marinhas ali pendurados, com espanto e temor. Foram-se 20 minutos que, entretanto, para Manguayane confundiam-se com a eternidade pois o medo de o que ouviria deixava-lhe mais tenso e com um tédio tira-sossego.
O ancião embora estivesse ali com Manguayane, fazia-se tomar por um silêncio tumular, nem sequer uma palavra pronunciou desde que convidou Manguayane a fazer-se àquele compartimento futurístico.
A entrada esperada da galinha à palhota ocorre de forma inesperada para Manguayane, isto porque as suas forças de espera já se haviam desgastado. Entretanto, porque desesperado, Manguayane recompôs a vontade de ouvir a galinha assim que esta, segurando uma espécie de varinha mágica e um papel, fez-se palhota adentro e pronunciou o seguinte:
- Em minhas mãos está o mapa que tem de tudo que no futuro te espera. Embora os deuses me tenham dito que foste abençoado pela mão leve, que de onde vens eras nada mais que uma pedra no caminho de todos, as previsões de teu futuro em Lunguenha são promissoras.
Essas palavras soaram assustadoras e entusiasmantes. Assustadoras pois que Manguayane não sabia que os deuses lhe andavam a espreitar o passado e entusiasmantes pois lhe pressagiavam um futuras às glórias. Mas ainda haviam incógnitas nesses dizeres bifurcados da galinha, por isso Manguayane não estava plenamente satisfeito. Precisava de ouvir como, ao certo, tinha de prosseguir rumo a terra prometida e o que de facto teria de fazer ao chegar lá. Isto era de facto o que lhe interessava ouvir.
A galinha agitando aquela varinha mágica e mexendo naquele Atlas do progresso de Manguayane em Lunguenha, pronunciou-se:
- Sabe-se que para se atingir um objectivo há sempre trilhas, espinhos e gente, às vezes até seres meta-naturais, por se enfrentar. Estás disposto, meu jovem, a prosseguir adiante? Será que terias coragem de diante de maus bocados jamais pensar em recuar o pé? A galinha acrescentou ainda - estarias disposto a envidar todo o teu esforço em nome do progresso em Lunguenha?
- Sim, sim estou disposto a tudo que disse. – Ripostou Manguayane de forma vivaz, breve e cirúrgica.
Embora com essas palavras energizadas de vivacidade, Manguayane não sabia que para atingir o progresso teria necessariamente de passar pela obediência à duas regras. A primeira regra consistia em voltar-se ao seu passado, desculpar-se dos que antes magoou, e a segunda estabelecia que só depois de cumprida a primeira regra, Manguayane devia partir para Lunguenha e, assim, tudo que lá fizer seria uma bênção, glória e sucesso. Somente essas duas regras constituam o futuro de um Homem de sucessos em Lunguenha.
Essas regras eram já em si um dilema serem cumpridas na íntegra por Manguayane, mas a galinha acarretou ainda o desafio ao acrescentar:
- Até que não precisas seguir como lhe digo a primeira regra. Para te simplificar, aqui neste papel lê-se que, “no lugar de procurar toda a gente que magoaste, podes somente procurar a terceira pessoa das que já foram vítimas dos seus roubos”. Assim fica-te fácil resolver isso ao invés de correr atrás de um número infindo de pessoas. – encerrou a leitura.
Mas porquê só a terceira pessoa? – retorquiu Manguayane de seguida.
Terceira pessoa porque tu és o terceiro filho. O número três é a composição da Santíssima Trindade, por isso a terceira pessoa das que já foram vítimas de ti compõe o número da glória, bênção e sucesso em Lunguanha para ti. Já compreendes o porquê da terceira pessoa? – indagou a galinha.
- Sim, já compreendi.
- Então, disposto a seguir em frente?
Manguayane não sabia se desistia ou se metia nesta batalha já perdida. Ele sabia que jamais saberia quem foi o Terceiro Elemento. Mas, mesmo assim, diante deste quebra-cabeças insolúvel, desafiou-se a abraçar a busca do Terceiro Elemento, chave imprescindível à abertura do portal do progresso em Lunguenha.
- Sim, disposto a ir atrás.
Finda a previsão futurística, Manguayane não podia prosseguir em direcção a Lunguenha, tinha de regressar a N’capete na busca do Terceiro Elemento. Mas em momento algum lhe passou pela mente desobedecer os dizeres da galinha, ela era de facto uma divindade meticulosamente respeitada. Por isso, Manguayane arrumou as suas trouxas e fez-se regressar a casa. Contou aos familiares o que lhe havia sido dito, colheu opiniões no sentido de saber se algum dos seus familiares ainda se lembrava do Terceiro Elemento.
A mãe que sempre foi quem resolvia os sarilhos com que o filho se metia não conseguia lembrar-se. Tentou invocar à consciência os primeiros casos em que ele interveio, mas a mente se negava de desbloquear. Manguayane já se via de facto num caso sem solução, e o desconforto lhe confortava como que fosse o último leito sobre o qual tem a possibilidade de se deitar. Nada mais lhe restava que se render aos fados que o destino ou sei lá que lhe pregou.
Sempre se lamentava - Eu sou um fracassado mãe, jamais iria vencer na vida.
- Não meu filho, talvez haja outra saída para isso. Não há quem tenha nascido para perder. Todos lutamos, perdemos e também logramos de algumas vitórias nesta vida. Ninguém, ninguém mesmo nasceu para sofrer.
- Mas a galinha disse-me que somente encontrando a terceira pessoa… eu teria resolvido o problema e, caso contrário, nada seria feito.
Manguayane levava os dias entediado e com esperanças mortas, nada nem ninguém podia convencer-lhe que o futuro ainda lhe traria bons bocados de progresso. Em fim, foi deste modo que não se cumpriram os presságios da galinha previdente.
Por Daúde Amade