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Para cada arquitecto do verso, o poeta, há sempre
uma matéria, há sempre um alimento para a sua escrita. Para, por exemplo,
poetas como José Craveirinha, Noémia de Sousa, a matéria de seus escritos
brotava da negação de uma condição de opressão ante o regime colonial; para Fernando
Pessoa, Edgar Allan Poe e Charles Baudelaire, a matéria para a sua escrita é
recolhida de uma época histórica – a modernidade – que, para eles, encontrava-se
impregnada de uma metafísica do esquecimento do eu, ocorrendo, por isso, o
tédio. E, por conta deste obscurecimento do eu que gera tédio e desassossego,
esse spleen foi o motor sobre o qual
se moveu a sua radiografia de uma época adoecida. Nesta senda de ideias, Rodolf
Pondja é movido pela solidão que coloniza o seu eu e o faz com que se converta
em um pensador que, na poética, vê a possibilidade de tingir as páginas para
que não sinta essa solidão sozinho. Vejamos, a seguir, como Rodolf Pondja
transforma a solidão, esse isolamento e o retiro do eu em si e para si mesmo,
como veículo de escrita poética. – Daúde
Amade
1.
a canção que toca
a canção que toca
nos meus poemas
a âncora
que a solidão atira
abaixo do mar
deu origem a
uma ferrugem
na alma
no mais fundo degrau
do sentimento.
2. entre interstícios
entre interstícios
de um olhar acirrado
com a exterioridade
da solidão
entre a agulha
que atravessa o cú
da vela sem condão
entre o casmurro
olhar diagonal
o respirar do
coração
entre eu e mim
vejo o mim
sendo deixado
sem reputação.
3.
cheguei antes do silêncio acabar
cheguei antes do silêncio
acabar
e uma vida acabou-se num sopro
………………………………….
dele manifestara-se uma voz lambida
e a memória arrastou todo o futuro
que se fazia.
4.
o sonho de um futuro melhor
o sonho de um futuro melhor
faz-se olhando para um mapa
erguendo a alma para cada região
que minimiza uma distopia
se não se pode pisar num sonho
por quem o realiza em mente
não se pode ver Deus como
Deus da terra.
5.
as estrelas choramingam
as estrelas choramingam
suas lágrimas racham-se
ao alcançar o horizonte do mar
as línguas do mar, trepidantes,
infestam-se de agonias
manifestam suas emoções
dentro dos búzios
bolhas do vento tingem-se de fel
e no céu o desabafo faz mundos
e tudo no universo fica no tamanho
incerto para caber a memória.
6.
teu nome estava
teu nome estava
encravado numa pedra solitária
numa pedra que era a única
lágrima
que sobrava
para eu chorar-te na despedida.
7.
o silêncio é um hino que
o silêncio é um hino que
só seres do mar entoam
…………………………….
há quem disse que Deus alto fala?
qu’Ele sempre foi civilizado demais
para estar acima dos seus homens?
8.
nada
nada
acontece outra vez
a outra vez é outra
não é a primeira
não é a principal
outra vez é uma agonia
é o subterfúgio de um erro
do presente
do ciente inciente
do incidente
outra vez é uma espalmada
do surreal projectado
para um avanço de um momento
uma réplica do tempo
outra vez é uma partida de futebol
com uma bola emendada
não se ama alguém outra vez
não há alguém que consegue
fazer surgir o amor do mesmo jeito
faz uma lágrima arder por dentro
e afastar os pelos do peito
fazer as orelhas erguerem-se ao
alto
eximirem atenções aos encontros
afáveis, dar sentido as
inseguranças
não existe uma mulher dessas
para homem assim como um homem
desses
para mulher
é recusável ter esse poder
a outra vez se existe não é outra
vez
é perda de tempo
é ficar atento a uma acção de um
tempo perdido.
9.
a poesia o taciturno
a poesia o taciturno
desenfrear da paixão
cai-se no balcão
uma senda abre-se
um rio corta o peito
e o ilusório, o irrisório
acessório elementar
da vida, o amor
se monotoniza numa
dinâmica, fervura
de um corpo em areia
e um império em
barro de solidão.
10.
no sopro
no sopro
da palma da mão
podem até sumir
as coisas
………….
no sopro
da escuridão
ressurgem
agozivam de novo
perdem-nos
a nós no sopro
e impedem-nos
a agilidade de
soprar um
novo sopro.
Rodolf
Pondja
É um artista versátil e multifacetado,
escreve poesia, letras de diferentes géneros musicais, contos, prosas e
crónicas, tendo, inclusive, gravado muitas de suas crónicas e prosas na Rádio
Índico.
Foi membro vocalista da Banda Kutlhanga.
Um grupo musical cujos rítmos identitários são Afro e Marrabenta.
Foi presidente da Associação Cultural
Kutlhanga e foi membro do movimento cultural interno com o mesmo nome. Foi o
curador de vários eventos literários (denominados saraus de poesia e música
acústica) de cuja organização cuidava e liderava.
Foi revisor linguístico da Vonakalissa
Editores, um interesse que desponta quando, em simultâneo, exercia a mesma
função na Revista Culturando em 2016, uma propriedade da associação que
presidia.
É professor de Língua Inglesa desde 2013,
estando mais virado às aulas particulares para fins específicos. Neste 2019,
encontra-se a finalizar a Licenciatura em Ensino de Inglês na Universidade
Eduardo Mondlane.
Em 2015, participa, como personagem
secundária, do filme argentino “O Auge do Ser Humano” dirigido por Teddy
Williams com a produção de Ricardo Freitas cujas nacionalidades são argentina e
portuguesa nomeadamente.
Neste momento trabalha também como
freelancer nas áreas de fotografia e filmagem e se encontra a finalizar o seu
primeiro roteiro de curta-metragem que poderá ser produzido e filmado ainda
este ano.
meu caro amigo, apreciei muito a sua poesia, e me identifiquei em alguns poemas que li, votos dos meus parabéns, e à arte avante.
ResponderEliminarArcélio, muito obrigado pela retroalimentação. É sobremaneira gratificante. Abraços
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