Meu nome é Jaime, vivo na periferia da cidade de Xai-Xai. Tal como todo adolescente que vive na periferia, eu não venho de uma família rica, contudo nunca me faltou algo que necessitasse. Sempre tive o carinho e amor dos meus pais, nunca me faltou comida, brinquedos nem vestuário. Sempre achei que para sobreviver à pobreza não significava literalmente fazer coisas que transcendessem às nossas capacidades físicas e intelectuais, até que um dia algo mudou a minha vida.
Havia uma moça chamada Matilde cujos pais eram provenientes de Cabo Delgado, tão-pouco se sabe quais os motivos que os trouxe para cá. Matilde era a moça mais linda do bairro, era quase impossível passar em frente da sua casa sem contemplar a sua beleza exposta na varanda onde ela costumava se sentar.
De tão bonita que era, ninguém tinha coragem de entrar na sua casa só para cumprimentá-la, não tinha amigos pois os rapazes sentiam-se intimidados e as raparigas invejavam-na.
Ocorreu que num certo dia, seus pais voltavam da machamba e eis que um carro dirigido por um indivíduo embriagado os atropelou e perderam a vida no local.
Os vizinhos tentaram contactar as respectivas famílias dos pais da Matilde localizadas em Cabo delgado mas estas recusaram-se a prestar qualquer tipo de ajuda tanto ao funeral, assim como à querida Matilde, pois os seus pais haviam fugido dos seus respectivos casamentos arranjados em prole de viverem juntos e longe da tradição.
Sozinha e triste, Matilde comia os últimos grãos de arroz deixados pelos pais e já se passavam sete dias após o falecimento. Nenhum dos vizinhos aceitou ficar ou cuidar dela alegando não querer ser babá de uma miúda “xingondo”.
Assim sendo, Matilde não via outra coisa a fazer a não ser desafiar o que transcende as suas capacidades físicas e intelectuais. E eu… grudado na janela do meu quarto… via todos senhores do bairro que sempre passavam em frente da sua casa para contemplar a sua beleza, a entrarem e saírem um atrás do outro na sua casa; a sabotarem uma miúda de 14 anos.
Três meses se passaram, Matilde descobriu que era seropositiva, a sua beleza ia murchando, mas, mesmo assim, eu nunca parava de contemplá-la exposta naquela varanda. Minutos depois eu vi ela passando a mão e acariciando a sua barriga, de seguida pegou numa arma que roubou dum policial que tal como muitos outros iam para sua casa e se matou.
Chorei tanto naquele dia que o meu rosto preto virou vermelho, os meus pais achavam que o motivo do choro foi por ter visto alguém morrer. Sim, eles estavam certos, mais estariam certos se soubessem que o motivo do meu choro foi por ela ter morrido antes que eu a dissesse o quanto a amava.
Stélio Bento Changule