Presente do Pai Noel ou um Suicídio Anunciado?

Presente do Pai Noel ou um Suicídio Anunciado? Tenacidade

– Pago almoço (take-away) para todos passageiros neste carro – anunciou-se com determinação e tenacidade um sr., não de muita idade, entre os trinta e cinco a quarenta e dois anos, cabeça calva. Riram-se, todos, em coro provocando um rebuliço como se fosse para descontrair o cansaço da viagem. Um fulano fez a ressonância, mais para o fundo do bus – 64 lot como se multiplicasse o discurso nos espelhos:

Diz que nos paga almoços a nós todos.
–Quero suicidar-me – disse com determinação.
Relampagueara-se de espanto, provocando arrepios aos mais sensíveis. Como pode? Vieram-se todos, de todo lado. Os que se sentavam nas cadeiras frontais voltaram-se as cabeças para ele com exclamação na boca como se alguém os enroscasse. Os que se sentavam nas fileiras detrás entortaram-se os corpos para vê-lo; mais outros levantaram-se.

Os pêndulos do relógio puxavam-se à meia hora passo a passo como um velho embengalado. O carro ia ganhando mais distâncias, quilómetros a quilómetros. Muita gente dormia, outra acordava.

Devido ao calor que atingira quarenta e dois graus, o bus se parecia com uma carcaça, resto de guerra, todos vidros escancarados para ver se adentrava uma brisa. Somente as cortinas que flutuavam davam na vida. As crianças choravam. Mais homens fecundam-se. Que global warming? Deus castiga! Que se lixem os experts que provocam calor na terra – murmurava o motorista, mascando chiclete para assustar o sono, enganado por uma ventoinha que espanejava o ar, suspensa a alguns centímetros no tecto do bus.
No relógio enodoado por uma borboleta no centro, os ponteiros pareciam antenas dalgum insecto. Eram treze horas e cinquenta e cinco minutos.

– Vamos almoçar em Manhala – articulou-se o motorista para salvaguardar ao cobrador que se quebrava no dormitar dando golpes ao nada.
Uns trinta quilómetros – retorquiu… - até catorze em ponto – concluiu.

Os pneus chiavam no asfalto quente. ‘’Deus nos acuda para que nenhum pneu saia’’ – pensava para consigo mesmo um passageiro que se sentava mais para a primeira cadeira do lado contrário do motorista.
Viu todas formas de subornar a polícia, dinheiro dobrado em forma de beata de cigarro, outro em forma de dado anexo na carta, e para disfarçar se transferiam no aperto de mão.
Catorze em ponto, o bus freava a uns trezentos metros.

– Trinta minutos para almoço – berrou o cobrador.

Nos olhos de alguns se via a preocupação vasculhando pelo Sr. que lhes prometera o almoço. Os que não tinham fiança em suas palavras acorreram ao balcão pagar um prato.

– Quanto custa…? – perguntou uma senhorita apontando com o dedo sem nenhuma precisão.

– Arroz, frango ou batata duzentos meticais – replicou o garçon, um somaliano de cara chupada, - …peixe e camarão trezentos meticais – concluiu. O sr. que prometera almoço dobrava-se com o cobrador numa das gavetas dos laterais do bus, cabeças ocultas.

– Não. Essa outra maleta preta - explicava o Sr.
Os que se sentavam no corredor, desceram há muito, sobrava a lotação exacta do bus, 64 passageiros incluindo o fiscal 65. O sr. desembolsou todo o valor que tinha pagando almoço e refresco para todos como prometera e desejou:

- Feliz Natal, a todos!!!

Comeram. Riram. Conversaram.
Catorze e trinta, o motor que permanecia a roncar, roncou mais com estrondo. Os pneus guincharam de volta a marcha. Impôs-se um silêncio minúsculo. Num velho sentado no lado contrário do sr. que pagara o almoço, se lia traços de preocupação no semblante como se faltasse verbo para perguntar:

- Por que, então, o sr. queria se suicidar?, em tanto provara ser  decidido nas usas palavras.

 – Não devia estar a brincar depois de despender elevadas somas avultadas num momento de crise financeira – pensou o velho.
Foi assim por um longo momento antes que o sr. pedisse descer na paragem seguinte, numa área deserta, silencio.
– Desço no cajueiro - gritou o sr.
No exacto momento, a voz do velho soltou-se quebrando o ruído do motor:
Vai-se suicidar?
–Sim – acenou o sr. com a cabeça afirmando positivamente.
Fora de si, o velho quis insistir, mas não houve mais tempo, o sr. saiu e o motor retornou  a roncar e os pneus guincharam.


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Fernando Absalão Chaúque

Professor, escritor, poeta e blogueiro. Licenciado em Ensino da Lingua Inglesa. Autor de ''Âncora no ventre do tempo'' (2019) e co-autor de ''Barca Oblonga'' (2022).

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