Vidro Rasgado - Capítulo 5
Quím voltou para seu gabinete muito frustado por causa da reunião e do palavreado do delegado que só aumentou mais as suas dúvidas em relação a dispensa daquele que o tinha como sua dupla. Ansioso por desvendar alguma verdade contida pelo envelope amarelo, galopava a passos gigantescos para o seu mini refúgio. Ao contornar a curva que dava entrada ao corredor que albergava os gabinetes, avistou que a porta do seu estava aberta e a preocupação fora vestida pela sua mente que balbuciava reflexamente.
Se aproximou lentamente e silencioso andando na ponta dos pés, aplicando a técnica do camaleão para não ser descoberto pelo intruso que violara o gabinete na sua ausência, espreitou sorrateiramente para o interior do compartimento e surpreendeu-se, o gabinete estava vestido pelo vazio.
- Onde estão os meus pertences? - Gritou e o eco prolongou sua voz.
Caminhou até ao centro e contemplou detalhadamente aquela sala que era em parte um fragmento de si. Tentava perceber o porquê da mudança repentina das instalações sem o avisarem.
Naufragou em doces memórias que aquela sala carregava, até ser resgatado pela voz da Lina:
- Quím? - Repetiu duas vezes seguidas.
Os olhos do Quím anunciavam uma tempestade e carregavam o peso da nostalgia que seu coração seduziu.
- Terra chama Quím, terra chama Quím...
- O que fazes aqui? - Perguntou.
- É o mesmo que quero saber ao seu respeito.
- Estou no meu gabinete, que não sei se ainda é meu! - A tristeza vestiu-se nos seus olhos.
- Precisas dum psicólogo...
- Para quê? - Indagou surpreso.
- Parece que tens problemas mentais, este gabinete não é teu.
- Como assim?
- Estamos no corredor cinco e pelo que eu saiba o teu gabinete fica no corredor três.
Quím se aproximou da janela para se certificar da sua localização, e os olhos lhe revelaram afirmativamente que aquele compartimento não era seu, ao vislumbrar o colorido admirável que dava beleza ao jardim da esquadra.
- Acho que estou a enlouquecer. - Sussurrou.
- Pois estás, meu amigo!
Voltou a olhar minuciosamente para o compartimento não acreditando que tinha se perdido. Desde que começara a trabalhar naquela esquadra nunca lhe tinha acontecido tal fenômeno, pelos vistos o afastamento do colega estava a lhe afectar seriamente.
Deu retaguarda e saiu daquele gabinete meio nefelibatico, ainda digerindo a informação dos últimos acontecimentos.
- Além de te tornares louco, agora és mal-educado? - Perguntou Angelina.
- Ah! Me desculpe preciso organizar minhas ideias. Adeus.
A despedida foi recebida pela sua interlocutora que também acabou despoluindo aquele local, voltando para suas tarefas.
Já no seu verdadeiro gabinete, Quím inspeccionava o envelope que o tinha guardado na gaveta antes de partir para reunião. Com o envelope em mãos, mil pensamentos lhe invadiam a consciência e uma questão gritava:
- "Algo de errado não está certo".
O seu faro investigativo estava certo, de facto algo de errado não estava correcto, o envelope amarelo estava mais leve do que quando o deixou. Abriu-o desesperado e constatou que o mesmo só continha o CD, os documentos e a câmera fotográfica tinham desaparecido.
- Merda! - Gritou socando a mesa.
Levantou e foi à janela capturar a brisa que alegrava os pássaros para o acalmar. Ficou ali contemplando o azul do céu por uns cinco minutos e voltou para sua mesa, pegou o CD colocou no DVD e com auriculares nos ouvidos apertou o botão "Play" do aparelho. Concentrado nos dizeres daquele CD, ia escrevendo algo que julgava relevante no seu bloco de notas.
Após alguns minutos concentrado, tirou os auriculares e caminhou para o seu local de meditação, a janela. Voltou a contemplar o azul do céu que se diluía na laranja do poente, enquanto isso mergulhava num processo de cogitação profunda tentando organizar as poucas pistas que o CD continha.
- Ainda é cedo para tirar quaisquer conclusões. - Com a mão direita no queixo e a esquerda no bolso do casaco castanho que vestia, espalhou as palavras para o vazio auditivo do seu gabinete.
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Conteúdo do CD
A conversa decorrera através dos dispositivos móveis (telefones) entre dois interlocutores, que não mencionavam os substantivos para preservarem suas identidades, porém notava-se uma certa reverência direcionada para um dos interlocutores.
" Voz A: ... O processo já está em andamento?
Voz B: Sim chefe, acabamos de arremessar o segundo embrulho...
Voz A: Os homens já foram pagos pelo trabalho?
Voz B: A éeeeee... Houve um imprevisto!
Voz A: Que imprevisto?
Voz B: Os homens da farda acinzentada descobriram o nosso ninho... Assim, estamos em fuga e capturam o contabilista...
Voz A: Merda...
A ligação caiu e o prolongado silêncio se ouviu.
- Continua-
Autor: Arnaldo Tembe