A saga da Moça Ibn Bique



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Sou uma linda moça; moça de cabelos cintilantes, pele doce, curvas macias, lábios de seda e seios avultados que lembram duas papaias beijando o útero da terra. Ando  tão alheada de mim que às vezes esqueço o meu próprio nome, razão pela qual, alguns já me atribuíram alcunhas como:  Pérola dos Indícios, Pátria animada, etc.

Nasci há muitos anos, mas a minha beleza nunca se apaga. A cada dia que passa fico mais exuberante que antes. No entanto, a beleza que carrego só me atrai maldades, quer dizer: apesar de ser linda, minha vida sempre foi a mais feia do planeta porque nunca tive [nem] sequer um segundo de felicidade. Por exemplo, tornei-me mãe ainda na minha miúda adolescência, e, hoje o que me mantém vivo é apenas o suporte que a minha família me tem dado, especialmente os meus filhos: o Salves, o Zizumbeze, a Ravuma e a Umbeluza, os únicos que o tempo ainda não engoliu.
Desde anos remotos, vários homens têm-me lançado olhares com o objectivo de transformar-me em pão para os seus famintos músculos. Primeiramente, um homem chamado Khoisan fez de mim a sua presa preciosa. Diariamente, desbravava-me as entranhas, farejava os seus prazeres na rica savana que dormia na minha epiderme.
Depois,Bantu roubou-me do Khoisan e fez de mim a sua sereia favorita. Inicialmente, nos meus poros férteis desenvolveu a agricultura fálica para poder produzir cereais como a mapira e a mexoeira. Mais tarde, o Sr. Bantu, no meu colo começou a desenvolver a metalurgia do ferro meloso, a olaria do êxtase e a tecelagem do prazer humano.
Passado algum tempo, um homem que morava nos Madzimbabwes apaixonou-se por mim e decidiu me levar à sua terra que se chamava “Estado do Zimbabwe’’. Ele, por sua vez: no meu tronco nu descobriu a mineração orgíaca e a metalurgia do ouro afrodisíaco. Mas, depois, desapareceu sem nenhum adeus, deixando-me nas mãos de um outro que se chamava Nyantsimba Mutota. A minha junção com o Nyantsimba deu origem a uma nova família que foi denominada “dinastia dos Mwenemutapas”.
Em seguida, um homem que desde há muitos anos sonhava em me conhecer se ancorou nas minhas margens, trazendo consigo toda a sua família. O tal, Chamava-se Vasquito Vataghama tinha remado contra maré incontáveis dias e noites. Deste modo, logo que chegou exibiu a sua bravura no meu leito e chamou os seus amigos como António Enes, Mouzinho de Albuquerque, etc. No meu útero ergueu a sua bandeira, plantou a sua língua e entoou epopeias lusitanas.
O Português domou-me, escravizou-me, em fim: explorou o meu corpo por inteiro, ouro, marfim e a minha gente. Sim!! O Tuga até sabia vender Humanos. Arriiii!!! Dele nunca me esquecerei, visto que me cicatrizou o corpo, a alma, o espírito e a mente. Ensinou-me a semântica do “xibalo” e o peso do “imposto de palhota” na minha própria terra. Além disso, teve a coragem de dar-me um outro nome: Moça Ultramarina Portuguesa. Ah!! Satanyoco-lhe infinitamente.
Por causa da crueldade do Tuguês tive de procurar amantes. Em primeiro lugar conheci o Sochangane que até à sua morte não me conseguiu tirar do jugo do Tuga. Passado algum tempo, vários homens como Gungunyana, Maguiguane, Mahazula e tantos outros, lutaram por mim, porém não me conseguiram arrancar das mãos do lusitano.

Não tardou que eu conhecesse um homem chamado FREDILIMO, este veio com mais força, intelectualidade e, finalmente, conseguiu me libertar do colonialismo. Juntos erguemos o nosso lar que primeiramente era monogâmico, mas isso durou pouco tempo. Isto é, actualmente sou democrática, aliás, poliandra, tenho um parceiro oficial: FREDILIMO; e dois amantes: REMINALMO e EMIDEBERTO.
Agora ando muito insegura, intimidada e rezando que nenhum outro homem me venha escravizar de novo, porque muitos descobriram que dos meus seios já goteja petróleo e gás em abundância.
Para terminar, deixo-vos com algumas perguntas de reflexão: será que o meu parceiro oficial cuida bem de mim? E se for a trocá-lo por um dos amantes, a minha vida poderá melhorar ou piorar?

Por Fernando Absalão Chaúque  

Publicado originalmente no jornal @verdade, no dia 11 de Julho de 2017, Edição Nº 450, Ano 9.

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