A impureza do ser

A impureza do ser



A impureza do ser
Foto: @tenacidade_das_palavras


Doí-me ao peito ver o teu semblante e não sentir a tua presença. Desculpe-me imenso pela franqueza, os dezesseis dias de internamento no Hospital Provincial da Matola, obrigaram-me a fazer uma radiografia da nossa relação. Foi preciso uma pólvora no pé para reacender o juízo extinto há anos.
Lola olha-me a mim e veja as rugas de tristeza que atentam a simpatia facial. Eu sei que não foste a culpada pelo sucedido, a atitude da polícia parecia de uns gângsteres uniformizados. O primeiro tiro foi mais assustador porque raspou-me na nuca. Agora me dei conta disso. Mas naquele dia, o efeito da erva africana conduzia-nos a lugares paradisíacos.

Para mim, o dono da viatura dirigia como se estivesse num carro da Escola de Condução, respeitava os sinais de trânsito, apesar de que estava embriagado. Se não tivéssemos entrado naquela viatura, ainda estaríamos aparentemente felizes. O segundo tiro atingiu-me no pé direito, ambos gritámos enquanto o motorista aumentava a velocidade. Já não parecia um aprendiz, pois o medo de tiros da polícia tinham o tornado num velocista. Eu lembro-me perfeitamente que gritei pelo teu nome, ʺSempre soube que me ias matar, Lola. Sempre soubeʺ. Agora não sei dizer se choravas por conta do que te disse ou porque o sangue que tinha mudado a cor da sapatilha enjoava.

Emdezesseis dias, realizei que nunca me amaste. Sucumbia na cama do hospital com um pé estendido. E tu, Lola, onde estiveste? Pensei que passarias algumas noites comigo tal como a minha mãe o fez. Desiludi-me redondamente. Pensei que, no mínimo telefonaria três vezes por dia para saber do meu quadro clínico. Não apareceste, Lola!


Após cinco dias de internamento, apaguei tudo que me fazia lembrar as nossas vivências. O tiro mais fatal foi o teu silêncio durante dezesseis dias. Implorava por uma saudação enquanto passeavas em algures. Se realmente queres te reconciliar terá de me dizer onde estiveste no dia que telefonei e ouvia um barulho típico de discoteca. A tua coragem em mentir é assustadora. Sabia que a tua mãe confirmou que não estavas em casa naquele dia? Falas-me da pureza do ser e, em circunstâncias trágicas revela um quadro comportamental inaceitável. Informa a tua mãe que também a perdoo por não ter vindo me visitar. Desde já, saibas que sou um homem de sorte por ter ter conhecido cedo e, espero muito sinceramente que um dia consigamos sorrir abertamente. Por agora, abra a porta e fecha por fora.



JORGE AZEVEDO ZAMBA ( ABMAZ MANZINE) 
Fernando Absalão Chaúque

Professor, escritor, poeta e blogueiro. Licenciado em Ensino da Lingua Inglesa. Autor de ''Âncora no ventre do tempo'' (2019) e co-autor de ''Barca Oblonga'' (2022).

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