A impureza do ser
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Doí-me
ao peito ver o teu semblante e não sentir a tua presença. Desculpe-me imenso
pela franqueza, os dezesseis dias de internamento no Hospital Provincial da
Matola, obrigaram-me a fazer uma radiografia da nossa relação. Foi preciso uma
pólvora no pé para reacender o juízo extinto há anos.
Lola
olha-me a mim e veja as rugas de tristeza que atentam a simpatia facial. Eu sei
que não foste a culpada pelo sucedido, a atitude da polícia parecia de uns
gângsteres uniformizados. O primeiro tiro foi mais assustador porque raspou-me
na nuca. Agora me dei conta disso. Mas naquele dia, o efeito da erva africana
conduzia-nos a lugares paradisíacos.
Para
mim, o dono da viatura dirigia como se estivesse num carro da Escola de
Condução, respeitava os sinais de trânsito, apesar de que estava embriagado. Se
não tivéssemos entrado naquela viatura, ainda estaríamos aparentemente felizes.
O segundo tiro atingiu-me no pé direito, ambos gritámos enquanto o motorista
aumentava a velocidade. Já não parecia um aprendiz, pois o medo de tiros da
polícia tinham o tornado num velocista. Eu lembro-me perfeitamente que gritei
pelo teu nome, ʺSempre soube que me ias matar,
Lola. Sempre soubeʺ. Agora não sei dizer se choravas por conta do que te
disse ou porque o sangue que tinha mudado a cor da sapatilha enjoava.
Emdezesseis
dias, realizei que nunca me amaste. Sucumbia na cama do hospital com um pé
estendido. E tu, Lola, onde estiveste? Pensei que passarias algumas noites
comigo tal como a minha mãe o fez. Desiludi-me redondamente. Pensei que, no
mínimo telefonaria três vezes por dia para saber do meu quadro clínico. Não
apareceste, Lola!
Após
cinco dias de internamento, apaguei tudo que me fazia lembrar as nossas vivências.
O tiro mais fatal foi o teu silêncio durante dezesseis dias. Implorava por uma
saudação enquanto passeavas em algures. Se realmente queres te reconciliar terá
de me dizer onde estiveste no dia que telefonei e ouvia um barulho típico de
discoteca. A tua coragem em mentir é assustadora. Sabia que a tua mãe confirmou
que não estavas em casa naquele dia? Falas-me da pureza do ser e, em
circunstâncias trágicas revela um quadro comportamental inaceitável. Informa a
tua mãe que também a perdoo por não ter vindo me visitar. Desde já, saibas que
sou um homem de sorte por ter ter conhecido cedo e, espero muito sinceramente
que um dia consigamos sorrir abertamente. Por agora, abra a porta e fecha por
fora.