A Chuva Veio
Por Grace Ogot
Tradução de Daúde Amade
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O chefe da tribo ainda se encontrava bem distante do portão quando a sua filha Oganda lhe viu. Ela correu para encontrá-lo. Sem fôlego perguntou ao pai, “Qual a boa nova, poderoso chefe? Toda aldeia está ansiosamente a espera de ouvir quando irá chover.” Labong’o resistiu e ergueu suas mãos para a filha mas não disse sequer uma palavra. Embaraçada pela atitude fria do pai, Oganda voltou a aldeia para informar aos outros que o chefe estava de volta.
A atmosfera na aldeia estava tensa e confusa.
Todos moviam-se despropositadamente e espalhafatosos no pátio da aldeia sem
estarem no entanto a executar alguma actividade. Uma jovem segredou a co-esposa
do chefe, “se eles não tiverem resolvido este negócio da chuva hoje, o chefe irá
entregar-se.” Elas – a co-esposa e a jovem - o tinham visto entrar tão franzino
e tão franzino como se alguém o tivesse importunado. “Nossa gente falsa morre
no campo de batalha,” reportaram elas. “Em breve serão nossas crianças e
seguidamente nós. Diga-nos o que fazer para salvar as nossas vidas, oh poderoso
Chefe.” Diante disto, o chefe havia rezado dia e noite ao todo-poderoso dos
seus ancestrais para que os libertasse da angústia.
Ao invés de ter chamado a família junto a ele
e dar-lhes a notícia de imediato, Labong’o fez-se a sua própria cabana, acenou um
sinal de que não estava a ficar doido. Tendo recolocado o cobertor, sentou-se
em um canto de iluminação frouxa na cabana a contemplar.
Não demorou tanto que a questão de ser o
chefe dos famélicos pesasse no coração de Labong’o. Era a vida da sua única
filha que estava em jogo. No momento quando Oganda veio encontrar-lhe, viu a
corrente reluzente brilhando em torno da cintura. A profecia estava completa.
“É Oganda, Oganda, minha única filha, quem devia morrer tão pequena.” Labong’o
estourou de dentro para fora aos risos antes que terminasse a frase. O chefe
não devia chorar. A sociedade havia declarado ele como o mais forte dos homens,
mas Labong’o não se importava mais com isso. Ele assumiu a postura de um
simples pai e chorou amargamente. Ele amava seu povo, os Luo[1], mas
como seriam os Luo para ele sem Oganda? Sua vida havia trazido uma nova vida no
mundo de Labong’o e ele conduziu melhor o seu povo do que ele se pôde lembrar.
Como podiam os espíritos da aldeia salvar sua linda filha? “Havia também muitas
casas e pais que têm filhos. Por que escolheram apenas uma? Ela é tudo que eu
tenho.” Labong’o falou como se os ancestrais estivessem ali, advertiu-os para
que lembrassem sua promessa no dia em que fora entronizado quando falou em
viva-voz, diante dos mais velhos, “Eu irei dar a vida, se necessário, e a vida
do meu lar, para salvar esta tribo das mãos do inimigo.” “Deny! Deny!” Ele pôde
ouvir a voz do seu antepassado zombando nele.
Quando Labong’o foi consagrado chefe da
aldeia era bastante novo. Diferente de seu pai, ele governou meio a muitos
ouvidos com a única esposa. Mas o povo reprovou-lhe porque sua única esposa não
deu-lhe uma filha. Casou a segunda, a terceira, e a quarta esposa, mas todas
elas deram à luz a meninos. Quando Labong’o casou a quinta esposa ela
trouxe-lhe uma menina. Eles chamaram-na Oganda, que significa “feijão”, pois a
sua pele era muito formosa. Labong’o tinha cerca de vinte filhos, Oganda era a
única menina. Ainda que ela fosse a favorita do pai, as co-esposas da sua mãe
engoliam sua inveja e mostravam-se amorosas para com ela. Apesar de tudo, elas
diziam que Oganda era uma miúda cujos dias na família real estavam contados.
Iria em breve se casar por conta da idade e deixar a inviolável posição para
outro alguém.
Nunca em sua vida havia sido afrontado por
uma tal impossível decisão. Recusando render-se a solicitação do fezedor-da-chuva[2] isto
podia significar sacrificar toda tribo, pondo os interesses individuais acima
dos da sociedade. Além disso, isto significaria desobedecer os antepassados, e
o mais provável aniquilar os Luo da face da terra. De outro lado, deixar Oganda
morrer como um resgate para o povo seria permanentemente enfraquecer Labong’o
espiritualmente. Ele sabia que não se tornaria o mesmo líder novamente.
As palavras de Ndithi, o curandeiro, ainda
ecoavam no seu tímpano. “Podho, o antepassado dos Luo, veio-me no sonho na
noite passada, e pediu-me para falar do chefe da tribo e do seu povo,” Ndithi
havia dito para reunir com os membros da tribo. “Uma jovenzinha que não havia
conhecido nenhum homem devia morrer somente e mediante este acto a região teria
chuvas. Enquanto Podho estava ainda a falar comigo, eu vi uma jovem parada
pertinho ao lago, sua mão levantou-se para cima de sua cabeça. Sua pele era tão
clara como de um veado na selva. Seu alto corpo fino parou como uma solitária
cana no banco do rio. Seus olhos sonolentos vestiram-se de um olhar triste como
de uma mãe desolada. Ela portava um brinco de ouro na sua orelha esquerda e uma
resplandecente corrente de metal envolto a sua cintura. Como eu estava
maravilhado com a beleza daquela jovem, Podho disse-me, “Acima de todas as
mulheres nesta terra, nós escolhemos esta. Deixa ela sacrificar-se para o
monstro do lago! E neste dia, a chuva cairá em torrentes. Vamos todos ficar em
casa neste dia, para que seja arrebatada pelas cheias.”
Do lado de fora havia uma estranha
tranquilidade, excepto para as aves sedentas que cantavam em coro
preguiçosamente nas árvores mortas. Bateu o ofuscante meio-dia forçando as
pessoas a retirar-se das suas cabanas. Não tão distante da cabana do chefe,
estavam guardas rebocados roncando tranquilamente. Labong’o removeu sua coroa e
a larga cabeça de águia que pendurou livremente em seus ombros. Deixou a
cabana, e no lugar de pedir o mensageiro Nyabog’o para tocar o batuque, foi
directo tocar pessoalmente. Não era o tempo que tinha de ajuntar todo o lar
sobre um pinheiro onde ele comummente os endereçava. Ele falou para Oganda
esperar-lhe na cabana da sua avó.
Quando Labong’o posto à sede do seu lar, sua
voz estava rouca e as lágrimas chocaram-lhe. Ele começou a falar, mas as
palavras recusavam de deixar seus lábios. Suas esposas e filhos sabiam que
havia um grande perigo… talvez seus inimigos tinham declarado guerra contra
eles. Os olhos de Labong’o estavam vermelhos, e eles podiam ver que ele tinha
estado a chorar. No final disse-lhes. “Um dos que amamos e estimamos deverá ser
afastado de nós. Oganda é para morrer.” A voz de Labong’o estava tão débil que
não podia ouvir-se a si mesmo. Mas ele continuou, “Os antepassados escolheram
ela como um sacrifício para o monstro do lago de modo que possamos ter chuva.”
Estavam completamente atordoados. Enquanto o
murmúrio embaraçado expandia-se, a mãe de Oganda desmaiou e foi levada para sua
casa. Mas os outros regozijaram-se. Eles dançavam em círculo cantando e
louvando, “Oganda é a única sortuda para morrer pelo povo. Se isso for para
salvar o povo, vamos deixar Oganda partir.”
Na cabana da sua avó Oganda se preocupava em
querer saber o que todos membros da família estavam a discutir sobre ela que
ela não podia ouvir. A cabana da sua avó estava tão bem distante do pátio do
chefe e, tanto que ela cansou seus ouvidos, ela não podia ouvir nada que era
dito. “Deve ser um casamento,” concluiu ela. Era um costume adoptado pela
família debater os futuros casamentos de seus filhos por detrás dos mesmos. Um
sorriso frouxo veio aos lábios de Oganda, e como se pensasse nalguns rapazes
engoliu saliva na simples menção de seu nome.
Lá estava Kech, o filho do clã vizinho mais velho.
Kech era muito bonito. Tinha uns encantadores olhos meigos e uma gargalhada.
Ele representaria um pai maravilhoso, pensou Oganda. Mas eles não seriam um bom
casal. Kech era muito baixo para ser seu marido. Seria uma humilhação para ela
ter que olhar para baixo de modo a olhar Kech toda vez que ela falasse com ele.
Depois ela pensou em Dimo. Um jovem alto que se já tinha distinguido
meritoriamente como um bravo guerreiro e um lutador resistente. Dimo adorava
Oganda, mas Oganda achava que ele seria um marido cruel, sempre disputando e
pronto a lutar. Não, ela não gostava dele, Oganda dedilhou a corrente brilhante
na sua cintura como se pensasse em Osinda. Há muito quando ela era pequenina
Osinda havia-lhe dado aquela corrente, e ao invés de usá-la em torno do seu
pescoço por algum tempo, ela usou-a na cintura onde poderia ficar
permanentemente. Ela ouviu seu coração esmurrar ruidosamente quando pensou
nele. Ela murmurou, “que seja sobre você que estão discutindo, Osinda, o
fascinante. Vem já e leva-me embora daqui…”
Uma figura inclinada na entrada da porta
chocou Oganda que estava extasiada no pensamento acerca do homem que amava.
“Amedrontaste-me avó,” disse Oganda aos risos. “Conta-me, é o meu casamento que
vocês estavam discutindo? Esteja certa que me não casarei com nenhum deles.” Um
riso soltou-se de seus lábios novamente. Ela estava a bajular a velhota para
falá-la rápido, falá-la que eles estavam satisfeitos com Osinda.
No espaço vago do lado de fora agitados
parentes estavam a dançar e a cantar. Eles vinham a cabana agora, cada um
carregando um presente para pôr nos pés de Oganda. Quanto mais as canções se
aproximavam, Oganda estava apta a ouvir o que eles cantavam: “É para salvar o
povo, se é para dar-nos chuva, vamos deixar Oganda partir. Vamos deixar Oganda
morrer pelo seu povo, e pelos seus ancestrais.” Estava ela louca para pensar
que cantavam sobre ela? Quem poderia matá-la? Ela achou a figura da sua avó
barrando a porta. Não podia sair. Ela considerou a face da sua avó advertindo-a
que havia algum perigo na esquina. “Mãe, não é casamento afinal?” Perguntou
Oganda insistentemente. Ela repentinamente sentiu-se em pânico como um rato
encurralado por um gato famélico. Esquecendo-se que aquela era a única porta da
cabana Oganda procurou desesperadamente encontrar outra saída. Ela devia lutar
pela sua vida, mas não havia como.
Ela fechou seus olhos, como um tigre selvagem
pulou para o outro lado da porta, golpeando a sua avó para o chão. Do lado de
fora com uma peça de luto Labong’o ficou imóvel, dobrou sua mão para trás.
Agarrou a mão da sua filha e prendeu-a com a multidão agitada na pequena cabana
pintada de vermelho onde sua mãe repousava. Neste momento ele anunciou
oficialmente para sua filha.
Por um longo período as três almas que amaram
numa outra afectuosidade sentaram-se nas trevas. Não havia boas palavras. E nem
se tivesse tentado, as palavras não teriam saído. No passado eles haviam sido
como três pedras que sustentavam a panela ao fogo, compartilhando suas
obrigações. Tirar Oganda deixaria-os como duas inúteis pedras que não poderiam
sustentar a panela no fogo.
A notícia que a filha linda do chefe estava a
ser sacrificada para que trouxesse chuva ao povo espalhou-se cruzando a região
como os ventos. Com o pôr-do-sol na aldeia do chefe estavam muitos parentes e
amigos que vinham congratular Oganda. Muitos ainda estavam por vir, carregando
seus presentes. Preparariam-a um enorme banquete de despedida. Todos esses
parentes achavam que era uma grande honra ser escolhido pelos espíritos para
morrer de modo que a sociedade possa viver. “O nome de Oganda permanecerá um
nome vivo entre nós,” elogiavam-se eles.
Mas,
seria o amor maternal que privou Minya de estar aos júbilos com outras
mulheres? Seria a memória da agonia e a dor do parto que a fez sentir-se tão
triste? Ou seria a profunda ternura e simpatia que passa diante uma criança
desamamentada e sua mãe que fez Oganda parte de sua vida, seu corpo? Com
certeza foi uma honra, uma grande honra, para sua filha ser escolhida para
morrer pela região. Mas que ela poderia ganhar uma vez que sua filha foi soprada
para longe pelo vento? Havia tantas outras mulheres naquelas terras, por que
preferir sua filha, sua única criança! A vida dos homens tinha algum sentido
profundo – outras mulheres tinham casas cheias de crianças enquanto ela, Minya,
tinha perdido sua única filha!
No céu desnublado a lua clareou
lustrosamente, e as numerosas estrelas resplandeceram com uma fascinante
beleza. Os dançarinos de todas as faixas etárias uniram-se para dançar diante
de Oganda que se acomodou por detrás de sua mãe, soluçando calmamente. Todos
esses anos tinha estado com sua gente ela pensou, compreendeu-lhes. Mas agora
descobrira que era uma estranha no meio deles. Se estes a amassem como tinham
sempre declarado porque não estavam tentando salvá-la? Realmente sua gente
compreendia qual a sensação sentida em estar prestes a morrer jovem? Incapaz de
mais conter suas emoções, ela soluçou em voz alta enquanto a sua faixa etária
preparava-se para dançar. Elas eram novas e lindas e muito em breve casariam e
teriam suas próprias crianças. Elas teriam maridos para amar e próprias
cabaninhas. Teriam atingido a maturidade. Oganda tocou a corrente em volta de
sua cintura como se lembrasse em Osinda. Ela gostava que Osinda estivesse lá
também, entre seus amigos. “Quiçá ele esteja doente”, ela gravemente pensou. A
corrente confortava Oganda – podia morrer com ela na cintura e usá-la no mundo
subterrâneo.
Pela manhã um grande banquete foi preparado
para Oganda. As mulheres preparavam variados pratos gostosos para que ela palitasse
e escolhesse. “A pessoa não come depois de morta,” diziam elas. Não obstante
ter olhado para as deliciosas comidas, Oganda não tocou em nenhuma. Deixa os
que estão feliz comer. Contentou a ela mesma com goles de água da cabacita.
A hora da sua despedida aproximava-se, e cada
minuto era precioso. Era um dia de excursão para o lago. Ela era para caminhar
toda noite, passando pelo interior do grande bosque. Ela já estava ungida com o
sagrado óleo. No momento Oganda se deixou tomar por uma nova tristeza pois
esperava que Osinda aparecesse nalgum momento. Mas ele não estava lá. Um
parente disse-a que Osinda estava fora numa visita particular. Oganda concluiu
que jamais veria seu amado novamente.
Na tarde toda aldeia parou no portão para
dizê-la adeus e vê-la pela última vez. Sua mãe chorou no colo dela durante todo
tempo. O poderoso chefe na pele enlutada veio ao portão descalçado, e misturado
com a sua gente – um simples pai na aflição. Ele tirou seu bracelete e colocou
no pulso de sua filha dizendo, “Tu viverás para sempre em nós. O espírito do
nosso antepassado está contigo.”
Com língua presa e inacreditando, Oganda
parou ali diante das pessoas. Nada tinha a dizer. Olhou para sua casa mais uma
vez. Ela podia ouvir seu coração batendo tão dolorosamente no seu interior.
Todos seus planos de meninice estavam caminhando para um fim. Ela sentia-se
como uma flor alfinetada num botão que nunca mais desfrutaria das manhãs de
orvalho novamente. Olhou para sua pranteada mãe, e sussurrou, “quando quiseres
ver-me, olha sempre para o pôr-do-sol. Eu estarei lá.”
Oganda virou-se ao sul para dar início a sua
longa e difícil viagem ao lago. Seus pais, familiares, amigos e admirados
ficaram ao portão e vendo-a partir.
Seu belo corpo delgado tornou-se pequenino e
pequenino até ela entrar em contacto com os finos troncos secos na floresta. Do
mesmo jeito, Oganda andou sozinha na trajectória que soprou seu caminho na
selva, ela cantou uma canção, e sua própria voz foi sua companhia.
Os antepassados disseram que Oganda deve
morrer
A filha do chefe deve ser sacrificada,
Quando o monstro do lago alimentar-se com a
minha carne
O povo terá chuva.
Sim, a chuva cairá em torrentes.
E as inundações limparão as areias das
margens
Quando a filha do chefe morrer no lago.
Minha faixa etária consentiu
Meus pais consentiram
Também os meus amigos e parentes.
Deixemos Oganda morrer para dar-nos chuva.
Os da minha faixa etária são jovens e
maduros,
Maduros para a condição de ser mulher e a
maternidade,
Excepto Oganda, deve morrer jovem,
Oganda deve dormir com os antepassados.
Sim, a chuva cairá em torrentes.
Os raios vermelhos do despontar do sol seguiram
Oganda, e ela parecia uma vela queimando na selva.
As pessoas que vieram ouvir sua canção triste
foram tocadas pela sua beleza. No entanto, todos diziam a mesma coisa: “Se for
para salvar o povo, se for para trazer-nos chuva, não tenha medo. Seu nome
viverá eternamente entre nós.”
Na meia-noite Oganda estava cansada e
esgotada. Não conseguia mais caminhar. Sentou-se sobre uma árvore frondosa, e
tendo bebido goles de água da sua cabaça, repousou a cabeça no tronco da árvore
e dormiu.
Quando Oganda levantou-se pela manhã o sol
estava pleno no céu. Depois de longas horas de caminhada, ela alcançou uma
tonelada, uma faixa de terra que separava o equivalente à região inabitada da
sagrada localidade (Kar lamo). Nenhum
leigo podia levar-se a esse local e sair de lá vivo – somente os que tinham
contacto directo com os espíritos e o todo-poderoso eram permitidos dirigir-se ao
santuário dos santuários. No entanto, Oganda tinha que passar directo desta
terra sagrada em seu caminho para o lago, do qual tinha que alcançar o
pôr-do-sol.
Uma vasta multidão juntou-se para vê-la na
última vez. Sua voz agora estava rouca e penosa, mas não era mais preciso se
preocupar. Em breve ela não teria que cantar. A multidão olhou Oganda
simpaticamente, resmungando palavras que ela não podia ouvir. Mas nenhum deles
parou para perder-se da multidão, e corriam em direcção a ela. Uma criança
levou um pequeno brinco na sua mão suada e deu para Oganda dizendo, “Quando
atingires o mundo dos mortos, dê este brinco a minha irmã. Ela morreu na semana
passada. Esqueceu-se desta argola.” Oganda, espantada pelo pedido estranho,
levou a pequena argola, e controlou sua preciosa água e sustentou a criança.
Ela não precisava das argolas agora. Oganda não sabia se ria ou chorava. Ouviu
lamentadores a mandar amor a seus queridos, há muito falecidos, mas que suas
ideias de enviar-lhes presentes era-lhes nova.
Oganda prendeu a respiração como trapaça ao
obstáculo de entrar na terra sagrada. Ela olhava muito atraente para a
multidão, mas não havia quem se compadecesse. As suas mentes estavam tão
comprometidas com a sua sobrevivência. A chuva era o precioso remédio que eles
esperavam, e o quanto mais cedo Oganda obtivesse o seu destino melhor.
Uma estranha sensação apossou-se de Oganda
como se ela tivesse escolhido o seu caminho na terra sagrada. Havia um barulho
estranho que sempre a assustava, e sua atitude segura estava para levá-la a seu
próprio inferno. Mas lembrou-se que tinha que cumprir o desejo de sua gente.
Ela estava exausta, mas o caminho estava ainda complicado, então repentinamente
o caminho findou na terra arenosa. A água havia se afastado por milhas da
margem deixando uma vasta distância de areal. Além disso, havia uma vasta
extensão de água.
Oganda sentia-se assustada. Ela queria
retratar a imagem e forma do monstro, mas o medo não a podia deixar. O povo não
falava sobre o monstro, nem sobre as crianças chorando que eram silenciadas
pela menção do seu nome. O sol estava ainda pleno mas já não estava mais
quente. Por longas horas Oganda andou tornozelos abaixo no areal. Estava
exausta e desesperadamente distanciada da sua cabaça de água. Como mudou, ela
sentia-se estranha como se algo estivesse seguindo ela. Seria o monstro? Seu
cabelo ficou erecto e um sentimento frio paralizante percorreu-a ao longo da
espinha. Ela olhou para trás, os lados e para frente, mas nada havia, excepto
uma nuvem de poeira.
Oganda ergueu-se precipitada mas a sensação
não deixou-a, e todo seu corpo saturou-se com a transpiração.
O sol estava a abrandar rápido e a costa do
lago dava impressão de estar a mover-se juntamente com o sol.
Oganda começou a correr. Tinha que estar no
lago antes do pôr-do-sol. Enquanto ela corria ouvia um barulho vindo por detrás
dela. Ela rememorou bruscamente, e algo parecia arbustos a moverem-se, estava
freneticamente perseguindo-a. Estava para apanhá-la.
Oganda correu com todo vigor. Estava disposta
a lançar-se à água mesmo antes do pôr-do-sol. Ela não olhou para trás, mas a
criatura estava por detrás dela. Fez muito esforço para pôr o choro fora, mas
ela não podia ouvir a sua própria voz. A criatura encontrou-se com Oganda numa
total confusão. Quando Oganda olhou-se face a face com a não identificada
criatura, uma mão forte agarrou-a. E ela espatifou-se no chão e desmaiou.
Quando a brisa trouxe-a de volta à sua
consciência, um homem fez todo o possível por ela. “……….!” Oganda abriu a boca
para falar, mas havia perdido a voz. Ela engoliu um bocado de água e vazou de
dentro da boca estranhamente.
“Osinda, Osinda! Por favor deixa-me morrer.
Deixa-me correr, o sol está prestes a se pôr. Deixa-me morrer, deixa-lhes terem
chuva.” Osinda acarinhou a corrente brilhante em torno da cintura de Oganda e
limpou as lágrimas da face dela.
“Temos que fugir rapidamente para uma terra
desconhecida.” Disse Osinda urgentemente. Temos que fugir da fúria dos antepassados
e a represália do monstro.”
“Mas se a maldição está jogada em mim, Osinda,
não sou mais benigna para ti. Além do mais os olhos dos antepassados
seguir-nos-ão aonde quer que estejamos e a falta de sorte irá suceder-nos.
Também não podemos escapar do monstro.”
Oganda perdeu a calma receosa de escapar, mas
Osinda agarrou a mão dela novamente.
“Escuta-me, Oganda! Escuta! Aqui estão dois
cobertores!” Ele depois cobriu todo corpo de Oganda, excepto seus olhos, com um
frondoso cobertor feito de ramos de Mwombwe[3].
“Estes ramos nos protegerão dos olhos dos
ancestrais e fúria do monstro. Agora vamos sair daqui.” Ele agarrou Oganda pela
mão e fugiram da terra sagrada, evitando o caminho que Oganda havia seguido.
O ramo foi coberto, e as longas folhas
emaranhadas em seus pés enquanto corriam. No meio caminho andado de outra parte
da terra sagrada eles pararam e olharam para trás. O sol estava quase a tocar a
superfície da água. Estavam aterrorizados. Continuaram a correr, agora mais
rápido para evitar o submergir do sol.
“Tenha fé, Oganda – que a criatura não nos
alcançará.”
Quando eles encontraram o obstáculo e olharam
atrás deles trémulos, somente uma parte final do sol era visível em ambas
superfícies d’ água.
“Acabou! Acabou!” Oganda chorou, cobrindo o
rosto com suas mãos.
“Não chore, filha de chefe. Vamos correr,
vamos fugir.”
Havia
um brilho luminoso. Eles olharam para cima, amedrontados. Em cima deles duas
furiosas nuvens negras começaram a juntar-se. Eles começaram a correr. De
seguida um trovão rugiu, e a chuva caiu em torrentes.
[1] Luo é uma tribo africana que se localiza no
norte do Quénia e Uganda.
[2] Do inglês “Rainmaker”, das
várias acepções deste conceito, aqui traduz-se de modo a significar “aquele que
faz chover de modo artificial, usando meios metafísicos corrompendo a
naturalidade deste fenómeno” (N.T).
[3]
Mwombwe é uma árvore típica da região do Quénia, tida como sacral com
propriedades de expulsar espíritos agourentos (N.T.).
Quem é Grace Ogot?
Seu primeiro romance
publicado intitula-se The Promissed Land
(A Terra Prometida) em 1966, o segundo é The Graduate (O Graduado) em 1980, publicou ainda The Island of Tears (A Ilha das Lágrimas),
Land without Thunder (Terra sem Trovão) e
The Other Woman (A outra mulher). Ogot
publicou também três volumes de pequenas narrativas ficcionais.
As obras da Grace não se
encontram disponíveis na língua portuguesa, por este facto ousamos afirmar que
este pode ser o começo da tradução de suas obras para o público de língua
lusófona.