A Chuva Veio




A Chuva Veio 
 Por Grace Ogot
Tradução de Daúde Amade

A Chuva Veio
 Créditos da imagem AQUI

       O chefe da tribo ainda se encontrava bem distante do portão quando a sua filha Oganda lhe viu. Ela correu para encontrá-lo. Sem fôlego perguntou ao pai, “Qual a boa nova, poderoso chefe? Toda aldeia está ansiosamente a espera de ouvir quando irá chover.” Labong’o resistiu e ergueu suas mãos para a filha mas não disse sequer uma palavra. Embaraçada pela atitude fria do pai, Oganda voltou a aldeia para informar aos outros que o chefe estava de volta.


A atmosfera na aldeia estava tensa e confusa. Todos moviam-se despropositadamente e espalhafatosos no pátio da aldeia sem estarem no entanto a executar alguma actividade. Uma jovem segredou a co-esposa do chefe, “se eles não tiverem resolvido este negócio da chuva hoje, o chefe irá entregar-se.” Elas – a co-esposa e a jovem - o tinham visto entrar tão franzino e tão franzino como se alguém o tivesse importunado. “Nossa gente falsa morre no campo de batalha,” reportaram elas. “Em breve serão nossas crianças e seguidamente nós. Diga-nos o que fazer para salvar as nossas vidas, oh poderoso Chefe.” Diante disto, o chefe havia rezado dia e noite ao todo-poderoso dos seus ancestrais para que os libertasse da angústia.

Ao invés de ter chamado a família junto a ele e dar-lhes a notícia de imediato, Labong’o fez-se a sua própria cabana, acenou um sinal de que não estava a ficar doido. Tendo recolocado o cobertor, sentou-se em um canto de iluminação frouxa na cabana a contemplar.

Não demorou tanto que a questão de ser o chefe dos famélicos pesasse no coração de Labong’o. Era a vida da sua única filha que estava em jogo. No momento quando Oganda veio encontrar-lhe, viu a corrente reluzente brilhando em torno da cintura. A profecia estava completa. “É Oganda, Oganda, minha única filha, quem devia morrer tão pequena.” Labong’o estourou de dentro para fora aos risos antes que terminasse a frase. O chefe não devia chorar. A sociedade havia declarado ele como o mais forte dos homens, mas Labong’o não se importava mais com isso. Ele assumiu a postura de um simples pai e chorou amargamente. Ele amava seu povo, os Luo[1], mas como seriam os Luo para ele sem Oganda? Sua vida havia trazido uma nova vida no mundo de Labong’o e ele conduziu melhor o seu povo do que ele se pôde lembrar. Como podiam os espíritos da aldeia salvar sua linda filha? “Havia também muitas casas e pais que têm filhos. Por que escolheram apenas uma? Ela é tudo que eu tenho.” Labong’o falou como se os ancestrais estivessem ali, advertiu-os para que lembrassem sua promessa no dia em que fora entronizado quando falou em viva-voz, diante dos mais velhos, “Eu irei dar a vida, se necessário, e a vida do meu lar, para salvar esta tribo das mãos do inimigo.” “Deny! Deny!” Ele pôde ouvir a voz do seu antepassado zombando nele.

Quando Labong’o foi consagrado chefe da aldeia era bastante novo. Diferente de seu pai, ele governou meio a muitos ouvidos com a única esposa. Mas o povo reprovou-lhe porque sua única esposa não deu-lhe uma filha. Casou a segunda, a terceira, e a quarta esposa, mas todas elas deram à luz a meninos. Quando Labong’o casou a quinta esposa ela trouxe-lhe uma menina. Eles chamaram-na Oganda, que significa “feijão”, pois a sua pele era muito formosa. Labong’o tinha cerca de vinte filhos, Oganda era a única menina. Ainda que ela fosse a favorita do pai, as co-esposas da sua mãe engoliam sua inveja e mostravam-se amorosas para com ela. Apesar de tudo, elas diziam que Oganda era uma miúda cujos dias na família real estavam contados. Iria em breve se casar por conta da idade e deixar a inviolável posição para outro alguém.

Nunca em sua vida havia sido afrontado por uma tal impossível decisão. Recusando render-se a solicitação do fezedor-da-chuva[2] isto podia significar sacrificar toda tribo, pondo os interesses individuais acima dos da sociedade. Além disso, isto significaria desobedecer os antepassados, e o mais provável aniquilar os Luo da face da terra. De outro lado, deixar Oganda morrer como um resgate para o povo seria permanentemente enfraquecer Labong’o espiritualmente. Ele sabia que não se tornaria o mesmo líder novamente.

As palavras de Ndithi, o curandeiro, ainda ecoavam no seu tímpano. “Podho, o antepassado dos Luo, veio-me no sonho na noite passada, e pediu-me para falar do chefe da tribo e do seu povo,” Ndithi havia dito para reunir com os membros da tribo. “Uma jovenzinha que não havia conhecido nenhum homem devia morrer somente e mediante este acto a região teria chuvas. Enquanto Podho estava ainda a falar comigo, eu vi uma jovem parada pertinho ao lago, sua mão levantou-se para cima de sua cabeça. Sua pele era tão clara como de um veado na selva. Seu alto corpo fino parou como uma solitária cana no banco do rio. Seus olhos sonolentos vestiram-se de um olhar triste como de uma mãe desolada. Ela portava um brinco de ouro na sua orelha esquerda e uma resplandecente corrente de metal envolto a sua cintura. Como eu estava maravilhado com a beleza daquela jovem, Podho disse-me, “Acima de todas as mulheres nesta terra, nós escolhemos esta. Deixa ela sacrificar-se para o monstro do lago! E neste dia, a chuva cairá em torrentes. Vamos todos ficar em casa neste dia, para que seja arrebatada pelas cheias.”

Do lado de fora havia uma estranha tranquilidade, excepto para as aves sedentas que cantavam em coro preguiçosamente nas árvores mortas. Bateu o ofuscante meio-dia forçando as pessoas a retirar-se das suas cabanas. Não tão distante da cabana do chefe, estavam guardas rebocados roncando tranquilamente. Labong’o removeu sua coroa e a larga cabeça de águia que pendurou livremente em seus ombros. Deixou a cabana, e no lugar de pedir o mensageiro Nyabog’o para tocar o batuque, foi directo tocar pessoalmente. Não era o tempo que tinha de ajuntar todo o lar sobre um pinheiro onde ele comummente os endereçava. Ele falou para Oganda esperar-lhe na cabana da sua avó.

Quando Labong’o posto à sede do seu lar, sua voz estava rouca e as lágrimas chocaram-lhe. Ele começou a falar, mas as palavras recusavam de deixar seus lábios. Suas esposas e filhos sabiam que havia um grande perigo… talvez seus inimigos tinham declarado guerra contra eles. Os olhos de Labong’o estavam vermelhos, e eles podiam ver que ele tinha estado a chorar. No final disse-lhes. “Um dos que amamos e estimamos deverá ser afastado de nós. Oganda é para morrer.” A voz de Labong’o estava tão débil que não podia ouvir-se a si mesmo. Mas ele continuou, “Os antepassados escolheram ela como um sacrifício para o monstro do lago de modo que possamos ter chuva.”

Estavam completamente atordoados. Enquanto o murmúrio embaraçado expandia-se, a mãe de Oganda desmaiou e foi levada para sua casa. Mas os outros regozijaram-se. Eles dançavam em círculo cantando e louvando, “Oganda é a única sortuda para morrer pelo povo. Se isso for para salvar o povo, vamos deixar Oganda partir.”

Na cabana da sua avó Oganda se preocupava em querer saber o que todos membros da família estavam a discutir sobre ela que ela não podia ouvir. A cabana da sua avó estava tão bem distante do pátio do chefe e, tanto que ela cansou seus ouvidos, ela não podia ouvir nada que era dito. “Deve ser um casamento,” concluiu ela. Era um costume adoptado pela família debater os futuros casamentos de seus filhos por detrás dos mesmos. Um sorriso frouxo veio aos lábios de Oganda, e como se pensasse nalguns rapazes engoliu saliva na simples menção de seu nome.

Lá estava Kech, o filho do clã vizinho mais velho. Kech era muito bonito. Tinha uns encantadores olhos meigos e uma gargalhada. Ele representaria um pai maravilhoso, pensou Oganda. Mas eles não seriam um bom casal. Kech era muito baixo para ser seu marido. Seria uma humilhação para ela ter que olhar para baixo de modo a olhar Kech toda vez que ela falasse com ele. Depois ela pensou em Dimo. Um jovem alto que se já tinha distinguido meritoriamente como um bravo guerreiro e um lutador resistente. Dimo adorava Oganda, mas Oganda achava que ele seria um marido cruel, sempre disputando e pronto a lutar. Não, ela não gostava dele, Oganda dedilhou a corrente brilhante na sua cintura como se pensasse em Osinda. Há muito quando ela era pequenina Osinda havia-lhe dado aquela corrente, e ao invés de usá-la em torno do seu pescoço por algum tempo, ela usou-a na cintura onde poderia ficar permanentemente. Ela ouviu seu coração esmurrar ruidosamente quando pensou nele. Ela murmurou, “que seja sobre você que estão discutindo, Osinda, o fascinante. Vem já e leva-me embora daqui…”

Uma figura inclinada na entrada da porta chocou Oganda que estava extasiada no pensamento acerca do homem que amava. “Amedrontaste-me avó,” disse Oganda aos risos. “Conta-me, é o meu casamento que vocês estavam discutindo? Esteja certa que me não casarei com nenhum deles.” Um riso soltou-se de seus lábios novamente. Ela estava a bajular a velhota para falá-la rápido, falá-la que eles estavam satisfeitos com Osinda.

No espaço vago do lado de fora agitados parentes estavam a dançar e a cantar. Eles vinham a cabana agora, cada um carregando um presente para pôr nos pés de Oganda. Quanto mais as canções se aproximavam, Oganda estava apta a ouvir o que eles cantavam: “É para salvar o povo, se é para dar-nos chuva, vamos deixar Oganda partir. Vamos deixar Oganda morrer pelo seu povo, e pelos seus ancestrais.” Estava ela louca para pensar que cantavam sobre ela? Quem poderia matá-la? Ela achou a figura da sua avó barrando a porta. Não podia sair. Ela considerou a face da sua avó advertindo-a que havia algum perigo na esquina. “Mãe, não é casamento afinal?” Perguntou Oganda insistentemente. Ela repentinamente sentiu-se em pânico como um rato encurralado por um gato famélico. Esquecendo-se que aquela era a única porta da cabana Oganda procurou desesperadamente encontrar outra saída. Ela devia lutar pela sua vida, mas não havia como.

Ela fechou seus olhos, como um tigre selvagem pulou para o outro lado da porta, golpeando a sua avó para o chão. Do lado de fora com uma peça de luto Labong’o ficou imóvel, dobrou sua mão para trás. Agarrou a mão da sua filha e prendeu-a com a multidão agitada na pequena cabana pintada de vermelho onde sua mãe repousava. Neste momento ele anunciou oficialmente para sua filha.

Por um longo período as três almas que amaram numa outra afectuosidade sentaram-se nas trevas. Não havia boas palavras. E nem se tivesse tentado, as palavras não teriam saído. No passado eles haviam sido como três pedras que sustentavam a panela ao fogo, compartilhando suas obrigações. Tirar Oganda deixaria-os como duas inúteis pedras que não poderiam sustentar a panela no fogo.

A notícia que a filha linda do chefe estava a ser sacrificada para que trouxesse chuva ao povo espalhou-se cruzando a região como os ventos. Com o pôr-do-sol na aldeia do chefe estavam muitos parentes e amigos que vinham congratular Oganda. Muitos ainda estavam por vir, carregando seus presentes. Preparariam-a um enorme banquete de despedida. Todos esses parentes achavam que era uma grande honra ser escolhido pelos espíritos para morrer de modo que a sociedade possa viver. “O nome de Oganda permanecerá um nome vivo entre nós,” elogiavam-se eles.

Mas, seria o amor maternal que privou Minya de estar aos júbilos com outras mulheres? Seria a memória da agonia e a dor do parto que a fez sentir-se tão triste? Ou seria a profunda ternura e simpatia que passa diante uma criança desamamentada e sua mãe que fez Oganda parte de sua vida, seu corpo? Com certeza foi uma honra, uma grande honra, para sua filha ser escolhida para morrer pela região. Mas que ela poderia ganhar uma vez que sua filha foi soprada para longe pelo vento? Havia tantas outras mulheres naquelas terras, por que preferir sua filha, sua única criança! A vida dos homens tinha algum sentido profundo – outras mulheres tinham casas cheias de crianças enquanto ela, Minya, tinha perdido sua única filha!

No céu desnublado a lua clareou lustrosamente, e as numerosas estrelas resplandeceram com uma fascinante beleza. Os dançarinos de todas as faixas etárias uniram-se para dançar diante de Oganda que se acomodou por detrás de sua mãe, soluçando calmamente. Todos esses anos tinha estado com sua gente ela pensou, compreendeu-lhes. Mas agora descobrira que era uma estranha no meio deles. Se estes a amassem como tinham sempre declarado porque não estavam tentando salvá-la? Realmente sua gente compreendia qual a sensação sentida em estar prestes a morrer jovem? Incapaz de mais conter suas emoções, ela soluçou em voz alta enquanto a sua faixa etária preparava-se para dançar. Elas eram novas e lindas e muito em breve casariam e teriam suas próprias crianças. Elas teriam maridos para amar e próprias cabaninhas. Teriam atingido a maturidade. Oganda tocou a corrente em volta de sua cintura como se lembrasse em Osinda. Ela gostava que Osinda estivesse lá também, entre seus amigos. “Quiçá ele esteja doente”, ela gravemente pensou. A corrente confortava Oganda – podia morrer com ela na cintura e usá-la no mundo subterrâneo.

Pela manhã um grande banquete foi preparado para Oganda. As mulheres preparavam variados pratos gostosos para que ela palitasse e escolhesse. “A pessoa não come depois de morta,” diziam elas. Não obstante ter olhado para as deliciosas comidas, Oganda não tocou em nenhuma. Deixa os que estão feliz comer. Contentou a ela mesma com goles de água da cabacita.

A hora da sua despedida aproximava-se, e cada minuto era precioso. Era um dia de excursão para o lago. Ela era para caminhar toda noite, passando pelo interior do grande bosque. Ela já estava ungida com o sagrado óleo. No momento Oganda se deixou tomar por uma nova tristeza pois esperava que Osinda aparecesse nalgum momento. Mas ele não estava lá. Um parente disse-a que Osinda estava fora numa visita particular. Oganda concluiu que jamais veria seu amado novamente.

Na tarde toda aldeia parou no portão para dizê-la adeus e vê-la pela última vez. Sua mãe chorou no colo dela durante todo tempo. O poderoso chefe na pele enlutada veio ao portão descalçado, e misturado com a sua gente – um simples pai na aflição. Ele tirou seu bracelete e colocou no pulso de sua filha dizendo, “Tu viverás para sempre em nós. O espírito do nosso antepassado está contigo.”

Com língua presa e inacreditando, Oganda parou ali diante das pessoas. Nada tinha a dizer. Olhou para sua casa mais uma vez. Ela podia ouvir seu coração batendo tão dolorosamente no seu interior. Todos seus planos de meninice estavam caminhando para um fim. Ela sentia-se como uma flor alfinetada num botão que nunca mais desfrutaria das manhãs de orvalho novamente. Olhou para sua pranteada mãe, e sussurrou, “quando quiseres ver-me, olha sempre para o pôr-do-sol. Eu estarei lá.”

Oganda virou-se ao sul para dar início a sua longa e difícil viagem ao lago. Seus pais, familiares, amigos e admirados ficaram ao portão e vendo-a partir.

Seu belo corpo delgado tornou-se pequenino e pequenino até ela entrar em contacto com os finos troncos secos na floresta. Do mesmo jeito, Oganda andou sozinha na trajectória que soprou seu caminho na selva, ela cantou uma canção, e sua própria voz foi sua companhia.

Os antepassados disseram que Oganda deve morrer
A filha do chefe deve ser sacrificada,
Quando o monstro do lago alimentar-se com a minha carne
O povo terá chuva.
Sim, a chuva cairá em torrentes.
E as inundações limparão as areias das margens
Quando a filha do chefe morrer no lago.
Minha faixa etária consentiu
Meus pais consentiram
Também os meus amigos e parentes.
Deixemos Oganda morrer para dar-nos chuva.
Os da minha faixa etária são jovens e maduros,
Maduros para a condição de ser mulher e a maternidade,
Excepto Oganda, deve morrer jovem,
Oganda deve dormir com os antepassados.
Sim, a chuva cairá em torrentes.

Os raios vermelhos do despontar do sol seguiram Oganda, e ela parecia uma vela queimando na selva. 

As pessoas que vieram ouvir sua canção triste foram tocadas pela sua beleza. No entanto, todos diziam a mesma coisa: “Se for para salvar o povo, se for para trazer-nos chuva, não tenha medo. Seu nome viverá eternamente entre nós.”

Na meia-noite Oganda estava cansada e esgotada. Não conseguia mais caminhar. Sentou-se sobre uma árvore frondosa, e tendo bebido goles de água da sua cabaça, repousou a cabeça no tronco da árvore e dormiu.

Quando Oganda levantou-se pela manhã o sol estava pleno no céu. Depois de longas horas de caminhada, ela alcançou uma tonelada, uma faixa de terra que separava o equivalente à região inabitada da sagrada localidade (Kar lamo). Nenhum leigo podia levar-se a esse local e sair de lá vivo – somente os que tinham contacto directo com os espíritos e o todo-poderoso eram permitidos dirigir-se ao santuário dos santuários. No entanto, Oganda tinha que passar directo desta terra sagrada em seu caminho para o lago, do qual tinha que alcançar o pôr-do-sol.

Uma vasta multidão juntou-se para vê-la na última vez. Sua voz agora estava rouca e penosa, mas não era mais preciso se preocupar. Em breve ela não teria que cantar. A multidão olhou Oganda simpaticamente, resmungando palavras que ela não podia ouvir. Mas nenhum deles parou para perder-se da multidão, e corriam em direcção a ela. Uma criança levou um pequeno brinco na sua mão suada e deu para Oganda dizendo, “Quando atingires o mundo dos mortos, dê este brinco a minha irmã. Ela morreu na semana passada. Esqueceu-se desta argola.” Oganda, espantada pelo pedido estranho, levou a pequena argola, e controlou sua preciosa água e sustentou a criança. Ela não precisava das argolas agora. Oganda não sabia se ria ou chorava. Ouviu lamentadores a mandar amor a seus queridos, há muito falecidos, mas que suas ideias de enviar-lhes presentes era-lhes nova.

Oganda prendeu a respiração como trapaça ao obstáculo de entrar na terra sagrada. Ela olhava muito atraente para a multidão, mas não havia quem se compadecesse. As suas mentes estavam tão comprometidas com a sua sobrevivência. A chuva era o precioso remédio que eles esperavam, e o quanto mais cedo Oganda obtivesse o seu destino melhor.

Uma estranha sensação apossou-se de Oganda como se ela tivesse escolhido o seu caminho na terra sagrada. Havia um barulho estranho que sempre a assustava, e sua atitude segura estava para levá-la a seu próprio inferno. Mas lembrou-se que tinha que cumprir o desejo de sua gente. Ela estava exausta, mas o caminho estava ainda complicado, então repentinamente o caminho findou na terra arenosa. A água havia se afastado por milhas da margem deixando uma vasta distância de areal. Além disso, havia uma vasta extensão de água.

Oganda sentia-se assustada. Ela queria retratar a imagem e forma do monstro, mas o medo não a podia deixar. O povo não falava sobre o monstro, nem sobre as crianças chorando que eram silenciadas pela menção do seu nome. O sol estava ainda pleno mas já não estava mais quente. Por longas horas Oganda andou tornozelos abaixo no areal. Estava exausta e desesperadamente distanciada da sua cabaça de água. Como mudou, ela sentia-se estranha como se algo estivesse seguindo ela. Seria o monstro? Seu cabelo ficou erecto e um sentimento frio paralizante percorreu-a ao longo da espinha. Ela olhou para trás, os lados e para frente, mas nada havia, excepto uma nuvem de poeira.

Oganda ergueu-se precipitada mas a sensação não deixou-a, e todo seu corpo saturou-se com a transpiração.

O sol estava a abrandar rápido e a costa do lago dava impressão de estar a mover-se juntamente com o sol.

Oganda começou a correr. Tinha que estar no lago antes do pôr-do-sol. Enquanto ela corria ouvia um barulho vindo por detrás dela. Ela rememorou bruscamente, e algo parecia arbustos a moverem-se, estava freneticamente perseguindo-a. Estava para apanhá-la.

Oganda correu com todo vigor. Estava disposta a lançar-se à água mesmo antes do pôr-do-sol. Ela não olhou para trás, mas a criatura estava por detrás dela. Fez muito esforço para pôr o choro fora, mas ela não podia ouvir a sua própria voz. A criatura encontrou-se com Oganda numa total confusão. Quando Oganda olhou-se face a face com a não identificada criatura, uma mão forte agarrou-a. E ela espatifou-se no chão e desmaiou.

Quando a brisa trouxe-a de volta à sua consciência, um homem fez todo o possível por ela. “……….!” Oganda abriu a boca para falar, mas havia perdido a voz. Ela engoliu um bocado de água e vazou de dentro da boca estranhamente.

“Osinda, Osinda! Por favor deixa-me morrer. Deixa-me correr, o sol está prestes a se pôr. Deixa-me morrer, deixa-lhes terem chuva.” Osinda acarinhou a corrente brilhante em torno da cintura de Oganda e limpou as lágrimas da face dela.

“Temos que fugir rapidamente para uma terra desconhecida.” Disse Osinda urgentemente. Temos que fugir da fúria dos antepassados e a represália do monstro.”

“Mas se a maldição está jogada em mim, Osinda, não sou mais benigna para ti. Além do mais os olhos dos antepassados seguir-nos-ão aonde quer que estejamos e a falta de sorte irá suceder-nos. Também não podemos escapar do monstro.”

Oganda perdeu a calma receosa de escapar, mas Osinda agarrou a mão dela novamente.

“Escuta-me, Oganda! Escuta! Aqui estão dois cobertores!” Ele depois cobriu todo corpo de Oganda, excepto seus olhos, com um frondoso cobertor feito de ramos de Mwombwe[3].

“Estes ramos nos protegerão dos olhos dos ancestrais e fúria do monstro. Agora vamos sair daqui.” Ele agarrou Oganda pela mão e fugiram da terra sagrada, evitando o caminho que Oganda havia seguido.

O ramo foi coberto, e as longas folhas emaranhadas em seus pés enquanto corriam. No meio caminho andado de outra parte da terra sagrada eles pararam e olharam para trás. O sol estava quase a tocar a superfície da água. Estavam aterrorizados. Continuaram a correr, agora mais rápido para evitar o submergir do sol.

“Tenha fé, Oganda – que a criatura não nos alcançará.”

Quando eles encontraram o obstáculo e olharam atrás deles trémulos, somente uma parte final do sol era visível em ambas superfícies d’ água.

“Acabou! Acabou!” Oganda chorou, cobrindo o rosto com suas mãos.

“Não chore, filha de chefe. Vamos correr, vamos fugir.”

Havia um brilho luminoso. Eles olharam para cima, amedrontados. Em cima deles duas furiosas nuvens negras começaram a juntar-se. Eles começaram a correr. De seguida um trovão rugiu, e a chuva caiu em torrentes.





[1]  Luo é uma tribo africana que se localiza no norte do Quénia e Uganda.
[2] Do inglês “Rainmaker”, das várias acepções deste conceito, aqui traduz-se de modo a significar “aquele que faz chover de modo artificial, usando meios metafísicos corrompendo a naturalidade deste fenómeno” (N.T).
[3] Mwombwe é uma árvore típica da região do Quénia, tida como sacral com propriedades de expulsar espíritos agourentos (N.T.). 


         Quem é Grace Ogot?
Grace Ogot (1930 – 2015) é uma mulher que nasceu no distrito Central de Nyanza, no Quénia, no dia 15 de Maio. Fez parte dos membros fundadores da Associação dos Escritores do Quénia. A escritora, parteira, política, Jornalista e Diplomata Grace Ogot é considerada a primeira escritora africana de língua inglesa a publicar contos, sendo dois pequenos contos, um no ano de 1962 e outro em 1964, o qual é The Rain Came (A Chuva Veio), que nos propusemos a traduzir.
Seu primeiro romance publicado intitula-se The Promissed Land (A Terra Prometida) em 1966, o segundo é The Graduate (O Graduado) em 1980, publicou ainda The Island of Tears (A Ilha das Lágrimas), Land without Thunder (Terra sem Trovão) e The Other Woman (A outra mulher). Ogot publicou também três volumes de pequenas narrativas ficcionais.
As obras da Grace não se encontram disponíveis na língua portuguesa, por este facto ousamos afirmar que este pode ser o começo da tradução de suas obras para o público de língua lusófona. 


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