Um Polícia no Notário


Um Polícia no Notário
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A corrida indefinida caracteriza a maioria na pátria dos heróis. Aqueles que vivem de gotas da esperança procuram mudar os modos “insignificantes” de vida e vigiam incansavelmente as escassas oportunidades que se oferecem. Apesar de o Estado ser de natureza dubitativa, o seu vínculo com massas não se desfez. Se quisermos ser cegamente utópicos, espera-se que as instituições estatais sejam o garante das inquietações daqueles que zelam pela estabilidade.

A notícia chegou pontualmente nos ouvidos daqueles que lêem: “Estamos a superar o vácuo causado pela “dívida pública”, preparem-se maputenses”. Está aberto um concurso público e todo indivíduo que reúna requisitos exigidos poderá candidatar-se. Como governo não esperamos com este concurso, silenciar o infortúnio generalizado, até porque as vagas continuam insultuosamente insuficientes. Trata-se da expansão dos órgãos do Estado, apesar do caos, estamos em progresso”. O que não chegou nos ouvidos dos que lêem é a burocracia que, consequentemente justifica os actos frequentes da solidariedade penosa, a corrupção.

O notário confundia-se com os comícios de Samora, a diferença é que as pessoas descontraiam-se enquanto aguardava pela autenticação dos documentos. O lugar era barulhento e muito abafado, com razão, os órfãos de padrinhos para emprego, almoçaram com o ambiente abafado devido a morosidade no processo de atendimento.

Talvez seja isso, não se sabe, mas a presença de um homem fardado naquele local levantava suspeitas. O homem era alto, tinha 1 metro e 80 de altura, suponha-se. A ronda que ele dava para manter a ordem e tranquilidade naquele lugar, tornava-o um policial empenhado. A sua fisionomia reagia beneficamente aos estímulos do calor.

O número de utentes aumentou drasticamente. O polícia, por um instante assumira a função alheia. Os sorrisos desajeitados extinguiam-se vagarosamente, os pés reclamavam descalços e o espaço não acomodava os órfãos de padrinhos para emprego. Um jovem resolveu entreter os órfãos de padrinho para emprego: “ A princípio, eu defendia a manutenção de comportamentos exemplares. Sempre odiei o Conformismo e Lambibotismo. Mas hoje, sinceramente não sei se ainda consigo manter a minha posição mediante ao ciclo duramente vicioso. Os músculos dos meus argumentos são paulatinamente abatidos pelo quotidiano. Queiramos quer não, o pseudo-sábio sobrevive, pelo menos nesta terra faminta.

O seu talento humorístico e sincero permitiu que o atendimento fosse mais flexível, queriam se livrar imediatamente dele. Entregou dois
documentos e o polícia deu indicações de que o primeiro processo era o de pagamento e seguia-se a autenticação. O humorista sincero, por alguns minutos, palpou os bolsos da sua calça e tirou o valor para pagar. Emergia um silêncio revoltante, a voz rouca ganhou uma nova forma, à moda policial: “ Os que devem pagar pelo teu espectáculo humorístico são os aderentes. Conseguiste angariar muitas gargalhadas, mas devo dizer-te que o teu humor causou-me muita fome, mas enfim… o valor que me deste não é suficiente para o despacho, precisa aumentar mais cinquenta meticais, assim consigo desmentir o estômago”.

A curiosidade esmagava impiedosamente a maioria, mas nem as paredes ouviam a voz atípica do polícia. O espanto alugou o semblante do utente humorista, pensou em revelar o mistério que se sucedia naquele momento, pensou forçosamente se continuava com o tom normal depois da informação direccionada ou candidatava-se ao cargo de líder contra a ‘’disfuncionalidade’’.

Voltou os olhos aos seus aderentes, fingiu um sorriso. Recolheu a fúria para dentro e reagiu cordialmente à notificação corrupta do polícia:
Desculpe-me imenso por ter usurpado o seu espaço, chefe, não era minha intenção. Foi involuntário e… quando quis parar, justamente naquele momento, os outros órfãos aplaudiram a minha intervenção, por isso continuei. Quanto ao despacho, se me permitisse, chefe, podia liquidar uma parte e o resto víamos como solucionar. Por favor”.

A promessa conforta os infelizes. O polícia meneou a cabeça como gesto de aprovação, mas continuou a seguir delicadamente os passos do cliente:
 “Pronto, aqui estão os teus documentos, já fiz a minha parte, falta a tua. Não me aches um polícia sensível ao dinheiro. Não sou corruptível. Estou a tentar sobreviver, irmão”. Disse o polícia.

 O pessoal do notário questionava silenciosamente a flexibilidade no atendimento, pois os processos levavam menos tempo com o auxílio do homem fardado à moda policial. Havia assumido a pasta de entregador. Estendeu-se a solidariedade para os demais, todos conseguiram autenticar os documentos, apesar da longa espera. O polícia angariou fundos, não apenas para o almoço saído do serviço. Tendo em consideração a sua vida desgraçada, tinha garantia de pelo menos uma semana de sobrevivência. E quanto aos órgãos, viram o seu dinheiro a desaparecer dos bolsos e, nem sequer um órfão conseguiu a entrevista.



Autor: ABMAZ MANZINE
Fernando Absalão Chaúque

Professor, escritor, poeta e blogueiro. Licenciado em Ensino da Lingua Inglesa. Autor de ''Âncora no ventre do tempo'' (2019) e co-autor de ''Barca Oblonga'' (2022).

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