"A poesia pode tudo!" – Otildo Justino Guido & Fernando Absalão Chaúque conversam com Alerto Bia em torno d'O DESASSOSSEGO POR DENTRO

 

"A poesia pode tudo!" – Otildo Justino Guido & Fernando Absalão Chaúque conversam com Alerto Bia em torno d'O DESSASSOSSEGO POR DENTRO
O Desassossego por Dentro

Alerto Bia é um escritor moçambicano; nasceu a 02 de Março, em Inhambane. Foi associado do CEPAN (Clube de Escritores, Poetas e Amigos do Niassa). Despontou no olimpo literário com a obra «Sonhar é ressuscitar». Em 2017, publicou «Sombras Cálidas» sob a chancela da Editora do Carmo, no Brasil. Possui uma publicação dispersa de textos em prosa e poesia no Jornal O PAÍS, Revista Literatas e no Blogue Mbenga. Foi distinguido em 4º Lugar no IV Concurso Internacional de Poesia – prémio Cecília Meireles, 2019. A obra O DESASSOSSEGO POR DENTRO venceu o prémio internacional literatura e Fechadura, 2020. É em torno deste livro que Otildo Justino Guido(OJG) & Fernando Absalão Chaúque(FAC) conversam com Alerto Bia (AB).


OJG: “sempre que escrevo/ experiencio uma fuga” pág. 38

Onde vais?

AB: A escrita como um exercício a prior de exorcismo, e também de direito para tomar o espírito da palavra viva e dela construir atalhos para o lugar de coisas ausentes. E então, sobre estas nuances onde se forja a hipótese da fuga quando se faz noite dentro da gente.


FAC: “há um fervor que sinto se abrir no peito […] de tal maneira que não sei como explicá-lo” pág. 48 .

Os poemas deste livro, no momento da sua concepção, serviram como subterfúgio contra o desassossego?

AB: Obviamente, a fabricação dos poemas d’ O DESASSOSSEGO POR DENTRO resultam de um tempo difícil, de lock-down – a humanidade mundial estava sob esta grande ordem – a perda do lugar geográfico de circulação; e as incertezas, colocaram-nos reféns à beira da loucura; e eu tenho nos poemas a casa para sonhar. 

Alerto Bia

OJG: “no fim/ sai um poema tostado/ por cima da mesa” pág. 37

Walt Whitman dá-nos o seguinte conselho “Não deixes de crer que as palavras e as poesias (…) podem mudar o mundo.” e o Mia Couto diz-nos estar convicto da insignificância da palavra em relação ao mundo, e sentencia-se afirmando “Nenhuma palavra/ alcança o mundo, eu sei/ Ainda assim, / escrevo.” E para ti, a poesia pode mudar o mundo?

AB: A poesia pode tudo, tudo pode. A arte em si é uma solução suficiente. Não pode haver vida enquanto não há poesia. Não se pode estar sem poesia, ela (poesia) está grudada em nós, a pele de cada qual. A poesia é esse motor imóvel da vida, impossível dissocia-lo de nós. Portanto, se quisermos uma sociedade iluminada, quando temos dois pães, há que trocar um deles por uma flor.


FAC: “uma sombra/ veio a se projectar de mim mesmo” pág. 59

Há aqui uso de palavras que nos remetem ao sentido da luz e da escuridão; então, qual é a distância entre o dia e a noite perante o fervor que percorre um poema?

AB: A luz e a escuridão estão sempre equidistantes; apresentam-se sempre na ausência de um do outro. É destas linhas que se destece o poema, com imagens que se desprendem da perplexidade diante do sem sentido.


OJG: “o acto de ficar em casa/ é preservar a vida” pág. 18

O primeiro caderno deste livro, intitulado Do Sopro Confinado, reflecte sobre o período de Confinamento, que todo o mundo presenciou nesses últimos dois anos. Qual, na tua opinião, o papel do escritor na sociedade?

AB: Acordar o mundo.


FAC: “a missa inteira se ouve ao alto/ estando em casa, na praça, na rua/ ou em outra parte do mundo” pág. 63. 

Otildo Guido escreve em O Osso da Água que “no poema/ cabe todo mundo/ e ainda há/ espaço para deus”. Afinal, quem é deus dentro de um poema?

AB: Esta questão me leva a uns versos de H.H do poema que escreveu: “um poema cresce inseguramente/na confusão da carne/Sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto, / talvez como sangue /ou sombra de sangue pelos canais do ser”. Portanto, parto destes versos para inferir que O NADA é o secreto deus do poema, pois “o poema faz-se contra a carne e o tempo”.


OJG: Qual é a tua relação com Eduardo White, Herberto Hélder, António Ramos Rosa e Álvaro Taruma? 

AB: São ícones para forjar a minha voz poética. 


FAC: “o invisível monstro/ com que a mãe intimida o filho” (contra capa)

Como olhas para o contexto da educação pelo medo na construção social do indivíduo?

AB: E infelizmente, estamos hoje confrontados por uma educação que falha, e consequentemente o país falha. Este medo, na construção social do indivíduo, sabemos todos, os nossos alunos são sabem ler, nem escrever, muito menos pensar; os que têm poder estão mais é preocupado com os números; em contrapartida os terceiros intervenientes do mesmo sistema, andam sem tempo, muito talvez distraídos para a educação dos seus filhos. O tempo está com pressa. Há que se repensar naquilo que queremos que a nossa educação seja, pois, e temos isto já iminente, o retorno do analfabetismo. Então, a educação enquanto nutrida pela leitura seria alguma coisa que nos pode guiar.

***

 


2 Poemas retirados do Livro O DESASSOSSEGO POR DENTRO

na demora do fim

nenhuma algazarra pela rua

e vazia, a beleza do despovoado

a morte instrui desgraça

e o coração, que é martelo, badala como gongo

sou agora móvel de casa, nos restantes dias

antes do fim

é fúnebre o olhar da janela aberta no tempo

sem atalho

para a solidão que se agiganta  na casa

esse destino

ou será essa concha de esconderijo

onde os cavalos lutam?


In O DESASSOSSEGO POR DENTRO, Editora folheando, Belém, 2021.

 

Fernando Absalão Chaúque

Professor, escritor, poeta e blogueiro. Licenciado em Ensino da Lingua Inglesa. Autor de ''Âncora no ventre do tempo'' (2019) e co-autor de ''Barca Oblonga'' (2022).

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