A miúda parada no parapeito da janela de uma velha casa como uma ave

 

A miúda parada no parapeito da janela de uma velha casa como uma ave

Coitada!

Ela está parada no parapeito da janela como uma ave. Olha para a rua sem ninguém. Surjo atrás da curva, de repente, ao compasso dos passos. Olha-me a mim. Vou com a cabeça baixa, dentro do livro, os olhos enterrados nas palavras. Leio sempre algum livro quando caminho pela rua. Os livros são maus, são eruditos, não são objectos para dar às crianças brincarem com eles. Os livros rasgam os corações das crianças, aliás, os livros não são brinquedos, as crianças rasgam as folhas dos livros em papelinhos. Eu próprio em criança arrancava as folhas dos livros e fazia de papeis navios, aviões, e chapéus para me proteger do sol. 

Olho para ela. Usa óculos escuros. Os dreds enrodilhados no alto da cabeça. Olha-me a mim. Assemelha-se a uma ave molhada buscando conforto no batente da janela. Olho-a de soslaio. 

O casarão está suspenso pela erosão. As folhas das janelas carcomidas pelas chuvas e sol. Os degraus gastos. O casarão é uma ruína com uma ave pousada no parapeito da janela. 

Se pudesse deixá-la com um livro, e passar recolher na semana que vem. Mas não, é má ideia. Os livros não servem para crianças. As crianças destroem dos livros. Sempre que deitam mãos para alguns volumes, vem-lhes à tona, a ideia de construir um navio, construir um avião, ou um chapéu. Os livros não são brinquedos, são explosivos! 

Deixo-a para atrás e prossigo andando, mas penso nela, a miúda parada no parapeito da janela de uma velha casa como uma ave.


Nelucha das Dores


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