Tédio! – Gerson A. S. Pagarache

 

Tédio!

Por: Gerson A. S. Pagarache

Diante de mim está uma tela reluzente. O ecrã emite um texto, um parágrafo, uma combinação de grafemas. A revista aguarda pela versão revista desses grafemas. Fá-la-ei aguardar ainda mais. Aquele parágrafo é um pé no saco, com uma sintaxe de quebrar o esfíncter. Meu dia já começa esconjurado. Que desprazer! Minimizo o documento.

Do lado esquerdo do laptop, José Craveirinha convida-me a ‘‘Babalaze das hienas’’. Lembro-me dos meus comprimidos diários: três poemas por dia. Então rasgo José ao meio. Leio ‘‘Gula’’. Reflicto. Leio de novo. Reflicto. Gula é um dos sete pecados capitais. Gula é a satisfação pessoal, a todo custo; é o egoísmo, é a subjugação do outro. É, em última instância, mais um caso de vaidade. Leio ‘‘mina antipessoal’’. Que narração poética! Ou será poética narrativizante? Sei lá. A história é assertiva. A decadência de uma carreira. Vem a condizer com o que sinto: decadência. Em facto, não sinto nada. Uff! Tento ler o terceiro texto. Um apagão cerebral. Não me apetece. Fecho Craveirinha.

– dr Gerson?

– Sim?

– Chá?

– Adiantem.

Nem fome, velho. Raios! Do lado direito do computador, o celular pisca. Sempre pisca. Não há aparelho mais distrativo. Reduz o tempo de trabalho. Reduz o tempo de leitura. Preciso instalar uma lei: celulares terminam em silêncio na recepção. Apenas a serem verificados à hora do almoço e de saída.

Coloco a senha, ligo os dados. Sondo o whatsapp. Mensagens de grupos. Alguns já dedicaram o tempo de um livro escrevendo no whatsapp e, ainda, não se deram conta.

– Bom dia, a que horas estarás no escritório hoje? – Mensagem privada.

– Viva, meu caro, como vai? – Um chato!

– Falta muito para terminares a minha revisão? – A este responderei depois.

– Oi, como estás? Ainda aguardando a tua resposta pelo e-mail! – Vai continuar aguardando.

No facebook, rolo o feed. Festim de memes e críticas. Estamos tão tristes que nos refugiamos na euforia ou na ofensa. Um mecanismo de defesa. É mais fácil criticar ou rir do outro do que encarar os nossos próprios demónios. Desligo os dados. Não me apetece nada. Apetece-me, apenas, abrir um novo documento e escrever: que tédio!

                                   Fonte: entediado.jpg (800×450) (pensamentoliquido.com.br)


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