Parte desta exposição baseia-se na versão do livro traduzida para português, por Tânia Ganho, pela editora ASA. Portanto, intervenção legitimada.
O
fenómeno linguístico que me pescou os olhos lendo a magnânima obra de
Chimamanda, rica em matérias de índole ideológica e psicológica, por abordar, em parte, sobre a intolerância religiosa, foi a maneira mais atípica de
tradução de termos de origem africana, quando um personagem ou o narrador
efectua o codeswicthing entre o
inglês (língua oficial em Nigéria, terra da escritora) e o Igbo, uma das
línguas mais faladas no mesmo país e das línguas africanas mais famosas.
Na
literatura moçambicana, em que o texto fala a língua portuguesa, quando
despontam termos de origem bantu ou neológicos, frequentemente, os autores
adoptam três estratégias possíveis de tradução: (i) nota de rodapé, quando no
fim da mesma página se coloca a tradução do termo bantu ou neológico; (ii)
glossário, quando a tradução é reservada para a parte final do livro e (iii)
tradução “intradiegética”, quando o narrador traduz directamente, durante a
narração, o termo bantu ou neológico. São exemplos desta última forma de tradução
os livros de Ungulani Khossa: Ualalapi, Orgia dos Loucos, entre outros.
Na
obra de Chimamanda também ocorrem temos de Igbo, em “entrelinguagem” com o
inglês. Mas, como ocorre a tradução? Aí é que reside a beleza do texto: simplesmente,
NÃO HÁ TRADUÇÃO. A autora não traduz os termos de Igbo inseridos na obra. Apenas
em dois ou três casos ocorre uma tradução intra-textual. De resto, a autora
prossegue com o discurso como se escrevesse em uma só língua. E isso é
extraordinário pelas seguintes razões: (i) tal como as palavras desconhecidas
da língua dominante (inglês) que obrigam o leitor a socorrer-se de um
dicionário, as palavras de origem africana fazem/podem fazer o leitor socorrer-se também de um dicionário (físico ou virtual), por que não?, (ii) a
falta de tradução parece dar uma sensação de um status igual entre as línguas oficial e africana, tratando as
línguas da mesma maneira e com o mesmo valor sociolinguístico, o que é magnânimo.
Para o nosso moçambicano contexto, esta estratégia de lidar com o multilinguismo na literatura seria inovadora e seria ainda um excelente mecanismo de promoção de igualdade linguística. Ademais, impulsionaria o prestígio das línguas bantu ao nível internacional, embora o desafio imediato disto seja o de disponibilizar dicionários físicos e virtuais de consulta geral.