O Irmão Espírito Santo

 


— Phela Joaninha ata tchata!, awusvitiva? (Joaninha vai casar-se!, sabias?)

— Yuh, com quem? Não me digas que com o irmão Espírito Santo?

— Irmão Espírito Santo?, himani xolexo já? (Irmão Espírito Santo?, quem é esse?)

— Aquele obreiro, sei lá, com quem viste ontem, à tarde!

— Já é irmão Espírito Santo por quê? 

— Ah, aqueles lá sabem o que é namorar, laifar? 

— Oh, sabem. Kuni namoro cristão (Existe o namoro cristão).

— Nasvili svayini! (Não é nada isso!) 

— Ina, é com esse mesmo! 

— Uku juro?! (Jura lá?!)

— Bem mesmo!

— Está de parabéns a gaja.

— Ha... Vina, eu não tenho nada contra, mas...

— Hum, Kinita, lesvo svini vito (Isso tem nome), é inveja, djô!

— Inveja svayini? Alguém que nem namorou, só ia à igreja, vigílias, retiros, e já está a casar-se? Lar não é brincadeira. Pior nessas famílias de gente que reza muito. No fundo no fundo, são os piores, com exigências p'ra o caraças. Estou a te abrir, eu! 

— Oh, nawu i nawu, bay! (Lei é Lei, amiga!)

— Vina, não há “nawu i nawu” aqui... As pessoas devem conhecer-se, casarem-se sabendo como o outro é.

— Mas é verdade!

— Ah, svosvi uli é verdade, né? (Agora dizes é verdade, né?)

— Não sou eu, Kinita, são as igrejas.

— Igreja svamapato só. Igreja somos nós, são as pessoas. Eu conheço muita gente que se refugia nessa coisa de igreja, djô, bebe muito mal às escondidas. Pior, anda a comer filhas de dono às escondidas. São os primeiros bandidos, esses. Porras...

— Kakakaka... Amiga, do jeito que falas, até parece que queres o damo dela...

— Quem? Nem um pouco. Prefiro gajo que me mostra como é do que gente escondida nas obras do Senhor, quando são maiores amigos do diabo.

— Amiga, já te decepcionaram com um “tchetcheiro”, né?

— Bem mesmo. Fora e na igreja viam-no como um cara legal, mas, bay, akusvirhandza?! (Gostava de...)

 

Risos entre as duas, após selar, Kinita, que o seu ex-namorado era um fanático de sexo e mulheres.

— Yuh, wena Kinita utani hlekisa! (Far-me-ás rir, Kinita!)

— Nakó nayivona hiku hanya! (O que a vida me prega por viver, eich!)

— Assim, como terminaste com o fulano?

— Epa, não deu. Traiu-me com a minha melhor amiga de lá mesmo da Liberdade, antes de eu viver cá em Laulane, com o meu pai. Djô, era um gajo bonito, alto, com produto no ponto. E sabia usar o seu produto, mas, hi... Axisayani! (...mas, hi... era mulherengo!)

— Homem não presta, Kinita!

— Duvidas?! Eu sei que homem não presta, mas mais vale ele não fingir, pior, refugiando-se na Bíblia, na igreja, esse é o maior pecado. Godaile (Deus), assim, te castiga mais do que o pecador nato e deliberado.

— Tens razão, bay. Agora, quem te garante que Kalbe não é mulherengo?

— Vina, fiseka, wena! Na verdade, ele pode ser, mas não se refugia na church. Pelo menos honra com os seus culhões, bay. Tenho nojo de cristãos mafiosos. Mas he…, no dia em que encontrar Kalbe com uma gaja, mamano... essa moça vai voltar para onde saiu, mesmo que a mãe esteja morta, chiça!

— Wena Kinita wabiwa, sabe?! (Tu és louca, Kinita!) Mas, deixando de brincadeiras, homem é assim, por isso gosto do meu Kalbe, não me mostra e sabe tomar conta de mim.

— Então, amiga, deixa a nossa maninha casar-se à vontade!

— Kakakakakakka... Lweyani ata tlela wukatini (Risos… Aquela vai voltar do lar), só se o tal gajo for um matreco como ela e a família não for exigente.

— Queres começar, Kinita!

— Mamã, lar é como emprego. Primeiro estudas para fazer exame, vais à faculdade, sofres, ficas anos e anos, noites perdidas e és graduada, depois, estagias, rastas à procura do job, no fim, estás num bem bom, embora muitos nem ao bem bom cheguem... Phela xawutomi i matchimba, sabe? (A vida são fezes, sabes?!), alguém estudar, sofrer, p'ra depois chutar latas!, depois um fofinho que nem o que é biscate sabe, estar a te partir tako no fim do mês. Enfim, mas é isso aí, lar não é para, da noite ao dia, dizeres que estás a ir ‘kandzar”.

— Mas ela aprendia a cozinhar, andava de capulana sempre, é boa moça, bay!...

— Hawenô, boa moça svayine? Sabe o que é ser traída aquela ali? Sabe o que é “minette” aquela ali? Sabe fazer broche? Sabe segurar homem? Sabe... Phela, as coisas que andamos a fazer, às vezes não são por malandrice, não são por querermos, é questão de sobrevivência. Homem é um pato autêntico, podes dar tudo e ainda te trair, te fugir, então, para além de dar, é a forma como se dá que o segura. Onde se aprende? Com quem? Nas malambas da vida, como dizem os mangolês.

— Mas Kinita, se é pato, mesmo dando bem, se quiser trair, vai trair.

— Sim, mas enquanto foi bem dado. Assim, se for para lhe deixar ou mesmo lhe esfaquear, lhe fazer isso com dignidade. Não podemos deixar de cuidar deles com dignidade porque por natureza são assim, o que fazemos para mudar a situação?

— Tchova... Mana Kinita, só?! Gostas muito de ver Mana Cecy, né?

— Não é mana Kinita que nada, nem mana Cecy, são essas coisas que ela e outras mulheres blindadas devem saber, ouviste? Conheço muitas manas que descobrem isso tarde, e querem aplicar já quase a atingir a menopausa, hiku pandela kutxata (...por correrem para se casarem).

— Mas é verdade!

— Nyonyonyonyo svayini? Ntla! (É verdade o quê?)

— Enfim, é a life!

— Mas conta lá, e as coisas com o boss Kalbe?

— Estão a andar muito bem. Os tombos da vida ensinaram-me a saber farejar o que lhe agrada ou não, surpreendo-o a cada dia. Acho que, logo que o ano se iniciar, a família virá pedir a lista.

— Mana Kinita, só... Eu quero ser dama de honra!

— Estás a ver, né?! — Diz aquilo, descendo a cabeça ao ombro e passando a mão direita à cinta, como aceno de ginga!

Ali, Kinita e Vina ficaram a cavaquear sobre os seus relacionamentos, tombos e planos para o futuro, tanto o breve quanto o longínquo.

Joaninha, que fora o pano de fundo da conversa, dois meses depois, contraiu o matrimónio com John, um jovem que, perante a sociedade, era muito religioso, pois que andava sempre com Bíblia, era possível encontrá-lo sempre com irmãos da igreja, carregando uma guitarra ou Bíblia Sagrada, Corrigida e Comentada. Se fosse com o primeiro instrumento, estaria a voltar dos ensaios da Juventude; se fosse com o segundo, o Sagradíssimo, estaria a voltar de algum culto de adoração ou vigília. Nessas cruzadas, ele sempre andava com meninas, irmãs da igreja, que tanto o admiravam, não só pela retórica que carregava quando fosse incumbido a dirigir uma adoração, como também quando fosse incumbido a pregar a “boa nova”. No canto, sem comentários, era um maestro que dominava as quatro principais vozes: soprano, alto, tenor e baixo. E, quando necessário, com o contralto, substituía algumas irmãs que faltassem aos ensaios e/ou apresentações, para não destoar as lindíssimas composições de sua autoria. 

Aliás, foi num dos cultos de adoração em que Joaninha se apaixonara por este jovem que, segundo comentários, já teria engravidado duas irmãs, as quais abortaram, não só pela idade como também por medo dos seus ascendentes, uma delas, filha do Pastor Matlombe, outra, filha do grande Evangelista daquela congregação cujo nome me foge.

Sucede que, volvido um mês, prestes a se casarem Joaninha e John, descobre-se que Joaninha se ia casar porque estava grávida e os pais dela, que eram Conselheiros da Juventude, não podiam fazer desfeita e, embora não conhecessem as falcatruas do seu genro, adoravam-no, pois eram exímios admiradores dos seus feitos, longe de si que tinha outros, macabros, com as irmãs da igreja.

Joaninha e John casam-se e, um ano depois, já com uma filha, morando em sua casa, oferecida pelos pais da Joaninha que, para si, dinheiro não lhes faltava, tratavam-no de você para tu, Joaninha vai à casa dos pais, no seu Sientra preto, oferecido como presente dos pais da Joaninha aos noivos, carregada de sua roupa e da filha, a chorar, rogando divórcio, pois descobrira que John engravidara uma irmã da igreja e tinha um filho fora com a filha de um Tesoureiro da igreja, cujo aborto tinha falhado. O divórcio, deveras, aconteceu!

A notícia é cavada por Kinita, por ver, durante um mês inteiro, Joaninha a sair e voltar do serviço à casa dos pais.

Kinita liga para Vina que, naquele período, estava no IFP de Namaacha, a fazer a formação Psicopedagógica, para ser professora:

— Amiga, há novidades!

— Qual é a cena? Já há data do teu casamento?

— Fiseka, pá! A família do Kalbe vem p'ra o mês.

— Então, qual é a cena, já?

— Não atrapalho?

— Não! Estamos de repouso hoje!

— Ahã!

— Eu não disse que correr não é chegar?

— Kinita, conta lá, pá!...

— Utshama utsumbile para kutwa manovidade, sakana! (Ficas sempre tesa para ouvir novidades!)

— Amiga, você não muda!...

— Se eu mudar, não terás amiga igual.

— E é verdade! Mas, Kinita, pá, pára de me concentrar. Conta, bayê! 

— Eu estava a estranhar, há bons dias que vejo Joaninha em casa!...

— É normal, deve estar a passar uns dias em casa do pai.

— Dias svayini?!, procurei por aquela moça que estudou connosco na secundária, bay. A Sarah. Reza com ela, estava no casamento dela.

— Yuh, aconteceu o quê, bayê?!

— Espera eu te activar, vou ligar-te com número um...

Minutos depois, Kinita escreve à amiga, dizendo que já não tinha saldo, o que lhe restara acabou com aquela conversa. Sem demora, Vina, ancorada às promoções da Vodacom, uma telefonia móvel que se digna(va) ajudar os seus clientes até ao extremo, concedendo-lhes serviços como o “Txuna Crédito”, que lhes dava vales em crédito e não só, para que estes usassem para fins que lhes apragisse, liga para a amiga de volta, já com o serviço número um, que permitia, com apenas dez meticais, falar por uma hora:

— Miga, miga, venha daí...

— Djô, marido da Joaninha meteu chifres aquela gaja, djô!

— Qual é a cena?

— Traiu a gaja e ainda descobriu que andava com irmãs da igreja e que tem filho fora, com uma irmã da igreja, djon!

— Hi, bayê! Que babado! Muito triste!...

— Triste svayini?! Não te disse eu que estes irmãos da igreja de santo não têm nada? São Santos, sim, mas sem "éssi".

— Djô, estou para baixo!...

— Para baixo o quê? Utshama usvivona kwini kuxava xifambu ungaxi pimanga? (Já viste onde comprar sapato sem experimentar?)

— Mas Kinita?!

— Ha... É bom, para aprender. Não te disse, eu? Não te disse? Muita atenção, minha querida. Casa, mas depois de conhecer a tua peça. Casamento não é lobby, mas, sim, um compromisso, um contrato social!


Por Carlos da Graça

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