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Com os olhos esbugalhados, cigarros transformados em cinza, ela forma frases, parágrafos, é uma página de imaginação proibida. Nascer para os outros é, a meu ver, uma bênção que nenhum cristão descreveria. Esses pronunciamentos são frequentes quando a Achivangela fala. Com um poder discursivo à altura, solta as pontas da fúria feminista ou pelo menos confunde-se com isso. Além de escrever poesia que ensurge patriarcas, a palavra família não perdeu lógica nas suas filosofias. Casou-se cedo com um escritor que escreve sobre o amor mas não ama. Foi esse facto que impressionou a Achivangila em Tony. Houve debates sem plateia sobre a palavra (amor) no mundo clássico e moderno. A ciência social e a poesia entrecruzavam-se sem ressentimentos nenhuns.
- Nós, com todo egoísmo que a vida e o capitalismo nos impõem, usamos a palavra amar para monopolizar. – Disse Tony, com uma certeza que assustou o seu próprio semblante.
- Depende, Tony.- Replicava a Achivangila, com um cigarro electrónico.- Mas, como é que alguém que ama pode ter intenções monopolistas?
Ao conversar com o Tony, a Achivangila usava o vocabulário dele. Primeiro foi por instinto e posteriormente fazia-o porque o Tony sorria sempre que se apercebia da repetição de um vocábulo. Feita a pergunta sobre o monopólio do amor, Tony tirou o cigarro electrónico na boca da Achivangila e esmagou com o seu pé direito.
- Não fumes essas merdas. Ama-te a ti, antes de falar da hipocrisia do amor entre as pessoas. Ofereceu um cigarro normal e continuou com a conversa. – Sim, quem ama quer possuir, controlar e, infelizmente, quando se nota o contrário, o amor declarado desaparece como esse fumo de cigarros que expelimos pela boca. Às vezes, nos confundimos com as palavras dizendo que amamos. Mas, convenhamos, trata-se de uma construção social das palavras. Gosto de ti é menos chamativo e, por isso, se eu disser que te amo, vais me olhar, ainda que leves à lixeira a minha declaração.
Soltaram gargalhadas e sem a noção do tempo, iam falando sobre os outros tópicos. Homossexualidade, Socialismo e Socialismo Utópico. A Achivangila disse que sonha com um mundo cujos homens e mulheres sejam pessoas, acima de tudo. O termo pessoa para ela significava: humanismo. O Tony interrompeu-a com uma palmada suave no ombro.
- Amo-te. – Disse o Tony.
- Eu também te amo. Casa com as minhas manias e tudo? O casamento oficial é opcional. – Ela respondeu como se perguntasse o preço de tomate num mercado informal. Tratava-se de um acordo verbal jamais visto na vida real.
Por Jorge Azevedo Zamba