As Baggy Jeans Atenuaram o Meu Desejo de Ser Rasta

 



Tem se dito que o ser humano é produto das suas interações com a sociedade, será verdade? Sinceramente, não sei, talvez os meus amigos Andrade Cossa, Kheron Hapuch ou Silmério Uaquessa podem me auxiliar a validar ou invalidar essa afirmação; o que eu sei é que sou produto do amor do senhor Augusto Tembe e senhora Madalena Chirindza quando decidiram acoplar-se num dia qualquer do décimo segundo mês do ano, e é bem provável que tenha sido no intervalo do dia 24 a 31 (risos). Mas isso não vem ao caso!

As relações sociais sempre se revelaram um elo sólido para manter em equilíbrio a sanidade mental do Homem, pois a sociedade é o local onde o Homem tem a possibilidade de se expressar e conhecer múltiplas emoções que edificam este cassulo colectivo e sensível.

Admiro pessoas que têm facilidades para estabelecer rapidamente relações com seres desconhecidos, eu infelizmente não tenho essa habilidade, o meu espírito introspectivo ganha vida própria ignorando os meus comandos sempre que pretendo estabelecer uma relação afectiva com desconhecidos, por isso passo mais tempo em casa, o ambiente isolado afaga o meu íntimo. O desejo de estar sozinho em casa, nem sempre o alcancei com êxito, tive que me adaptar à realidade das famílias africanas; o numerosa agregado familiar deixava meu “eu” irrequieto, mas graças a Deus que existe a música no mundo. Desde que me conheço como gente, acho que a música me serve de refúgio para atenuar a minha sociofobia, e o reggue sempre me acompanhou nessas fugas lúdicas, influência do meu pai que tinha instalado uma “mini-Jamaica” musical na nossa residência, que o diga o tio Matola nosso ex-vizinho que era fanático pelo “legalize it” do Peter Tosh, pois sempre que a “Jamaica” era activada, ele peticionava a tal música. Já eu, me deliciava de forma inconsciente nas mensagens de positividade que eram expalhadas pelo indivíduo que eternizou seu pseudónimo como o rei do reggue; Marley fascinava (e continua fascinando) meus olhos. “Jamming, Satisfaty my soul, Is this love, Could be loved, Natural misty, Easy skunk”, sempre foram as compilações que habitualmente residiam na minha play-list quando a lapiseira e o cassete de fita magnética pousavam na minha mão; mas “Redemption song” abafava a todas, na escala de G e nos intervalos lúdicos do compositor, essa composição me levava ao céu e despertava em mim a vontade de ter os dreadllocks, pensando eu que ser rasta era ter aquele cabelo crespo e longo. Essa fantasia nutriu-me a mente até descobrir que ser rasta - é um estado de espírito, isto é, ser crente da religião Rastafari. Aí o meu enfado ruíu, “como serei rasta numa sociedade que desconhece os princípios do Rastafarismo?”, a pergunta me assaltava a calmia dos pensamentos tornando-os reféns da incerteza do futuro que atormenta a consciência dos adolescentes.

Continuei minha jornada musical, confortando o desejo “intagível” nas pegadas eternas deixadas pelos homens que espalharam pelo mundo a filosofia Ubuntu aliada à religião Rastafari. “Down pressorman” de Peter Tosh invadiu minha aura e as correntes que refrigeravam o âmago do tio Matola, acredito que se transladaram para o meu corpo, passei a escutar Tosh religiosamente e “down pressorman” passou a ser minha oração diária, e cada vez que divagava nas palavras musicadas fui descobrindo outros horizontes como a composição “why must I cry” em que, a voz do Peter se faz ouvir desmontando toda personalidade de que “o homem não chora por amor”, “I will never fall in love again, ‘coz my heart is in pain” este verso declina a afirmação manchosa propalada pela sociedade, o artista nos prova nitidamente que o homem também deita as águas salgadas pelos olhos por causa do amor quando a solidão decide acomodar-se no seu coração.

Após um tempo considerável navegando nas ondas sonoras de Kingston e de outros quadrantes do mundo como é o caso de Djarmani na boleia dos UB40, e do Djone acompanhado pelo missionário de reggue africano Lucky Dube, mudei o horizonte caindo no mundo da “Thug Life”, 2 Pac me recepcionou de mãos abertas e deixei-me encantar pelo “Dear mama”, assim começava minha iniciação para emigrar no rap norte-americano.

Meu vestuário ganhou nova “roupagem”, pois quis me afigurar a aqueles gajos que faziam meu coração desejar repar até que “o mundo acabasse”. Comecei a explorar a internet como um cão farejador para nutrir o meu apetite inestiguível de rimar e encantar os que me cercavam. Nesta incursão de criar um rapper em mim, contei com ajuda do Datunaldo Ferrão e Crisólogo Mondlane, que me serviam de inspiração para libertar o rapper em mim que estava ávido por lançar rimas e flow inesquecíveis. Mas a minha vontade, não passou de um ensejo como fogo de palha, arrumei as “botas” antes de calçá-las, descobri que escutar os outros é a arte mais valiosa do mundo. Voltei a minha jornada auditiva, imigrei para o rap nacional e Azagaia como o pai do filho pródigo me recebeu de braços abertos e afáveis. “As mentiras da verdade” um título que emana um contraste frásico, me chamou atenção, deixei os preconceitos mentais de lado e deleitei-me na composição fazendo da mesma um novo hino para embalar a alma. Azagaia foi um portal escolhido com êxito para divagar no rap feito por moçambicanos, depois de muito navegar neste artista, atraquei no colectivo M2, Flash e Legacy deram vida às asas que pensei que estavam quebradas, o desejo de repar ganhou de novo o fôlego, mas não dei ouvidos a vontade para não inviabilizar o reprocesso auditivo que tinha me proposto a seguir.

Do M2 ao colectivo dos rappers da MTL (Matola), Pitchó deslizando com mestria nos beats clássicos do rap jazz, fez minha alma estremecer e abrir novos caminhos que me levaram ao destino de apreciar a fusão do rap com outros estilos musicais, e Presságio veio a solidificar esse apreço que tenho pelo rap jazz.

Durante um tempo considerável acompanhei os “comboios” dos mc's da estação underground da MTL, e o encanto ganhava extensão pelo meu corpo, e decidi cruzar a portagem para MPT (Maputo) como forma de não tornar minha mente quadradada. Jealers B num flow antípico dos gangster-rappers que poluíam a metropóle da capital da Pérola do Índico, conseguiu seduzir a atenção do meu ouvido. “Maravilha da vida” cimentou o meu apreço por este rapper e video-maker do bairro Central; o sopro suave do saxofone-alto por toda extensão da instrumental me fez acreditar que os producers moçambicanos estão preparados ao mais alto nível para gladiarem com os produtores d’além fronteiras, e estão preparados para atender as exigências (que não são poucas) dos rappers.

Ao passeiar o meu ouvido pelo leque vasto do rap feito na MTL e MPT, descobri que não precisamos vestir todos a mesma camisola para o nosso amor por um movimento ser reconhecido, pois ao vestir a mesma camisola acabamos por nos tornar “quadrados” e rotulando os outros, descobri que os personagens secundários também são peças importantes no desenrolar de um enredo; escutar os artistas também deve ser uma arte a ser considerada visto que, os artistas não se auto-materializam, precisam do público para dar sentido às suas criações, por isso mano(a) não deixe de mostrar o amor que tens pelo teu artista favorito sempre que o tempo favorecer.

Big up a todos artistas do ouvido (espectadores/ouvintes) que não deixam seus ídolos perecerem no mural do esquecimento que a mídia grafita!


Arnaldo Tembe

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