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O suor desprendia-se do rosto beijando a secretária como as gotículas tristes das nuvens que beijam o dorso da crosta quando sua língua fica ressequida. Olhei-o com mil pensamentos corroendo-me a mente: será?
A pergunta assaltou-me o entendimento, derrubando todos pré-conceitos que se tinham firmado na epígrafe dos meus devaneios. Mordisquei o avesso da caneta, num exercício que testava a longanimidade dos meus neurónios. Virei bruscamente encarando a face encharcada do mancebo:
- E aí?! - A voz saiu-me roboticamente. - Deu para pensar?
O nervosismo tornou a transparecer em forma de salgada água, salpicando seu rosto. Afinou os berlindes escamoteando o brilho que revelara quando cruzou a fronteira desta sala.
- Vais cooperar ou não?
O mancebo reboliçou no assento metálico vestido a branco, despencou seu olhar nas mãos pulseiradas sobre a mesa. Disse algumas palavras que meus órgãos auditivos classificaram-nas como inaudíveis.
- Quais são as garantias que me oferecem? - Afirmou encarando-me.
- Tua liberdade...
- Assim o dizes... - Levantou os ombros num ar de desdém. - Vocês não são diferentes de um gajo que seduz uma pita virgem...
Deu-me vontade de libertar a gargalhada que se entalava na garganta, mas apaziguei os ânimos voltando ao meu papel de negociador.
- Pensas que aqueles tipos vão carregar um fardo nas costas como tu? - Meus olhos cruzaram-se com os do miúdo. - "A corda sempre rebenta no lado mais fraco" como dizem os brasileiros.
Sua expressão facial repentinamente metamorfoseou-se como o temperamento de uma mulher quando está de TPM. Por instantes, cobicei a posição de Deus para poder perceber os pensamentos do miúdo. Permaneceu 360 segundos amordaçado pelo silêncio.
- Algo me diz para não confiar...
- A mente sempre fabrica incertezas que acabam ameaçando o corpo; é o normal do ser humano, pois uma mente submersa na incerteza produz incongruências.
A porta foi aberta bruscamente pelo meu companheiro do labor, Edilson Cuco.
- Já está estimado, os indivíduos puseram a boca no trombone.
Olhei para o mancebo com um olhar desiludido; ele cabisbaixou o semblante como uma flor numa tarde escaldante no penúltimo mês do ano.
- Como ouviste... o tempo não espera pelos caprichos de uma mente incerta, corre espontaneamente como a transformação de um rebento... como disse: numa caminhada longa, ninguém sente prazer em carregar fardo alheio.
O silêncio voltou a namoriscar a prepotência do miúdo convidando-lhe a um exercício mental, pois tínhamos que apresentar as instalações que seriam ocupadas pelo jovem, enquanto aguardava pelo julgamento dos seus actos nefastos que lhe sobrevinham nas costas, o estupro de uma moça que de 5475 dias de existência aquando do seu regresso da academia no período nocturno. Olhei para a cara embrulhada do miúdo, e uma frase assaltou atenção da minha consciência: "o tempo é inimigo de mentes inseguras".
Por Arnaldo Tembe