Por: Fernando Banze
O
programa Café Fresco convidou-me na qualidade de estudante de Filosofia para
tecer meus comentários sobre a medida tomada
por Jair Bolsonaro referente ao decreto
do fim das faculdades de Filosofia e Sociologia no Brasil. Na mesma linha de
pensamento, gostaria de partilhar convosco meu ponto de vista sobre este
decreto.
1.
Em primeiro gostaria de congratular Jair Bolsonaro pela coragem que teve, na
verdade, são vários presidentes que querem tomar esta medida, mas fazem de
forma tímida e escondida. É verificável de forma indirecta na medida em que
muitos estudantes de Sociologia e Filosofia frustram-se no acesso ao mercado de
emprego. No caso concreto de Moçambique, o debate da descontinuidade de
faculdade de Filosofia é notável pela marginalização dos formados nessas áreas,
ou seja, ainda não tivemos alguém corajoso para dizer de forma crua sobre o fim
das faculdades de Filosofia e Sociologia, por isso considero a atitude de
Bolsonaro como corajosa e reflecte aquilo que são os desejos de muitos
presidentes. O decreto de Bolsonaro é o reflexo dos desejos de vários
presidentes.
2.
Agora vamos ao conteúdo do mesmo, esta medida a meu ver, tem legitimidade de
ponto de vista económico, pois a figura em causa argumenta que quer investir em
áreas que gerem retornos imediatos, como é o caso da medicina, veterinária,
engenharias, etc. Neste cenário, a Filosofia e Sociologia não encontram
espaços, pelo facto de não gerarem ganhos imediatos e materialistas. O grande
erro de Bolsonaro foi tomar essa medida de forma isolada, ou seja, não teve uma
visão holística.
Recuando
na história, a Filosofia já foi descartada no campo das ciências, por isso a
medida de Bolsonaro não me assusta, usando uma expressão de Mário Viegas, a
filosofia já teve seu “K.O”, E isto remonta a era de especialização, no qual
cada ciência tinha seu objecto de estudo definido e seus resultados mensurareis
e tangíveis. Exemplo: a física produz bombas, química enxofres, entre outras
ciências. Agora a questão que se colocava é: o que produz a Filosofia?
Como
uma mãe qualquer, a Filosofia olhou para seus filhos de forma piedosa e sem nenhuma
resposta. Se manteve calada e por isso foi jogada pela janela devido ao seu
carácter imaterial e ideal. Portanto, SEM a Filosofia na arena das ciências tudo
virou uma desordem. Foram experimentações feitas em seres humanos, produções de
bombas nucleares de forma desenfreada, armas químicas, mortes, suicídios,
destruições, guerras, etc.
Mediante
este cenário, houve uma necessidade de parar e reflectir sobre o progresso da
ciência “materialista”. Afinal, que tipo de mundo que nós queremos? Que
progressos são esses? Com a mão na consciência, resgatou-se a Filosofia para
arena das ciências, ou seja, surge um O.K da Filosofia. E como uma mãe qualquer
que ama seus filhos, ela sempre aceitou ao perdão dos mesmos.
Porque
trazer este facto histórico? Ilustres, as coisas não devem ser vistas de forma
isolada, cada ciência tem importância na sua área de actuação. Através deste
facto histórico podemos constatar que algo grave estava a falhar com o
progresso da ciência, a componente humana estava a RETARDAR. E a Filosofia na
sua componente ética refere-se ao conjunto de reflexões sobre a melhor forma de
ser e estar em sociedade. Foi este dado que se ignorou durante o apogeu das
ciências exactas.
Será
que Bolsonaro tem em mente este dado? A filosofia actua directamente para com a
humanização da sociedade, não gera ganhos imediatos e muito menos ganhos
materiais. Por isso digo, este decreto não foi holístico, apenas vai robotizar
os estudantes e quiçá os cidadãos brasileiros e o grande risco disso tudo é
tornar o ensino entediante.
3.
Esta medida só vai tornar a Filosofia e Sociologia como algo da elite. Conforme
nos diz o próprio Bolsonaro em sua rede do Twitter,
“quem quiser estudar a filosofia, que
fá-lo com dinheiro próprio”. A Filosofia na sua origem foi algo das elites,
de uma minoria, mas com o andar do tempo saiu dos castelos e palácios para as
maiorias, e o resultado visível disso foi o desenvolvimento de uma consciência
crítica por parte dos cidadãos Brasileiros, abertura de espaços para discutir
temas ligados a ética, como é o caso do Café Filosófico. Entretanto, elitizar a
Filosofia, é o mesmo que fazer um esforço regressivo. Em rigor, é negar o
conhecimento à maioria desfavorecida.
4.
Moçambique terá efeitos dessa medida. Ilustres, infelizmente os nossos estudantes
e até nossos professores, em parte dependem muito da produção científica brasileira.
São na maioria brasileiros que escrevem artigos científicos filosóficos e
sociológicos nos meandros académicos virtuais e os nossos professores, como os
estudantes, são consumidores destas produções. Agora fico um pouco reticente sobre
o mesmo ritmo de produção com esse decreto de Bolsonaro.
5.
O país não é construído apenas de mecânicos, engenheiros, veterinários, não
investir na componente humana, é o pior erro que se pode cometer para uma nação.
É preciso não só investir em áreas exactas, mas em humanas também. A nação é
construída com uma massa pensante e também pragmática, ambas de mãos dadas. De
forma tímida, acredito que esta medida de Bolsonaro tem um objectivo político,
quer destruir a massa crítica da sociedade pois sabemos que nenhum filósofo é
bem-vindo na polis.
6.
Por último, cumpre aludir que a Filosofia sempre foi um mal necessário na
sociedade, do mesmo jeito que Bolsonaro está hoje a dar K.O às faculdades de
Filosofia e Sociologia, haverá outro presidente que vai dar um O.K.
A Filosofia
e Sociologia são um mal necessário.
01/05/2019