Ao consulado dos Deuses

Ao consulado dos Deuses
Ao consulado dos deuses


     Não sei a quem devo reclamar esta injustiça, se é ao deus dos brancos, se é ao deus da África, do Cajueiro, deus bíblico, deus jesuíta, ou aos demais deuses. No entanto, creio que haja um consulado dos deuses em representação do ser supremo (criador dos mares e da terra, das estrelas e do sol, das rochas e do céu, criador dos Homens, idiomas, etc) em cada povo.

     O budahismo, o cristianismo, o judaísmo, o islamismo, entre outras crenças, não são frutos da mera ignorância humana. Existe sim um ser supremo, e em cada povo, assim como nos Estados, existe um consulado represente deste Deus, quiçá a tal representação tenha um nome diferente do qual a minha inocência consegue elucidar, mas por questões de preguiça mental ou cortesia divina, prefiro me referir a esta representação divina como  " consulado dos Deuses ".

     É com enfadonho fado que escrevo ao cônsul divino, talvez seja incongruente que o faça desta maneira, porém, não encontro e nem encontrei outra melhor, se existir, com a vossa anuência senhores  do consulado, permitam-me que o faça.

     A quilómetros de dor que busco por essas cortesias divinas, formas claras de vos comunicar o meu desatino com a vida, e a insatisfação de querer faze-lo de modo certo, transcende a fisionomia da intangível perfeição. E essas tentativas frustradas de vos comunicar a instabilidade débil da minha vida, tornam-se numa cicatriz que me carcome dias após sol.

     Se quiserdes meus senhores, vos juro a morte, não perguntem porque não juro com a vida, pois ela é descartável, insípida, curta e menos prazerosa que a morte. Isso quem quiser certificar-se que beba dos meus lábios espirituais a saliva amarga  da minha falecida tia Ana. Que Deus a aguarde em seu Santo Templo. Eternas saudades tia.

     São quilómetros de distância do céu até ao Senhor supremo, uma despedida de "até mais", não atrasa ninguém meus senhores. A morte quando chega instala-se na alma, causa depressão estomacal e deixa todos os órgãos do corpo debilitados, tontos. Assim foi com a partida da tia Ana. Nesses dias de frio, cansativos e de bafo carnal, me ausento pelas avenidas, busco praças de consolo a beira-mar, choro como choram os rios de inverno, sangro como sangram as mulheres quando vêm a lua por entre as pernas, e sinto uma dor convulsiva de pura ausência espiritual. Saudades da tia Ana. Sim são estes dos demais aspectos que me apetecem reclamar ao Deus supremo. Será que me entendem senhores do consulado? Será que farão chegar como o Kota Sostino fez chegar até a mim, a boa nova do desaparecimento físico da minha estimável tia?

     Por vezes penso em mil manias de fuga. Introduzir-me entre os bosques, entre as ruínas, dedilhar o silêncio das obras abandonadas pela empreitada, e assumir a líquida forma da noite, serena, calma e desabitada de sombras. Porém,  de tanta instabilidade espiritual, cai-me desta secular careca, piolhos de aço como quem sente o cabelo branco da velhice a lhe surgir. É difícil triturar com os dentes o férreo sabor desta morte repentina. Oh tia, será que me ouve?

     Ah sim, não é a si que escrevo tia, mas ao consulado dos deuses, ao Deus supremo. Você também foi vítima destas inconsequências divinas, a sua morte foi uma falha matemática dos deuses. Quantas Anas desdentadas existem no mundo? Outras sem idade porque a morte esqueceu-lhas. Porquê ela senhores do cônsul? Com a ossada bem estruturada capaz de suportar uma volta ao mundo a pé e ainda com os dentes em dia capazes de bifurcar milho do mundo inteiro. Que justiça vocês se referem quando se sentam em vossos assentos divinos para estabelecer leias da vida? Senhores supremos. Oh deuses de toda terra.


Jeconias Mocumbe

Fernando Absalão Chaúque

Professor, escritor, poeta e blogueiro. Licenciado em Ensino da Lingua Inglesa. Autor de ''Âncora no ventre do tempo'' (2019) e co-autor de ''Barca Oblonga'' (2022).

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