A importância do amor para o poeta



Refiro-me ao amor que assombra os poetas. Falo desse porque, infelizmente, é o único que eu posso experienciar. O amor é, realmente, escuridão e luz. É uma moeda com duas faces, uma ligeiramente doce e a outra, profundamente amarga.

Ambas as faces, ou simplesmente fases, são importantes para o poeta, para a poesia.

É importante amar para depois sofrer. Sofrer por alguém, sofrer por alguma coisa. Sofrer com o peito aberto, cheio de feridas vivas, o sangue a escorrer nas pontas dos dedos, e a embebedar as pedras, onde o poeta fotografa o tempo.

Um amor que não termina em sofrimento não merece ser vivido. Não traz nada que acrescente a literatura. Porque a poesia é feita por aquela outra face, a escura. A poesia é feita de abismos, de lâminas e de gritos. A boa poesia é como um bom vinho, nasce da podridão, do tempo e das coisas obscuras que as frutas doces deixam quando estão à beira da morte.

O ciclo do amor é como o acender e o apagar de uma lâmpada em uma casa escurecida. Quando a apagamos, a escuridão abre as asas, e o cheiro dos fantasmas nos entra pela boca e pelos poros da pele, e é aí onde começamos a ver monstros, e todos os nossos medos tornam-se tangíveis. E tudo o que a luz oculta volta-se contra nós, e essa luz doente é o amor: são as memórias que construímos ao longo dessa intensa tecelagem pela felicidade, mas quando acendemos de volta a luz, os fantasmas desaparecem, e fica uma sensação de todo o sofrimento ter sido ilusório.

Eis mais uma razão de registar a escuridão: prender o abismo no poema. É lá onde o poeta se aproxima às coisas divinas, às coisas mais profundas da carne, às coisas mais ínfimas da linguagem, à poesia.  

Por isso é importante amar quando o amor vier bater à porta. E se não vier, o poeta deve procurá-lo. Vasculhar água por água para achá-lo, e abraçá-lo sem tocá-lo.

O amor é um pico: não podemos nos aproximar muito dele. E é também um pássaro, não podemos amarrá-lo ou abraçá-lo como se fosse nossa propriedade.

O amor não é de ninguém. O amor é uma ninfa que aparece de noite para nos ensinar a colher estrelas.

E nesse momento de puro êxtase, quando a felicidade é um vidro limpo onde escorre a água cristalina, o poeta deve amar. Amar profundamente. Amar loucamente. Também porque o poeta não sabe amar poucamente. E com a sua alma aberta, pronta para fotografar as coisas pequenas, as coisas abstractas, as coisas que ele mesmo constrói com o seu coração maior que o amor que ele próprio inventa.

É bom construir utopias: esses castelos de nuvens. É bom nascer em cada amor, e não em cada pessoa, as pessoas são meros objectos que são pousados pelo amor. Amor é um tipo de espírito que assenta na alma das pessoas. E o poeta deve ir ao encontro dessa divindade, abaixar o seu ouvido, e escutá-la atentamente, como se a sua vida dependesse das confissões dela. Colher cada momento como se colhesse mel dentro de uma flor. E abrir a sua alma para que a outra pessoa plante espinhos e tudo que machuca a carne. Para que pouco a pouco os espinhos cresçam dentro como um balão colorido na boca de uma criança.

Por O. J. Guido

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