Entrevista a Cecília Meireles - Conversas d’Além Mundo

Entrevista a Cecília Meireles - Conversas d’Além Mundo
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“(…)
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Caminhei tantos caminhos,
tanto tempo e não sabia
como era fácil a morte
pela seta do silêncio
no sangue de uma alegria.

Seus olhos andam cobertos
de cores da primavera.
Pelos muros de seu peito,
durante inúteis vigílias,
desenhei meus sonhos de hera.

Desenho, apenas, do tempo,
cada dia mais profundo,
roteiro do pensamento,
saudade das esperanças
quando se acabar o mundo...”

“Alva” sinónimo d’alvorada, é título dos versos acima expostos, pertencentes a Cecília Benevides de Carvalho Meireles, ou simplesmente Cecília Meireles como popularmente é conhecida no mundo literário. Foi jornalista, pintora, professora, porém é mundialmente conhecida como poetisa representando o movimento Parnasianismo, Modernismo e o Simbolismo. Cecília Meireles nasceu na “cidade do Cristo Redentor”, no país da “Ordem e Progresso”. Estreia-se no mundo literário em 1919 com a publicação do “Espectros”, livro composto por dezassete sonetos. É considerada uma das mais importantes escritoras brasileiras, com mais de 50 obras publicadas, d’entre elas: Criança, meu amor; Nunca mais; Poema dos Poemas; Baladas para El-Rei; Saudação à menina de Portugal; Batuque, Samba e  Macumba; e Viagem. Sua obra mais conhecida é o “Romanceiro da Inconfidência”, publicada em 1953.
Segundo Fuks (2017), entre os seus temas mais frequentes estão o isolamento, a solidão, a passagem do tempo, a efemeridade da vida, a identidade, o abandono e a perda. A autora tem assinado seus textos com o nome Cecília Meireles e com o pseudónimo Florência.

Quem é Cecília Meireles?
CM: Sou poeta, irmão das coisas fugidias… mais nada.

O que te define?
CM: Lágrima do mar… porque anda com pena no meu coração…

O teu coração anda conturbado?
CM: Sem noções do mal nem do bem…

Alguma desilusão amorosa?
CM: Talvez… ele ainda viva dentro dessas “águas sem fim”, ou talvez o sol que acabara e as águas que se perdiam transportaram minha sombra para a sua companhia... mas nem no sol nem nas águas os teus olhos o veriam.

Há quem diga que a tua personalidade se afigura a da Florbela Espanca, é verdade?
CM: Não vês?! […] é preciso vergar a lâmina das espadas e despedaçar estátuas, destruir as lâmpadas, abater cúpulas, e atirar para longe os pandeiros e as liras... para conseguir ver.

Quando é que se encanta pela literatura?
CM: Quando o sol ia acabando e as águas mal se moviam, quando o ar da morte se eleva, estrelas e os grilos palpitam ao mesmo tempo.

Gostas de compor de dia ou de noite?
CM: De noite… quando o tempo anda inseguro. “Noite que vem por acaso, trazendo nos lábios negros o sonho de que se gosta”.

É sabido que é formada em Música, o que te fez não ter tanta notoriedade na literária cantada?
CM: A voz que o vento abraça e leva, que ninguém viu passar… morrerá com o meu coração.

Sente que ninguém ouve tua música?
CM: Minha loucura foi brilhante e rara, mas ninguém quer ouvi-la… minhas palavras são a metade de um diálogo obscuro continuado através de séculos impossíveis. Talvez não haja nada para ouvir nessa música desvairada que sai de mim.

Como é que caracteriza a tua infância?
CM: Uma pobre rosa ao vento… distâncias da vida, isento de tudo… a vida estava quieta!

Algum motivo para tal quietude?
CM: Melancolia… aqui está minha vida – esta areia tão clara com desenhos de andar dedicados ao vento. Aqui está minha voz – esta concha vazia, sombra de som curtindo o seu próprio lamento. Aqui está minha minha dor – este coral quebrado… este mar solitário que de um lado era amor e, do outro, esquecimento.

Teria sido essa melancolia ou Fernando Correia Dias, que te fez emigrar para o mundo das tintas?
CM: Nem um e nem outro, aprendi com as primaveras a deixar-me cortar e a voltar sempre inteira.

O que te fez desistir de escrever a tão sonhada ópera sobre o apóstolo São Paulo?
CM: O silêncio dos desertos fugindo com o céu para longe de mim. Guardo uma sensação de drama sombrio, com vozes de ondas lamentando-me.

Nunca pensou em retornar a esse sonho?
CM: Sempre, mas a seiva dentro de mim continua sufocada, nutrindo o sonho no equilíbrio do silêncio.

“Eu não tinha este rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.” Acha que o tempo moldou o teu ser?
CM: O tempo suspira na altura por eternidades serenas”, ele sempre nos molda como o coração no peito que reúne os sulcos feridos: sombras efêmeras que afogam-se na conjunção das ondas.

Se tivesse poderes de mudar algo na humanidade, o que mudaria?
CM: Guerras… armas que levam à morte o perfume de uma rosa desfolhada.

Se tivesses chance de voltar numa das épocas da tua vida, qual seria?
CM: Nenhuma, minha vida é uma pobre rosa ao vento que povoa as distâncias da decadência de tudo.

Quais são os teus futuros projectos?
CM: Morrer é uma coisa tão fácil que todas as manhãs me admiro de ter o sono conservado fidelidade ao meu suspiro.”
Morrer de cantar no ar azul do meio-dia, enquanto perpassa o tumulto dos pássaros.

Estamos nos últimos cartuchos da nossa interação, é possível contemplarmos um dos teus escritos?
CM:
“Repara na canção tardia
que timidamente se eleva,
num arrulho de fonte fria.

O orvalho treme sobre a treva
e o sonho da noite procura
a voz que o vento abraça e leva.

Repara na canção tardia
que oferece a um mundo desfeito
sua flor de melancolia.

É tão triste, mas tão perfeito,
o movimento em que murmura,
como o do coração no peito.
Repara na canção tardia
que por sobre o teu nome, apenas,
desenha a sua melodia.

E nessas letras tão pequenas
o universo inteiro perdura.
E o tempo suspira na altura

por eternidades serenas”.


Entrevistado por: Síul Leumas

Bibliográfia
MEIRELES, C. (1957). Viagem, eBooks Brasil, https://eBooksBrasil.com

Fernando Absalão Chaúque

Professor, escritor, poeta e blogueiro. Licenciado em Ensino da Lingua Inglesa. Autor de ''Âncora no ventre do tempo'' (2019) e co-autor de ''Barca Oblonga'' (2022).

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