Vidro Rasgado - Capítulo 9

Vidro Rasgado - Capítulo 9

Vidro Rasgado - Capítulo 9

Capitulo 8 - AQUI


O desespero e a curiosidade invadiram a consciência dos homens. Otília olhava para os mesmos com a felicidade estampada no seu rosto.

- Talvez estejam a se perguntar: "quem é o informante?" Pois bem, vou matar a vossa curiosidade. - Imitando a voz dos animadores de shows disse: - Que rufem os tambores, o informante é nada mais e nada menos que... - Criou suspense chamando o silêncio.

Passado três minutos soltou o verbo:  A recepcionista que tu não mataste. - Revelou o enigma apontando para o homem que falhou a missão.

O espanto seduziu os semblantes dos homens deixando-os atónitos e a discussão se instalou:
- Porquê não a mataste? - Perguntou o homem dando um soco forte na cara do comparsa.

- Não tive coragem de apertar o gatilho. - Disse com voz abafada.

- Filho da p... - Gritou o homem muito indignado.


••••

Zé continuava preso na caixa minúscula sem saber onde estava, apenas ouvia o silêncio e o ruído dos pneus no asfalto lhe invadindo os tímpanos. Movimentou as mãos, descobriu que estavam amarradas. Meteu a mão no bolso esquerdo da calça jeans preta que usava, e achou uma canivete para sorte dele. Cortou a corda, libertou as mãos pegou no celular que tinha caído do bolso da sua camiseta azul, tentou ligar para o parceiro mas no local onde estava não tinha cobertura da rede telefónica.

- Poxas! Só me faltava essa para fuga ser perfeita. - Sussurrou.

Mesmo sem a cobertura da rede telefónica, decidiu enviar uma mensagem para o parceiro com os seguintes escritos: "Vá no gabinete do delegado, atrás da mini-geleira escondi um envelope branco que contém o dossier da investigação. Quando receberes essa mensagem provavelmente estarei morto... Te peço uma coisa muito importante para mim, não permita que a política amordaça a justiça, lute sempre pela justiça independentemente das circunstâncias que podem advir, nunca se esqueça desse princípio meu parceiro".

Enviou a mensagem e ficou ali silencioso esperando pacientemente pela morte que tardava em chegar. As dores lhe invadiram o corpo quando o carro atravessou uma lomba, sentiu que o Corolla XE Sallon estava sair da estrada entrando num caminho de terra batida.

- Agora estou convencido, esses gajos querem me matar de verdade.

- Era para ti matarem de mentira? - Perguntou uma voz que era familiar aos ouvidos do Zé.

- Ainda não estou preparado para morrer. - Afirmou.

- Nunca se está preparado para morrer. A morte faz parte da existência humana desde os tempos remotos, mas nunca se está preparado para recebê-la.

- Tens razão. - Concordou.

- Mas cá entre nós, a vida apesar de ter seus dissabores ela é boa e nunca nos farta.

- Tens razão mas uma vez, já dizia Peter Tosh na sua musica intitulada Equal Rights: "... everybody want to be  in heaven but no one wants to die..."

- De facto, porém...

A voz sem identidade desapareceu quando o automóvel travou bruscamente.

- Sinto aragem calma da morte. - Zé sussurrou sentindo o peso dos vocábulos no seu âmago.

Os homens travam o automóvel em frente a uma cabana de construção precária que estava se despedaçando, revelando que já não tinha para aguentar a velhice do seu corpo. A cabana se localizava há 300Km da cidade, tinha sido erguida numa paisagem repleta de capim que atingia uns 2m de altura. A cabana vestia no seu corpo o cinzento da ruína.

Os dois homens desceram do carro dirigindo-se para as traseiras do mesmo. Manipularam suas makarovs, pistolas de fabrico russo e apontaram para o capô.

••••
A noite já consumia os olhos de todos seres agraciados pelo dom da vida. O céu estava meio enegrecido, impedindo as estrelas de mostrarem sua beleza no cenário nocturn.

 Quím caminhava com a tristeza estampada no seu rosto, dava passos lentos como se não quisesse chegar na sua residência. Vagava na beleza nocturna quando foi interpelado por uma voz.

- Parvo, foste usado! - Pensou.

Meteu a mão no bolso esquerdo da calça e descobriu que o seu telefone tinha desaparecido.

- Merda! Sabia que não dava para confiar nela, mas mesmo assim me entreguei.

Continuou sua caminhada ainda meio nefelibático até contornar a esquina que dava acesso a sua casa. Avistou de longe alguns raios de luzes movimentando-se no interior da sua sala de estar.

- São lanternas. - Sussurrou com voz abafada.

Caminhou com muita cautela e atenção redobrada para o seu quintal, encontrou o seu companheiro de solidão Melman esperando por ele na varanda. Melman era um gato de pêlo preto e o branco. O bichano fora  presente da sua mãe quando completou uma década de existência.

Tomou o bichano nos seus braços e caminhando nas pontas dos pés, se dirigiu para parte de trás do quintal. Queria entrar na casa através da porta exterior da cozinha. Na sua caminhada silenciosa, ouvia atentamente o diálogo dos invasores, mergulhou uma das mãos no seu acastanhado casaco procurando o gravador, mas o bolso era consumido pelo vazio.

- Merda. - Disse muito furioso que a voz foi ouvida pelos intrusos.

- Temos companhia. - Disse um dos intrusos numa voz quase inaudível.

- Desliga a lanterna. - Ordenou o outro intruso.

Ambos desligaram as lanternas intimando o escuro para lhes fazer companhia. Quím continuava no seu trajecto quando foi surpreendido com uma pancada na nuca, soltou o Melman que estava aconchegado no calor dos seus braços e caiu sobre a relva gelada perdendo a consciência das coisas.



Autor: Arnaldo Tembe

Fernando Absalão Chaúque

Professor, escritor, poeta e blogueiro. Licenciado em Ensino da Lingua Inglesa. Autor de ''Âncora no ventre do tempo'' (2019) e co-autor de ''Barca Oblonga'' (2022).

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